Numa das primeiras cenas de Com Amor, Simon, o pai do personagem-título mostra um vídeo caseiro e pergunta o que o filho achou – e quando Simon diz que achou a edição meio brega, o adulto responde afirmando que “este estilo era um sucesso quando sua mãe e eu éramos jovens“. Qual a tréplica do adolescente? “Bill Cosby também era“. Além de servir como uma ótima piada, este comentário resume boa parte das intenções temáticas do projeto, que fala muito sobre a necessidade de deixar valores conservadores e retrógrados para trás a fim de abraçar maneiras novas e diferentes de enxergar o mundo, a convivência e o afeto. E, mesmo com uma quantidade considerável de problemas, Com Amor, Simon é um filme cuja coragem é o suficiente para torná-lo admirável.
Inspirado no livro Simon vs the Homo Sapiens Agenda, que Becky Albertalli escreveu em 2015, o longa gira entorno de Simon Spier, um estudante do ensino médio que leva uma vida comum ao lado dos familiares e dos melhores amigos, mas guarda para si um segredo: sua homossexualidade. O clima começa a ficar mais tenso, porém, depois que um colega (canalha) descobre que Simon é gay e resolve chantageá-lo para saber como conquistar uma de suas amigas, o que provoca no protagonista uma série de conflitos internos inevitáveis.
Trata-se, portanto, de mais um representante do subgênero “young adult fiction” (pensem em A Culpa é das Estrelas e Cidades de Papel, por exemplo) – e o simples fato de uma obra com potencial para atingir um público tão amplo abordar a homossexualidade de forma tão delicada é, por si só, um ato que exige valentia (o que é um triste reflexo do quão atrasada é a sociedade, que ainda em 2018 é incapaz de aceitar o universo LGBTQ). Dito isso, é claro que Com Amor, Simon também precisa discutir a questão apropriadamente para merecer aplausos, sendo então um alívio que tanto o diretor Greg Berlanti (gay assumido) quanto o roteiro de Isaac Klausner e Pouya Shahbazian tratem o assunto com sensibilidade e sinceridade – aliás, o filme acerta ao mostrar, em seus primeiros minutos, o quão trivial é a rotina de Simon antes de revelar seu segredo, tornando inquestionável a normalidade do garoto (e afastando a ideia preconceituosa de que sua sexualidade automaticamente implicaria num estilo de vida peculiar).
Em seus melhores momentos, inclusive, Com Amor, Simon mostra-se inspirado ao tocar no assunto – e embora existam várias sequências dignas de nota, nenhuma se compara à brilhante passagem em que Simon imagina como seria se seus amigos tivessem que assumir a heterossexualidade para seus pais (que reagem como se fosse uma experiência traumática), o que obviamente consiste num exercício de empatia curioso. Além disso, numa das últimas cenas do filme, o diretor do colégio surge tentando promover a tolerância e, em vez disso, acaba cometendo um ato de ignorância, o que serve simultaneamente como piada e como indício de quão falhos podem ser até aqueles que se consideram esclarecidos. Para completar, quando Simon conversa com um homossexual assumido e sugere que sua “saída do armário” parece ter sido mais fácil, percebemos como um gay também pode desconhecer as condições de alguém que divide a mesma orientação sexual.
Infelizmente, Com Amor, Simon se prende às convenções mais irritantes das young adult fictions, um subgênero que tende a apostar em clichês e situações/diálogos artificiais. Aqui, para cada sequência construída com cuidado e inteligência por Greg Berlanti, há outras duas ou três que chegam perigosamente perto da vergonha alheia: o que dizer, por exemplo, do horroroso instante em que o colega chantagista de Simon resolve fazer algo (sem spoilers) num campo de futebol americano? E se o número excessivo de diálogos expositivos é um problema iminente, a quantidade de situações duvidosas ou absurdas leva o espectador a duvidar do intelecto e, às vezes, da moral de certos personagens. Como se não bastasse, Com Amor, Simon ainda inclui outra coisa insuportável que frequentemente está neste tipo de filme: um diretor de colégio que se acha engraçado e não para de fazer piadinhas imbecis; neste caso, quem cumpre a função é Tony Hale, que precisa de poucos segundos para que sua saída do longa seja desejada.
Investindo num elenco majoritariamente composto por adultos interpretando adolescentes (outro erro comum nessas produções), o longa se beneficia da escalação de seu protagonista, já que, mesmo sem ser o melhor ator do mundo, Nick Robinson encarna com precisão os dilemas pessoais que pontualmente diminuem a vitalidade jovial de Simon. O resto, por outro lado, não tem a mesma sorte: se Alexandra Shipp exibe um carisma razoável e Katherine Langford é hábil ao transmitir um apego especial pelo personagem-título, Jorge Lendeborg Jr. não encontra muita naturalidade em suas caras e bocas ao passo que Logan Miller protagoniza os momentos mais constrangedores da obra. Por fim, Jennifer Garner e Josh Duhammel surgem em performances surpreendentemente carinhosas, mas ambos são atores limitados demais para irem muito além disso.
Apesar de todos estes tropeços (sem contar a trilha incidental de Rob Simonsen, que faz questão de mastigar exageradamente cada emoção que o espectador deve sentir ao longo da projeção), Com Amor, Simon segue um filme relevante e moderadamente eficaz, destacando-se graças a passagens criativas como a que traz o protagonista imaginando um mundo alegre e multicolorido como aquele em que gostaria de viver – e gosto particularmente da ideia de ir trocando os atores que interpretam o admirador secreto imaginado por Simon à medida que este relê os e-mails enviados pelo desconhecido.
E é uma pena, no entanto, que a cena final da narrativa abrace com tanto afinco o conceito de água com açúcar, mostrando-se terrivelmente melosa – e o fato de resgatar em uma única sequência todos os personagens que apareceram nas quase duas horas anteriores, aliás, indica outra falha grave do longa: a necessidade de incluir cada vez mais personagens e situações paralelas, inchando a trama e eventualmente perdendo o controle da história.