Um Lugar Silencioso

Título Original

A Quiet Place

Lançamento

5 de abril de 2018

Direção

John Krasinski

Roteiro

John Krasinski, Bryan Woods e Scott Beck

Elenco

John Krasinski, Emily Blunt, Millicent Simmonds, Noah Jupe e Cade Woodward

Duração

95 minutos

Gênero

Nacionalidade

EUA

Produção

Michael Bay, Andrew Form e Brad Fuller

Distribuidor

Paramount Pictures

Sinopse

Em uma fazenda dos Estados Unidos, uma família do meio-oeste é perseguida por uma entidade fantasmagórica assustadora. Para se protegerem, eles devem permanecer em silêncio absoluto, a qualquer custo, pois o perigo é ativado pela percepção do som.

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Um Lugar Silencioso | Crítica

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Sempre que a premiação do Oscar está próxima, costumo publicar minha tradicional lista de previsões para a premiação e, ao falar sobre a categoria de Melhor Mixagem de Som, frequentemente digo que a tendência mais segura é apostar no candidato mais “barulhento” (filmes de guerra, por exemplo, costumam se dar bem neste sentido). Não é incomum, portanto, que obras donas de um design sonoro mais sutil, porém digno de prêmios – como o brilhante Em Ritmo de Fuga – sejam injustamente ignoradas. Dito isso, não ficarei surpreso se a Academia subestimar Um Lugar Silencioso em 2019, já que, embora mereça uma vaga cativa entre os indicados nesta categoria, provavelmente perderá para algum longa cuja construção de som traz méritos mais fáceis de identificar.

Escrito, dirigido e estrelado por John Krasinski, Um Lugar Silencioso se passa num futuro devastado onde criaturas cegas estraçalham qualquer item/corpo que emita som, o que leva a Humanidade a viver mantendo o máximo de silêncio que for possível. Assim, o filme enfoca a família Abbott, que resiste no meio de uma floresta sob a ameaça constante daqueles monstros, carregando tragédias pregressas, remodelando seu estilo de convívio e comunicando-se através de linguagem de sinais e código morse (isso sem contar que a pequena Regan é surda, utilizando por necessidade um aparelho auditivo).

Ousado só pelo fato de dispensar diálogos na maior parte da trama, já que uma parcela considerável do público médio está habituado com exposições faladas, Um Lugar Silencioso é inspirado desde sua premissa, que por si só gira entorno de algo apavorante: a obrigação de permanecer calado (quantas pessoas são realmente capazes de manter o silêncio por muito tempo?). Felizmente, a direção e o roteiro (escrito por Bryan Woods, Scott Beck e pelo próprio Krasinski) reconhecem que ter uma boa ideia não adianta se esta não for executada apropriadamente, desenvolvendo a questão com inteligência e usando-a para abordar os personagens de modo criativo e sutil. Ainda nos primeiros minutos, por exemplo, uma tragédia ocorre porque uma criança não conseguiu… deixar de agir como uma criança, brincando com um aviãozinho sem saber que isto poderia lhe trazer graves consequências. Além disso, o simples fato de Regan ser surda favorece a construção do filme como um todo, pois isto pode servir como desvantagem determinante aqui e instrumento que salvará a garota ali.

O desempenho de John Krasinski como diretor, inclusive, é uma surpresa à parte, já que este é somente o segundo longa-metragem comandado pelo cineasta (o primeiro foi The Hollars, de 2016): hábil ao retratar o peso que os personagens são forçados a carregar em função do contexto no qual estão situados, Krasinski encontra no meio do horror um espaço para explorar com delicadeza e objetividade as relações entre os quatro familiares, destacando-se em passagens sensíveis como a que traz um casal dançando e aquela envolvendo uma cachoeira – aliás, o travelling que revela a barriga grávida de Evelyn, a mãe da família, e culmina num brinquedo pendurado em cima de um berço é digno de nota, pois demonstra com sucintez a necessidade que aquela sente de preencher um vácuo emocional deixado por um trauma recente. Para completar, a angústia que Krasinski cria é incessante nos 95 minutos de projeção, transformando Um Lugar Silencioso numa experiência que, a partir de qualquer ruído interrompendo o silêncio, põe o espectador na ponta da poltrona o tempo inteiro.

