Emilia Pérez imagem de topo

Título Original

Emilia Pérez

Lançamento

6 de fevereiro de 2025

Direção

Jacques Audiard

Roteiro

Jacques Audiard

Elenco

Karla Sofía Gascón, Zoe Saldaña, Selena Gomez, Adriana Paz, Mark Ivanir e Édgar Ramírez

Duração

132 minutos

Gênero

Nacionalidade

França

Produção

Jacques Audiard, Pascal Caucheteux, Valérie Schermann e Anthony Vaccarello

Distribuidor

Paris Filmes

Sinopse

México, hoje. Superqualificada e desvalorizada, a advogada Rita trabalha em uma empresa que prefere encobrir crimes do que servir à justiça. Um dia, ela recebe uma proposta inesperada para ajudar um chefe de cartel a se aposentar e desaparecer. Há anos ele planeja se transformar na mulher que sempre sonhou ser.

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Emilia Pérez | Crítica

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Emilia Pérez é um filme curioso ainda que problemático. Se geralmente as histórias ambientadas no submundo do narcotráfico costumam ser retratadas com uma crueza que busca corresponder à truculência e à imprevisibilidade do contexto que retratam, este trabalho do francês Jacques Audiard vai na contramão ao criar uma trama que se esforça em enfocar estes mesmos elementos/arquétipos sob uma lente surpreendentemente delicada e pontuada por toques operáticos – quase fantásticos, eu diria – que ajudam a posicionar aquela narrativa num plano mais lúdico, que se permite soltar os pés do chão em vez de ficar correndo obsessivamente atrás de um pretenso “realismo”. É uma proposta intrigante; pena que, na prática, o filme se perca a ponto de nem sempre fazer jus às suas ambições.

Escrito e dirigido por Audiard, Emilia Pérez começa nos apresentando a Rita, uma mulher que vive frustrada por perceber que seus esforços e talentos na área do direito, no fim das contas, culminaram apenas nela trabalhando para um escritório de advocacia que não só a explora até a última gota de suor, como também a obriga a defender clientes que ela sabe serem culpados e a encobrir as ligações óbvias e profundas que a empresa em si tem com o crime organizado. Tudo muda, porém, quando o chefão do tráfico Juan “Manitas” Del Monte força Rita a trabalhar em uma missão, no mínimo, inusitada: encontrar uma clínica que tope realizar uma cirurgia de redesignação sexual para que, então, “Manitas” possa se converter na mulher que sempre habitou em seu interior – a tal Emilia Pérez que dá título ao longa – e, então, se reaproximar dos filhos e da viúva através de uma nova identidade.

Uma premissa inusitada que, de quebra, é trabalhada por Jacques Audiard em uma abordagem tão promissora quanto (mesmo que sua execução tropece bastante – como discutirei a seguir). Propondo uma mescla interessante de temas, heranças culturais e gêneros narrativos, o diretor não hesita em mergulhar num melodrama que remete bastante às bases folhetinescas das telenovelas (basta perceber os tipos de conflitos entre as personagens, o teor dos diálogos trocados entre elas e a maneira com que estas conversas são encenadas por Audiard) ao mesmo tempo que se assume, desde o princípio, como um musical (algo que permite que as emoções sejam expressadas de forma mais explícita, direta). Assim, frequentemente Emilia Pérez se entrega a longos números musicais enquanto explora a realidade do México sem cair na cosmetização de obras como Quem Quer Ser um Milionário? – embora, sim, muitas vezes o trabalho de Audiard soe exatamente como aquilo que é: a visão de um francês sobre as idiossincrasias da América Latina a partir das tropes mais óbvias.

Dito isso, Emilia Pérez funciona, em grande parte, graças às personagens que integram a narrativa e às atrizes que as interpretam. Karla Sofía Gascón, em especial, é um nome que eu desconhecia (erro meu; tratarei de corrigi-lo assim que possível), mas que me surpreendeu à medida que continuava a trazer calor humano e intensidade ao papel da personagem-título. Ao mesmo tempo que há delicadeza no modo com que Emilia se aproxima dos filhos e da viúva de “Manitas”, há também uma frustração crescente por perceber estar vivendo apenas uma projeção de uma realidade que só não foi possível graças às decisões fatais que tomou na “vida passada” – e Gascón estabelece bem a separação entre a instabilidade de “Manitas” e a complexidade de Emilia Pérez. Enquanto isso, Selena Gomez não só demonstra uma presença considerável, como também encarna um papel que, afinal, lhe concede a chance perfeita para exercitar seus melhores dotes: cantar e performar. Por outro lado, Zoe Saldaña se sai bem ao retratar os conflitos internos de Rita, mas é sabotada pela indefinição do próprio filme quanto à personagem em si, já que a personagem em questão começa sendo posicionada como o centro das atenções apenas para ser gradualmente esquecida à medida que a trama avança, tornando-se pouco mais que uma coadjuvante de luxo (ou quase isso).

Aliás, para uma obra que se dedica tanto ao gênero em questão, Emilia Pérez se revela um musical bem caído. Com exceção apenas de “El Mal” (que é razoável), não há uma única canção ao longo dos 132 minutos de filme que seja particularmente memorável ou conte com uma melodia minimamente atraente – e a situação fica ainda pior quando percebemos que os números musicais em si, em termos de estilo e concepção visual, são igualmente esquecíveis (as únicas exceções são uma sequência em que Selena Gomez canta enquanto bagunça um quarto e – de novo – a apresentação de “El Mal”, que é bem dinâmica na forma com que trabalha sombras e luzes de holofotes que ora perseguem, ora isolam Zoe Saldaña em cima das mesas de um jantar de gala). Como se não bastasse, volta e meia Jacques Audiard acaba se perdendo ao tentar manter um pé no mundano e outro no lirismo, terminando em um meio-termo desequilibrado que faz estes números musicais soarem ainda menos interessantes.

