Joias Brutas (1)

Título Original

Uncut Gems

Lançamento

31 de janeiro de 2020

Direção

Josh Safdie e Benny Safdie

Roteiro

Josh Safdie, Benny Safdie e Ronald Bronstein

Elenco

Adam Sandler, Julia Fox, Eric Bogosian, Kevin Garnett, Lakeith Stanfield, Idina Menzel, Jacob Igielski, Keith Williams Richards, Judd Hirsch, Mike Francesa, Noa Fisher, Jonathan Aranbayev, Wayne Diamond, Josh Ostrovsky, Benjy Kleiner e Pom Klementieff

Duração

135 minutos

Gênero

Nacionalidade

EUA

Produção

Scott Rudin, Eli Bush e Sebastian Bear-McClard

Distribuidor

Netflix

Sinopse

Nova York, primavera de 2012. Howard Ratner (Adam Sandler) é o dono de uma loja de joias, que está repleto de dívidas. Sua grande chance em quitar a situação é através da venda de uma pedra não lapidada enviada diretamente da Etiópia, cheia de minerais preciosos. Inicialmente Howard a oferece ao astro da NBA Kevin Garnett, um de seus clientes assíduos, mas depois resolve que conseguirá faturar mais caso ela vá a leilão. Para tanto, precisa driblar seus cobradores e a própria confusão que cria a partir de suas constantes mudanças.

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Joias Brutas | Crítica

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“O crime não compensa” – foi o que pensei quando assisti a Bom Comportamento há pouco mais de dois anos e constatei como os irmãos Josh e Benny Safdie conseguiam, naquele filme, atirar o espectador em um mundo frio, pessimista e que se tornava mais desconfortável à medida que o protagonista Connie Nikas mergulhava cada vez mais no mundo do crime. De certa maneira, o mesmo pode ser dito sobre Joias Brutas, novo trabalho da dupla de diretores: embora Howard Ratner, o protagonista desta vez, não seja especificamente um criminoso, ao menos divide com Nikas o hábito de sempre tomar decisões incrivelmente erradas, motivadas por um comportamento autodestrutivo (aqui, o vício em apostas) e que o fazem afundar em um lamaçal gerenciado e dominado, sim, por criminosos. Por outro lado, a forma como os irmãos Safdie enxergam Safdie sugere, no mínimo, uma evolução dramatúrgica notável por parte dos cineastas, que, por sua vez, demonstram um interesse em abraçar caminhos ainda mais ambiciosos mesmo sem abandonarem uma lógica interna em seus trabalhos.

Começando com um rápido prólogo que mostra um grupo de mineiros da Etiópia encontrando uma pedra reluzente e rica em minerais preciosos, Joias Brutas logo salta para 2012 e passa a se concentrar em Howard Ratner, que, dono de uma joalheria em Nova York, está afundado em dívidas e não faz a menor ideia de como se livrar delas, já que praticamente todas as suas tentativas de reduzi-las acabam piorando o quadro geral da situação. Tudo muda, porém, quando a tal pedra encontrada pelos etíopes cai casualmente nas mãos de Howard, representando, para ele, uma possível luz no fim do túnel – no entanto, o fato de não saber direito o que fazer com a joia, mudando constantemente de ideia em relação a como aproveitá-la, serve somente para afundá-lo ainda mais em dívidas, agravando a ameaça representada por seus cobradores. Assim, no fim das contas, todos os problemas da vida de Howard são postos em cheque através de uma última aposta, desta vez envolvendo o astro de basquete Kevin Garnett e dependendo de seu desempenho na final da NBA.

Preservando boa parte das marcas estilísticas que os Safdie haviam apresentado em Bom Comportamento (o alto contraste entre cores bem saturadas; a trilha dotada de sintetizadores e de batidas que ajudam a criar tensão; a câmera cuja inquietação cresce até atingir um clímax frenético), Joias Brutas é hábil ao criar uma atmosfera que mantém o espectador angustiado até nos momentos mais calmos e pausados da narrativa – algo que fica claro desde os minutos iniciais da projeção, que retratam o dia a dia de Howard e que são registrados pelos Safdie de maneira, no mínimo, intensa (o que se deve, em boa parte, à instabilidade do quadro e aos cortes rápidos da montagem de Ronald Bronstein e do próprio Benny Safdie). Ainda assim, os cineastas fazem questão de nunca resumir seus esforços a caprichos banais, empregando-os, em vez disso, sempre com o objetivo de fortalecer a experiência como um todo e, principalmente, o envolvimento do espectador – e não deixa de ser curioso que, aqui e ali, os Safdie encontrem espaço para uma ou outra tentativa de humor eficiente, como a que envolve as dificuldades de Howard em abrir as portas de vidro de sua loja (e que, numa sacada inteligente do roteiro, serve também para antecipar algo que será reutilizado no terceiro ato).

