guerra fria

Título Original

Zimna wojna

Lançamento

7 de fevereiro de 2019

Direção

Paweł Pawlikowski

Roteiro

Paweł Pawlikowski, Janusz Głowacki, Piotr Borkowski

Elenco

Joanna Kulig, Tomasz Kot, Borys Szyc, Agata Kulesza, Irena Bielecka, Jeanne Balibar, Cédric Kahn, Adam Woronowicz, Adam Ferency, Adam Szyszkowski

Duração

88 minutos

Gênero

Nacionalidade

Polônia

Produção

Tanya Seghatchian, Ewa Puszczyńska

Distribuidor

Califórnia Filmes

Sinopse

Durante a Guerra Fria entre a Polônia stalinista e a Paris boêmia dos anos 50, um músico amante da liberdade e uma jovem cantora com histórias e temperamentos completamente diferentes vivem um amor impossível.

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Guerra Fria | Crítica

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A Arte é capaz de resumir o que se passa na cabeça do artista com uma sensatez que pode não ser conquistada através de simples palavras, ditas da boca para fora. Se declaramos uma obra a um amor pelo qual nos apaixonamos perdidamente, é possível que o resultado seja especial; se dedicarmos um trabalho a uma memória particular, este certamente exibirá um grau de intimidade notável; se produzirmos algo sob encomenda, apenas para cumprir com uma obrigação, sua natureza fria e industrial será facilmente constatada por outras pessoas; etc. E se estivermos em uma daquelas fases complicadas onde a vida parece disposta a nos massacrar, isto inevitavelmente se estenderá ao conteúdo que produzimos – aliás, confesso que já senti isso algumas vezes em meu trabalho: quando minhas condições emocionais, psicológicas e até físicas estão comprometidas (como estavam há algumas semanas), o bloqueio criativo vem à tona, as palavras saem com maior dificuldade e meus textos e vídeos acabam soando… mecanizados, como se tivessem sido feitos sem amor.

Poucas coisas dizem tanto sobre um indivíduo quanto sua Arte – e a melancolia, em especial, é uma das sensações que mais podem fazer a diferença em uma obra, pois escancara um caráter naturalmente íntimo e pessoal que, por mais que o artista tente escondê-lo, nunca ficará de fora do resultado final. Guerra Fria, o novo longa do polonês Paweł Pawlikowski (de Ida), demonstra entender este fato de maneira franca e precisa, criando uma história que desenvolve suas próprias condições emocionais ao retratar um contexto histórico específico, uma paixão estilhaçada com o passar dos anos e como ambos se refletem – para o bem ou para o mal – na Arte produzida pelos personagens.

Escrito pelo próprio Pawlikowski ao lado de Janusz Głowacki e Piotr Borkowski, o roteiro começa mostrando o contexto da Polônia no fim dos anos 1940, pouco após o fim da Segunda Guerra Mundial, e direciona suas atenções para um conservatório que está buscando cantoras e dançarinas que possam trabalhar para a propaganda comunista. É lá que somos apresentados a Zula, uma jovem que conta com uma voz exuberante e que acaba sendo selecionada para fazer parte do coral – o que, por consequência, chama a atenção do diretor do músico Wiktor, que comanda o conservatório. A partir daí, a narrativa se desenrola ao longo de quinze anos e acompanha o romance que surge entre Zula e Wiktor, as idas e vindas que tendem a problematizar a relação entre os dois e um pouco da tensão crescente que marcou a Guerra Fria e que serve como pano de fundo para a trama.

Hábil ao fazer o espectador se sentir parte de um universo frequentemente triste e doloroso, Pawlikowski demonstra inteligência e cuidado ao construir a atmosfera que envolve a história e os personagens: iniciando a projeção com uma câmera subjetiva que enfoca um pequeno grupo de artistas de rua cantando e tocando acordeões (e olhado diretamente para o público, numa quebra de quarta parede que, de certa forma, convida o espectador a entrar naquela realidade), o cineasta prefere usar os primeiros dez minutos do filme para estabelecer a frieza daquele contexto histórico, demorando a apresentar o casal que protagonizará a narrativa – e esta decisão se revela surpreendentemente bem-sucedida, já que, antes de conhecermos Zula e Wiktor, passamos a entender o cenário ao redor deles. Assim, não deixa de ser curioso que o filme comece de maneira crua e vá se tornando cada vez mais charmoso, porém não menos melancólico – algo que se reflete consideravelmente nas músicas cantadas por Zula, que, embora belíssimas em sua sonoridade, contam com um grau particular de sobriedade e distanciamento que simbolizam apropriadamente o clima impresso pela direção de Pawlikowski e o estado de espírito da própria personagem.

