Entre Facas e Segredos (1)

Título Original

Knives Out

Lançamento

12 de dezembro de 2019

Direção

Rian Johnson

Roteiro

Rian Johnson

Elenco

Ana de Armas, Daniel Craig, Christopher Plummer, Chris Evans, Michael Shannon, Toni Collette, Jamie Lee Curtis, Don Johnson, Katherine Langford, Jaeden Martell, Lakeith Stanfield, Edi Patterson e Noah Segan

Duração

130 minutos

Gênero

Nacionalidade

EUA

Produção

Rian Johnson e Ram Bergman

Distribuidor

Diamond Films

Sinopse

Após comemorar 85 anos de idade, o famoso escritor de histórias policiais Harlan Thrombey (Christopher Plummer) é encontrado morto dentro de sua propriedade. Logo, o detetive Benoit Blanc (Daniel Craig) é contratado para investigar o caso e descobre que, entre os funcionários misteriosos e a família conflituosa de Harlan, todos podem ser considerados suspeitos do crime.

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Entre Facas e Segredos | Crítica

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Rian Johnson é um roteirista sempre disposto a surpreender o público e um diretor sempre interessado em retratar estas surpresas de forma estilisticamente impactante – ou, no mínimo, empenhada. De minha parte, confesso que meu primeiro contato com sua obra não me deixou muito empolgado (o filme em questão foi Looper: Assassinos do Futuro, do qual não gostei). Desde então, porém, minha percepção acerca de seus trabalhos mudou para melhor: depois que assisti aos três episódios de Breaking Bad que ele dirigiu (entre estes, aquele que talvez seja o melhor de toda a série, “Ozymandias”) e a Star Wars: Os Últimos Jedi (meu preferido da fase recente da saga), passei a ficar interessado em um projeto sempre que descobria que o nome de Johnson estava envolvido.

E é um alívio descobrir que Entre Facas e Segredos se apresenta como mais uma demonstração do talento de Rian Johnson, utilizando sua premissa como um pretexto para discutir uma série de questões inesperadamente atuais – e, no processo, desconstruindo convenções do gênero ao qual pertence de maneira fascinante.

Escrito e dirigido por Johnson, Entre Facas e Segredos tem início com a morte de Harlan Thrombey, um famoso autor de histórias policiais que, na noite em que completou 85 anos de idade, aparenta ter sido assassinado por… alguém. Assim, quando a família inteira chama a polícia para tentar descobrir quem o matou (isto é, se alguém o matou), o detetive Benoit Blanc recebe um convite anônimo para investigar o caso e aos poucos percebe que todos os parentes de Harlan podem tê-lo executado; qualquer um presente naquela mansão pode ter cometido o crime. A partir daí, um monte de revelações começam a surgir e a empregada Marta Cabrera ganha um espaço cada vez maior na trama – e, embora muitas destas revelações não sejam necessariamente spoilers, tomarei a decisão de mantê-las em segredo mesmo assim, pois elas merecem ser descobertas por si próprias.

Evocando a atmosfera de obras como Assassinato no Expresso do Oriente e outras influenciadas pelos estilos particulares de Agatha Christie ou Arthur Conan Doyle, Entre Facas e Segredos não esconde seu interesse em remeter aos aspectos mais clássicos dos filmes de investigação – um interesse demonstrado através da trilha sonora sofisticada de Nathan Johnson (primo do diretor), da simples presença de um detetive que investiga um crime de maneira impossivelmente elaborada e de planos que buscam enfatizar a grandiosidade e o charme não só da casa que abriga boa parte da trama, mas também dos objetos de cena que a compõem (e que com certeza custaram caro aos seus compradores). Em contrapartida, Rian Johnson não recusa a entrada de elementos mais modernos na sua abordagem, permitindo, por exemplo, que telefones celulares, câmeras de segurança e diálogos a respeito da situação política atual dos Estados Unidos não só façam parte na narrativa como se mostrem essenciais para o seu andamento.