Aliás, se Jordan Peele, conhecido pelo que fez no Comedy Central, surpreendeu quando investiu no terror com Corra!, John Krasinski também não desaponta ao abraçar o thriller depois de construir uma carreira que inclui, por exemplo, a versão norte-americana de The Office. Sim, aqui e ali o diretor tropeça ao forçar jump scares que soam gratuitos – e a decisão de revelar a aparência dos monstros sem qualquer parcimônia não é particularmente eficaz, pois descarta a ideia de ir apresentando a criatura aos poucos e gerando um suspense cada vez maior (pensem no que Steven Spielberg fez em Tubarão ou no que Ridley Scott fez em Alien – O Oitavo Passageiro). Em compensação, é admirável que Krasinski consiga explorar tão bem o conceito de ironia dramática (ou seja: quando o público sabe de algo que ameaça os personagens sem que estes percebam, o que leva o espectador a sentir-se tenso porque alguém pode se machucar sem antever ou poder se defender disto). Para completar, Um Lugar Silencioso é também um exercício de gênero dos mais apreciáveis: o suspense está presente durante todo o primeiro ato; do meio para o fim, o terror toma conta e mantém o público apreensivo de modo mais inquietante; e não é absurdo pressupor que, depois que a história se encerra, o que viria a seguir seria digno de um filme de ação.

Mas não é só como roteirista e como diretor que Krasinski se destaca: encarnando o pai Lee Abbott com intensidade e afeto, o ator transforma o sujeito numa figura cuja dedicação é bastante perceptível, agindo menos por instinto de sobrevivência e pelo apego que tem por sua família. E se Millicent Simmonds (que é surda na vida real) tem a oportunidade de empregar sua deficiência auditiva como um recurso inesperadamente vantajoso, o que confere força à pequena menina, Emily Blunt (que é esposa de Krasinski na vida real, quase como se Um Lugar Silencioso fosse um projeto de família) se sai especialmente bem ao transitar entre o medo provocado pela ameaça enfrentada e a vontade de tomar uma atitude em prol da segurança alheia (e um dos motivos que tornam a cena envolvendo uma banheira tão eficiente graças é justamente o pavor projetado por Blunt).

Claro que, para soar convincente, a história narrada em Um Lugar Silencioso precisa contar com uma construção de mundo satisfatória – e é por isso que o designer de produção Jeffrey Beecroft merece pontos por seu trabalho aqui, já que, além de retratar o universo no qual a trama se passa como um mundo arruinado e pós-apocalíptico, ainda insere detalhes que enriquecem a mítica da obra (como as marcas de areia na casa feitas para evitar que seus habitantes façam barulho ao pisar no chão). E se a trilha composta por Marco Beltrami fortalece o terror experimentado pelos personagens e a tensão provocada no público, a fotografia de Charlotte Bruus Christensen captura com precisão o clima brutal e decadente evocado pelo resto do longa, manipulando as sombras de forma louvável e privilegiando um vermelho que sempre sugere hostilidade.

De todo modo, em um filme chamado Um Lugar Silencioso, é de se esperar que o desenho sonoro venha a desempenhar um papel fundamental – e volto a dizer: se Michael Barosky, Brandon Proctor e Noyan Cosarer não estiverem entre os indicados ao Oscar de melhor mixagem de som em 2019, é porque a Academia enlouqueceu ou ignorou impiedosamente a habilidade dos três profissionais. Ambientada num cenário onde qualquer manifestação sonora deve ser sumariamente impedida, a trama obviamente faz do silêncio uma prioridade narrativa e dramática, permitindo que a equipe responsável pelo design de som concentre-se em cada ruído a fim de transformá-lo em algo que potencializará a tensão. Assim, quando qualquer barulho (por menor que seja) invade o espaço, o espectador é prontamente levado a temer pelo que acontecerá, servindo para definir o tom da história ao passo que, em outros momentos, os mixadores utilizam a sonoridade para demonstrar como os personagens se sentem – e quando mergulhamos numa câmera subjetiva que mostra o olhar de Regan, sua surdez é ilustrada através de um silêncio mais abafado que aquele que “ouvimos” no resto da projeção.

São detalhes como este que fazem de Um Lugar Silencioso a primeira grande surpresa oferecida pelo terror em 2018. Trata-se de uma experiência fabulosa, mas que certamente depende do bom comportamento do público, que estará perdendo um espetáculo técnico se permanecer falando durante a sessão (sem contar a grosseria, é claro). Basta dizer, por fim, que Krasinski provou-se uma excelente adição a um gênero que, nos últimos anos, já presenteou seus apreciadores com obras como O BabadookCorrente do MalA BruxaInvocação do Mal 2Corra!ItAo Cair da Noite e este ótimo Um Lugar Silencioso.

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