Em contrapartida, de um ponto de vista dramático, Joias Brutas representa – como falei na abertura – uma evolução dos irmãos Safdie em relação ao seu trabalho anterior (ou, no mínimo, uma vontade de encontrar formas diferentes de desenvolver seus protagonistas), sendo particularmente notável como, ao enfocar Howard, os dois irmãos propõem um exercício não apenas de empatia, mas de simpatia para com o personagem. Se Connie Nikas era um jovem que demonstrava algum caráter ao se preocupar com o bem estar do irmão, mas ainda era um criminoso frio, irresponsável e que se tornava cada vez mais arrogante à medida que a narrativa avançava, Howard Ratner é apresentado desde o início como um ser humano frágil, vulnerável (não à toa, sua primeira aparição o mostra sendo consultado por um urologista). Seus tropeços, inclusive, são motivados não pelo desejo de cometer crimes, mas pela incapacidade de administrar a própria vida com um mínimo de consciência – e, se o cenário ao seu redor é de pura angústia, é porque ele mesmo o criou (sem querer, claro) através de suas próprias escolhas.

Howard é, portanto, um homem terrivelmente falho, o que é comprovado não só pelas armadilhas que ele próprio planta para si, mas também pelo fato de seus esforços como pai de família resultarem apenas em desastres: percebam que, ao vê-lo sair do porta-malas de um carro (após ser obviamente espancado por um grupo de cobradores), sua esposa ainda consegue ficar chocada mesmo depois de já conhecer sua irresponsabilidade há tanto tempo (como se não se acostumasse a ela), ao passo que a distância (involuntária?) que mantém de seu filho é tão grande que o menino demora a aparecer pela primeira vez e, quando aparece, é enquadrado pelos irmãos Safdie com notável desinteresse. Assim, não é de se espantar que a única pessoa que realmente abrace Howard seja não alguém de sua família, mas sua parceira de trabalho, Julia, com quem divide uma relação complexa e que rende um dos momentos mais tocantes do longa: aquele que traz o sujeito admitindo ser incapaz de resolver seus problemas, desabando em lágrimas em função disso e sendo prontamente consolado pela amiga, que também chora.

O que nos traz a Adam Sandler.

Confesso que, ao longo dos anos, nutri uma tremenda ojeriza não só pelos trabalhos, mas pela imagem de Sandler – afinal, para cada filme decente do qual participava, ele se encarregava de contrabalanceá-lo com outras quinze porcarias. Sim, há momentos indiscutivelmente admiráveis em sua carreira (Embriagado de Amor; Tá Rindo do Quê?; Os Meyerowitz), mas… nada que tenha me impactado tanto quanto o que vi em Joias Brutas. Encarnando as hesitações e os fracassos de Howard Ratner com extrema sensibilidade, Sandler não se esquece de como o personagem é imaturo e inconsequente, retratando suas pequenas (quase insignificantes) vitórias como luzes no fim de um túnel – e, mesmo engolido pela derrota, há momentos pontuais em que Howard se sente à vontade para incluir um tom subjacente de deboche em suas falas que diz muito sobre sua personalidade infantil. Ainda assim, o que torna o personagem inesquecível é a capacidade de Sandler de ilustrar suas dores, soando como uma figura mundana, insatisfeita consigo mesma (por motivos óbvios), massacrada pelas amarguras que vem colecionando de uns tempos para cá e refletindo seu desgaste físico no olhar e na respiração. Mas o mais curioso, no entanto, é perceber como Howard Ratner é interpretado com sutileza mesmo ainda permitindo que Sandler ocasionalmente se entregue a uma ou duas marcas que registrou ao longo de sua carreira, fazendo uma vozinha aqui e uma careta de leve ali (a cena em que leva um soco no nariz é um exemplo disso).

É uma pena, aliás, que Adam Sandler não tenha sido reconhecido como merecia na última temporada de premiações. Sim, os prêmios de Melhor Ator estavam muito concorridos e cheios de outras belíssimas performances, mas não creio que seria injusto se ouvisse o nome de Sandler logo após a frase “And the Oscar goes to…” na cerimônia deste ano – afinal, seu desempenho neste Joias Brutas teria feito por merecer a estatueta. E é um alívio que o filme ao redor desta interpretação seja igualmente magistral, comprovando de uma vez por todas que Josh e Benny Safdie são cineastas a serem acompanhados de perto.

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