Fortalecido também pelo excelente trabalho da designer de produção Ola Staszko, que se mantém fiel ao período da Guerra Fria ao fazer jus à grandiosidade da propaganda stalinista (com seus imensos e intimidadores cartazes) e ao recriar tanto a textura desgastada de certas locações arruinadas (como o conservatório que dá início à trama) quanto o glamour das grandes capitais europeias (como Berlim ou Paris), o longa é alçado a um status ainda mais espetacular graças à fotografia de Łukasz Żal, que complementa a visão melancólica de Pawlikowski ao investir em planos gerais que aproveitam cada detalhe das paisagens frias e distantes que tomam conta da maior parte da narrativa, ajudando a construir, através destas imagens, uma atmosfera ainda mais opressora. Além disso, Żal e Pawlikowski repetem uma decisão que se mostrou acertada em Ida e que volta a funcionar aqui: desrespeitar a regra dos terços e enquadrar as cabeças dos atores no canto inferior da tela, como se os personagens fossem constantemente espremidos pelos cenários – e gosto particularmente de como o distanciamento entre os protagonistas é retratado em algumas sequências, com Wiktor em primeiro plano e Zula, ao fundo desfocado. Para completar, tanto Żal quanto Pawlikowski revelam-se ambiciosos ao rodarem um plano que começa estático e aos poucos se transforma em um travelling, o que culmina em momentos que impressionam na composição e na técnica, mas que não precisam chamar a atenção para si (ao contrário do que aconteceu em Roma, onde certas panorâmicas acabavam soando como meras distrações em vez de enriquecerem a lógica visual da obra).

Como se não bastasse, as escolhas estéticas que Pawlikowski toma fazem jus ao seu ótimo roteiro, que estabelece a estrutura da narrativa e dos arcos dramáticos com uma elegância simplesmente encantadora: observem, por exemplo, como o desfecho da história serve para amarrar algumas pontas que o primeiro ato havia deixado soltas (e que nem pareciam ter ficado soltas), chegando ao ponto de criar rimas visuais que contribuem para que o final soe ainda mais coeso. A mesma inteligência se aplica à dinâmica que é construída entre os protagonistas: a meia hora inicial, em particular, cumpre bem sua função de introduzir e consolidar as personalidades de Zula e Wiktor; a partir daí, a narrativa começa a saltar de uma época à outra com uma frequência cada vez maior, reforçando, com isso, a impressão de que há uma tensão crescendo entre o casal. Neste sentido, tanto o roteiro quanto a montagem de Jaroslaw Kaminski revelam-se brilhantes ao associarem estes saltos temporais ao sentimento de urgência que foi se tornando mais intenso à medida que a Guerra Fria prosseguia.

E nada poderia descrever o romance entre Zula e Wiktor melhor do que isto. Sim, Pawlikowski exibe um carinho notável ao lidar com uma história que, diga-se de passagem, é inspirada na relação real entre seu pai e sua mãe (aliás, é curioso que dois dos principais indicados ao Oscar deste ano – Roma, e este Guerra Fria – representem o afeto que seus cineastas têm pelas memórias de seus entes queridos), mas o que realmente pontua a narrativa e o caminho dos personagens é mesmo a tal melancolia que já citei várias vezes ao longo deste texto. Trata-se, portanto, de um amor impossível, pois uma artista que se recusa a sorrir enquanto desvirtua os princípios de sua obra dificilmente ficaria com um maestro já estabelecido e entregue a um sistema que se aproveita da Arte em benefício próprio – e o que mais dói não são as brigas, mas os pequenos momentos que não causariam tanto sofrimento se a relação, em si, não tivesse se prolongado por tantos anos (reencontrar Zula depois que esta “seguiu sua vida”, por exemplo, é algo que obviamente pesa na consciência de Wiktor).

Mas o que os uniu, afinal? A Arte, com sua capacidade natural de unir as pessoas. Evidenciando uma amargura que se torna patente desde o princípio, já que sua obra acabou utilizada como forma de promover o stalinismo (com o qual não concorda), Wiktor é encarnado por Tomasz Kot como um homem de expressão sempre rígida, mas que carrega, dentro de si, uma série de sentimentos conflitantes em relação a Zula e uma paixão incontida pela Música como forma de expressão. Sua companheira, no entanto, é retratada com uma complexidade ainda maior: vivida por Joanna Kulig como uma mulher triste, atormentada e que sente o drama de quem teve que trair seus princípios para sobreviver, reduzindo suas produções a meros produtos políticos (“Ela é sombria demais para o folclore da Polônia stalinista“, diz um militar durante uma apresentação), Zula se vê disposta, ainda no primeiro ato, a denunciar Wiktor com o objetivo de preservar sua carreira. Ao chegar no palco, porém, a cantora imediatamente percebe que, apesar de plasticamente encantadora, sua obra não é mais encantadora como na época em que ainda contava com uma “alma”.

Não tinha como o romance entre Zula e Wiktor dar certo para nenhum dos dois, por mais que a paixão os conectasse de maneira intensa e, sim, verdadeira. E, por isso, o desfecho da história soa doloroso, mas também inevitável e até apropriado, já que ambos preferiram aceitar o amor em vez de tentar rejeitá-lo e sofrer por causa disso. Quem lê sem saber como o filme termina, de fato, deve estar pensando que é tudo lindo e maravilhoso, mas há um tom inegavelmente melancólico na forma como a relação se encerra, após quinze anos. Ao menos, Zula e Wiktor fizeram questão de escolher o melhor lugar para contemplar o pôr do sol.

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