Ainda mais importante é perceber como Rian Johnson se dispõe a empregar a estrutura dos filmes de investigação criminal apenas para desconstruí-la em seguida: depois de estabelecer firmemente as regras estilísticas inspiradas em Agatha Christie, o cineasta aos poucos quebra estas mesmas regras ao tomar decisões que fogem daquilo que esperávamos no início – o exemplo mais óbvio está no fato de a pergunta mais óbvia da história (quem assassinou Harlan Thrombey?) ser respondida no segundo ato do filme, contrariando a maioria de seus colegas de gênero, que costumam tratar a questão como um grande mistério e deixar para resolvê-lo somente no desfecho. Assim, em vez de se preocupar com a investigação de um crime, Entre Facas e Segredos se revela mais interessado em mostrar se a pessoa responsável por cometê-lo vai se safar ou não, o que é, no mínimo, inesperado. Além disso, Johnson surpreende ao criar passagens bem humoradas que brincam com os arquétipos nos quais certos personagens se encaixam – e, embora apresentado como uma figura imponente e solene, o detetive Blanc aos poucos começa a ser enxergado pelo próprio filme com um certo grau de irreverência (o que culmina em uma cena rápida, mas reveladora na qual ele aparece cantando para si mesmo dentro de um carro).

No entanto, o aspecto mais surpreendente de Entre Facas e Segredos é mesmo sua preocupação em usar sua estrutura de gênero para discutir temas que não poderiam ser mais contemporâneos – em especial, a luta de classes e a imigração nos Estados Unidos (ambas pautas capazes de revirar o estômago do presidente Donald Trump). O mais admirável, porém, é constatar como o filme jamais aborda questões importantes de maneira arbitrária: em vez de apenas salpicar comentários políticos para posar de “tematicamente engajado”, Johnson faz questão de integrá-los à narrativa a ponto de torná-los indispensáveis para que esta progrida. Assim, o fato de Marta ser uruguaia e de sua mãe ser uma imigrante que ainda não conseguiu legalizar sua estadia em solo norte-americano é empregado não só como comentário social, mas também como um motivador de tensão, já que, em certo momento, os vilões ameaçam deportar a família da protagonista caso ela não cumpra com o que lhe foi mandado. Ao mesmo tempo, os familiares de Harlan Thrombey representam um fator agravante na questão da desigualdade social, pois se encontram no topo da pirâmide econômica e se desesperam diante de qualquer coisinha que arrisque tirá-los de lá – o que é comprovado pela reação deles ao descobrirem que, pela primeira vez na vida, um privilégio que eles esperavam (a herança de Harlan) irá para as mãos de uma pessoa menos afortunada (Marta, a empregada), comportando-se como verdadeiros abutres ao redor do corpo do avô.

Reunindo um dos elencos mais impressionantes do ano, Entre Facas e Segredos traz Toni Collette, Don Johnson e Jamie Lee Curtis sob a pele de três ricaços que, mesmo fingindo se importar com Marta apesar de ela não ser privilegiada como eles, jamais conseguem esconder totalmente o cinismo e a soberba de suas personalidades, ao passo que Michael Shannon surge como um indivíduo fisicamente abatido, porém capaz de assumir um tom subitamente ameaçador através de uma leve mudança na expressão ou no tom de voz. E, se Daniel Craig ganha a oportunidade criar um personagem que desconstrói a imagem do detetive sabichão e imponente ao adotar uma postura bem mais irreverente do que de costume, Chris Evans surge aqui em uma das melhores performances de sua carreira, dando vida a um sujeito terrivelmente arrogante e que, por isso mesmo, acaba deixando o espectador incerto em relação ao seu caráter. Para completar, Ana de Armas retrata Marta como uma mulher que, mesmo subjugada graças ao seu status socioeconômico, não se permite ser massacrada pelos seus patrões, trazendo força, confiança e um notável senso de humor à personagem.

Beneficiado por um roteiro inteligente que pega o espectador de surpresa inúmeras vezes sem deixar de fazer sentido em suas reviravoltas (e gosto particularmente de como um detalhezinho bobo – como o fato de Marta não conseguir mentir sem vomitar – é utilizado de formas diferentes pelo filme, podendo servir como catarse aqui, como surpresa ali ou como causador de tensão acolá), Entre Facas e Segredos é uma excelente surpresa que demonstra como Rian Johnson é um cineasta que merece ser acompanhado de perto. Que seus próximos trabalhos não demorem a sair do papel.

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