De uns anos para cá, Hollywood vem se apoiando cada vez mais na nostalgia ao conceber suas obras – e não é de se espantar, portanto, que diversas franquias venham sendo resgatadas depois de serem pausadas por um bom tempo. Dentre todos estes esforços recentes (Jurassic World, Star Wars, O Exterminador do Futuro, etc), o primeiro Creed foi, sem dúvida alguma, um dos melhores e mais inteligentes: não satisfeito em apenas homenagear o que John G. Avildsen e Sylvester Stallone haviam feito na série Rocky, o diretor Ryan Coogler soube respeitar a lógica daquele universo e daqueles personagens (já tão conhecidos pelo grande público), porém conferindo à obra uma personalidade nova. Assim, o longa permitiu que Stallone entregasse sua criação nas mãos de outros realizadores, levando o espectador a um questionamento inevitável: será que os capítulos que viriam a partir dali fariam jus ao que Coogler havia apresentado?
Se depender de Creed II, a resposta é um sonoro “sim”. Voltando a adotar a dinâmica entre o personagem-título e Rocky Balboa como centro da narrativa, esta continuação se passa três anos após o jovem Adonis Creed perder a luta contra Ricky Conlan, no final do longa anterior. Mas isto não o fez desistir: de lá para cá, Adonis treinou e enfrentou diversos boxeadores, tornando-se campeão mundial dos pesos pesados – ao mesmo tempo, sua relação com Bianca evoluiu tanto que ambos resolveram se casar. No entanto, tudo começa a mudar com a chegada do russo Viktor, cujo pai é ninguém menos que Ivan Drago (sim, aquele grandalhão que espancou Apollo Creed até a morte, em Rocky IV). Desta forma, é claro que o confronto acaba assumindo um peso pessoal para Adonis, que aceita na hora a oportunidade de encarar o filho do assassino de seu pai – e isto é motivo de preocupação para Rocky, que não quer ver mais um membro da família Creed sendo executado nas mãos de um carrasco como Drago.
Como podem perceber, a premissa está longe de ser das mais criativas: escrito por Juel Taylor e pelo próprio Sylvester Stallone, o roteiro de Creed II conta uma história batida e ainda cria arcos dramáticos que são, no mínimo, previsíveis – não é à toa que, desde o primeiro ato, o espectador pode adivinhar com facilidade o desfecho da trama e como os personagens estarão no final do filme. Se somarmos isto ao fato de que muitas situações soam como reciclagens de outros momentos da saga protagonizada por Rocky Balboa (em Rocky II, o personagem-título pedia sua namorada em casamento; algo que também ocorre aqui), o resultado deixa um pouco a desejar em relação ao anterior. Por outro lado, o roteiro demonstra elegância ao amarrar pontas que nós, espectadores, nem sabíamos que tinham ficado soltas – e gosto particularmente de como a “bandeira branca”, que Rocky poderia ter usado para salvar a vida de Apollo Creed, é reutilizada aqui de maneira inesperada.
Preenchendo o vácuo deixado pela ausência de Ryan Coogler (que estava ocupado com Pantera Negra e, portanto, não pôde retornar), o diretor Steven Caple Jr. é bem-sucedido ao manter o ritmo pulsante e a estética enérgica que transformaram o primeiro filme em uma grata surpresa: as lutas, em especial, são conduzidas com intensidade e sempre fazem o espectador sentir-se no meio da ação, soando ainda mais brutas e viscerais graças à excelente mixagem de som. Da mesma forma, o longa alcança um equilíbrio perfeito entre os momentos dramáticos (frequentemente protagonizados por Rocky) e as pontuais tentativas de humor (a cena em que Adonis pede Bianca em casamento é hilária), ao passo que a tradicional montagem que mostra o personagem-título se preparando para a luta que ocupará o terceiro ato continua empolgante como de hábito (algo que se deve, em boa parte, ao tema musical composto por Ludwig Göransson).
Mas é claro que os personagens sempre foram a verdadeira alma desta franquia: novamente vivido por Michael B. Jordan como um jovem impulsivo, esquentado e constantemente movido pela teimosa, Adonis Creed continua tomando decisões incorretas (e que, mais cedo ou mais tarde, resultam em arrependimento), porém surpreende ao sugerir um claro amadurecimento aqui; desta vez, o protagonista parece ter se dado conta de suas responsabilidades, o que dá continuidade a um arco que começou no filme anterior e que não parou desde então. E se Tessa Thompson segue ilustrando Bianca como uma personagem carismática, autônoma e que reconhece suas eventuais vulnerabilidades (e isto, por si só, comprova sua força), Sylvester Stallone demonstra entender a persona de Rocky Balboa como nenhuma outra pessoa seria capaz de entender, preservando alguns maneirismos que sempre fizeram parte de sua performance (como a mania de dar pequenos soquinhos em paredes/corrimãos/etc) e expressando satisfação, insegurança e tristeza através de pequenos movimentos contidos em seu rosto – em contrapartida, a subtrama envolvendo o filho de Rocky é enfiada à força no meio da narrativa, se limitando a três cenas rápidas que ocorrem com um longo intervalo de tempo e que tocam superficialmente nessa questão.
Por fim, há o núcleo composto por Ivan e Viktor Drago – e aqui, no entanto, o filme começa a apresentar alguns problemas: originalmente criado para ser o vilão de Rocky IV, Ivan Drago é, em essência, um símbolo do ufanismo que tomou conta dos Estados Unidos ao longo da Guerra Fria, transformando o personagem em uma caricatura anacrônica. E isto é algo que Creed II nem sempre consegue contornar, já que os momentos em que Drago inevitavelmente fala sobre os valores de sua nação são artificiais a ponto de quase descambarem para o ridículo. Assim, é espantoso que até mesmo o núcleo da família Drago funcione relativamente bem, já que a frieza e a amargura de Ivan soam palpáveis a ponto de definirem a personalidade de seu filho, Viktor – que, por incrível que pareça, revela conflitos internos que tendem a torná-lo inesperadamente profundo (afinal, ele cresceu submisso às vontades de seu pai e tem medo de se transformar em uma vergonha para a família).
Novamente representando a comunidade negra e tratando as origens culturais dos personagens como algo realmente significativo, Creed II é admirável também em sua tentativa de colocar os deficientes auditivos no meio da narrativa, o que resulta em um esforço de inclusão bem-sucedido e respeitável. O resultado, portanto, é um filme que, mesmo sem trazer o frescor de seu antecessor, comprova que a franquia ainda tem fôlego para durar um bom tempo.