Com um terceiro ato que se apresenta corrido (e até meio genérico em sua dinâmica), mas que funciona por embalar as ações em um ritmo tão frenético que lembra o de um capítulo final de novela (o que, considerando as intenções do projeto, faz todo o sentido), Emilia Pérez é uma experiência irregular, mas que é relativamente eficiente naquele que é seu principal objetivo: envolver o espectador.

Visto no Festival do Rio 2024.

Update (12/02/2025): Por que Emilia Pérez é um fracasso enquanto musical?

Se passaram quatro meses desde que assisti a Emilia Pérez e, quando mais penso no filme, menos gosto dele. Neste aspecto, achei prudente esticar esta crítica a fim de aprofundar-me num detalhe que já tinha explorado em meu texto original, mas que hoje sinto que merece uma atenção maior: muito já foi dito sobre como o longa de Jacques Audiard é um retumbante fracasso em sua proposta como musical (uma opinião que já em outubro eu partilhava), mas, afinal, por que é tão ruim neste sentido? Bom, tenho algumas considerações: em primeiro lugar, há uma parte de mim acredita sinceramente que a proposta musical de Emilia Pérez até poderia funcionar (ênfase no “poderia”). Sim, as canções que surgem durante a narrativa são plasticamente “feias”, têm uma sonoridade estranha, contam com ritmo e métrica totalmente desregulados e, de quebra, são cantadas pelas atrizes numa desafinação que dói nos ouvidos.

Dito isso, não considero que isso, por si só, seja um problema em si – e é por isso que, mesmo com todas as ressalvas e antipatias que tenho pelo filme, jamais apoiei este movimento das pessoas na Internet querendo detonar Emilia Pérez sem tê-lo visto, julgando por uma ou outra cena solta que viram circulando nas redes sociais. Ora, para avaliar uma obra, o mínimo que se tem de fazer é conferi-la; vai que há algo na proposta do longa como um todo que justifique a esquisitice daquelas cenas? Não se pode avaliar toda e qualquer produção a partir do mesmo “livro de regras de gênero X ou Y”; às vezes, quebrar convenções e tendências (por mais incômodo que seja o resultado) é o único jeito de se alcançar certo objetivo artístico. No caso de Emilia Pérez, a premissa de ser um musical em que as pessoas não cantam, mas falam “musicado”, poderia resultar em uma forma interessante de desglamourizar o musical em si – algo que seria bem-vindo em um filme que, afinal, trata de um assunto brutal e sensível como os desaparecidos do cartel no México (seria de péssimo tom cosmetizar isso através de uma fantasia lúdica).

Notaram a quantidade de futuros do pretérito que usei nos parágrafos anteriores? Pois é.

O problema é que, mesmo com esta abordagem bem definida, Jacques Audiard parece não ter interesse algum em pensar com o mínimo de consistência os números musicais, a composição destes e a proposta estilística que ele próprio concebeu. Se por um lado o diretor busca despir estas sequências de qualquer teor exuberante (que remeta aos musicais mais tradicionais), na prática ele ainda termina muito refém de uma estrutura mais clássica que invariavelmente o leva a abraçar o operático que tanto rejeita (taí a sequência de “El Mal” para não me deixar mentir). Assim, entre o esplendoroso e o naturalista, Emilia Pérez acaba não sendo nem um, nem outro, terminando num semitom que só faz as sequências musicais soarem… esquisitas mesmo – e não de forma intrigante (mesmo que pela curiosidade mórbida), mas de maneira surpreendentemente desinteressante.

Isso porque a impressão que tenho é a de que Audiard não tem a mínima vontade em filmar nada, em elaborar nada imageticamente. Não há uma proposta estilística nem uma mise-en-scène pensada. Inclusive, desde que assisti a Emilia Pérez (de novo: há quatro meses, no Festival do Rio), me chocou como é um filme assustadoramente feio. Em termos de linguagem, é uma obra que lembra mais aquelas propagandas contra pirataria que vinham em DVDs nos anos 2000 do que uma produção cinematográfica (o que torna sua indicação ao Oscar na categoria de Fotografia particularmente inexplicável, quase ofensiva). E se menciono tantas vezes a sequência de “El Mal”, é porque é a única que me parece dispor de composição e encenação minimamente articuladas, o que me leva a desconfiar que, quando Audiard iniciou o projeto, seu interesse se reduzia exclusivamente a esta cena, rodando todo o resto só para preencher – de maneira troncha – o que vinha antes e depois.

Se antes comentei que Emilia Péreznão caía na cosmetização de obras como Quem Quer Ser um Milionário?”, em parte é porque se trata de uma obra esteticamente tão feia e visualmente tão desinteressante que, mesmo se tentasse cosmetizar, não conseguiria. Em compensação, meu ponto sobre ser “a visão de um francês sobre as idiossincrasias da América Latina a partir das tropes mais óbvias” segue firme e forte, já que não só o longa retrata a realidade do México a partir de caracterizações estereotipadas e eurocêntricas (algo que já fica claro no plano que abre o filme e que traz três mariachis iluminados em LED, expondo que isso é tudo que Audiard conhece de cultura mexicana), como se mostra insensível ao terminar – spoiler! – praticamente santificando alguém relacionado ao mesmo crime organizado que o filme supostamente denuncia.

E nem cheguei a falar de como o roteiro trata a transição de gênero ou, ora, do espanhol de Selena Gómez.

Assista também aos DOIS vídeos que gravei sobre o filme:

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