Eu gosto da série Rocky. Mais do que isso: sou particularmente fascinado pelo original de 1976 e, mesmo com ressalvas, aprecio boa parte das continuações que se seguiram desde então. No entanto, é difícil negar que, a partir dos anos 1980, a franquia passou por crises e saturações criativas que terminaram causando uma queda gradual – e profunda – no nível das sequências (em especial, das partes 4 e 5), necessitando de um hiato de mais de 15 anos para, enfim, voltar e se recuperar num ótimo sexto capítulo. Pois a ironia é que, agora, temo que o mesmo percurso esteja começando a se repetir com Creed, série ambientada no mesmo universo do boxeador responsável por lançar Sylvester Stallone ao estrelado há 47 anos: se o primeiro Creed representou uma grata surpresa ao revitalizar a franquia injetando voz, estilo e personalidade novas a algo que achávamos conhecer de cabo a rabo e o segundo manteve viva a promessa de uma série eficiente mesmo já carecendo de frescor, este Creed III se apresenta como um filme competente, mas dotado de alguns problemas que tendem a posicioná-lo abaixo de seus dois antecessores.
Escrito por Zach Baylin (King Richard) e Keenan Coogler (irmão de Ryan, que comandou o primeiro Creed e continua como produtor deste terceiro), Creed III encontra o protagonista Adonis prestes a se aposentar de vez do mundo do boxe a fim de se dedicar exclusivamente à esposa Bianca e à filha Amara. Porém, tudo muda quando um velho conhecido ressurge na vida do lutador: após passar cerca de duas décadas cumprindo pena por um crime que cometeu para salvar a vida de Adonis, o gigantesco Dame Anderson volta para se tornar ele mesmo o campeão mundial dos pesos pesados, superando, é claro, o ex-amigo. Assim, uma série de circunstâncias específicas fará com que Adonis e Dame subam ao ringue e resolvam suas pendências pessoais de forma brutal.
Marcando a estreia de Michael B. Jordan como diretor (aliás, não custa lembrar que algo similar ocorreu com o próprio Stallone, que enxergou na franquia que estrelava a chance de ascender ao posto de direção), Creed III é particularmente eficiente em suas sequências de ação, que mostram-se pontuais e guardadas para os momentos-chave em que terão mais impacto. Mas o mais surpreendente, contudo, é que Jordan se faz valer de uma inesperada estilização ao retratar estes conflitos, ora brincando com as cores e os fundos a fim de isolar totalmente os personagens da realidade que os cerca, ora passeando com a câmera ao redor dos corpos dos atores enquanto aumenta/diminui bruscamente a velocidade com que vemos os socos serem desferidos/recebidos – o que serve não só para tornar aquelas cenas mais dinâmicas e visualmente inventivas, mas também para salientar o efeito dolorido de cada golpe. Aliás, tensão e empolgação são sensações que já estou acostumado a ter nesta franquia, mas agonia é algo que só lembro de ter sentido lá atrás, em Rocky, um Lutador, no instante em que cortam a pálpebra do protagonista – e, aqui em Creed III, voltei a me contorcer diante de várias imagens retratadas por Jordan.
Por outro lado, não há muito que o diretor faça para contornar a ausência de frescor do roteiro ou a forma nada imaginativa com que os arcos dos personagens se desenrolam – e, se na primeira metade o longa consegue sugerir abordagens interessantes para os conflitos e personagens que abordará (em particular, na complexidade moral que parece conferir ao vilão e à sua relação com o herói), aos poucos começa a cair no lugar-comum de qualquer outro capítulo da franquia, desperdiçando algumas boas oportunidades dramáticas a ponto de resgatar Viktor Drago (notem: filho do homem que matou o pai de Adonis) para treinar o protagonista sem que isso gere qualquer dilema emocional (na verdade, a aparição do ex-vilão praticamente se resume a uns vislumbres). Para piorar, Jordan registra as subidas, descidas e recuperações dos personagens de forma tão apressada que acaba diluindo o peso de cada “virada” – e, assim, quando ocorre a perda de uma figura importante da trama, o acontecimento nem de longe soa comovente como se pretende.
Por sorte, Creed III continua a nos conquistar com seus personagens, que representam o coração da série e que, desta vez, merecem ainda mais créditos por provarem que a saga consegue se sustentar na ausência de Rocky Balboa, já que Stallone não topou retornar aqui. Novamente emprestando carisma ao personagem-título, Michael B. Jordan tem a oportunidade de retratar um inédito amadurecimento de Adonis, conciliando o tradicional orgulho radiante (e ocasionalmente arrogante) do herói e a necessidade de assumir uma postura vulnerável a fim de preservar aqueles ao seu redor (afinal, agora ele é pai). E se Tessa Thompson segue ilustrando bem a presença forte e companheira de Bianca sem se resumir a uma sombra do protagonista, é mesmo Jonathan Majors quem surpreende ao trazer complexidade moral/emocional a Dame, retratando-o como um sujeito simultaneamente gentil (e sincero em sua gentileza) e destemperado – e é uma pena que, do meio para o fim, o filme o sabote ao reduzi-lo a mais um vilão genérico e sem personalidade.
Com uma das montagens de treinamento mais fracas e menos inspiradas de todas as duas franquias, Creed III é um bom filme que, no entanto, acende um sinal amarelo para que os responsáveis pela série não caiam nos mesmos erros daquela que a originou.
Assista também ao vídeo que gravei sobre o filme: