Mad Max Estrada da Fúria

Título Original

Mad Max: Fury Road

Lançamento

14 de maio de 2015

Direção

George Miller

Roteiro

George Miller, Brendan McCarthy e Nico Lathouris

Elenco

Charlize Theron, Tom Hardy, Nicholas Hoult, Hugh Keays-Byrne, Rosie Huntington-Whiteley, Riley Keough, Zoë Kravitz, Abbey Lee, Courtney Eaton e Nathan Jones

Duração

120 minutos

Gênero

Nacionalidade

Austrália

Produção

George Miller, Doug Mitchell e P.J. Voeten

Distribuidor

Warner Bros.

Sinopse

Após ser capturado por Immortan Joe, um guerreiro das estradas chamado Max (Tom Hardy) se vê no meio de uma guerra mortal, iniciada pela Imperatriz Furiosa (Charlize Theron) na tentativa se salvar um grupo de garotas. Também tentando fugir, Max aceita ajudar Furiosa em sua luta contra Joe e se vê dividido entre mais uma vez seguir sozinho seu caminho ou ficar com o grupo.

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Mad Max: Estrada da Fúria | Crítica

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Foram trinta anos desde que o visionário George Miller deixou de lado o Cinema de ação após inová-lo com a emblemática saga de Max Rockatansky estrelada por Mel Gibson. Os ângulos ousados, os travellings complexos, a mise-en-scène estudada e exemplar, a influência dos westerns e a maneira de coordenar as sequências de ação do modo mais realista e arriscado possível fizeram de Mad Max 1 e 2 duas das mais significativas obras do gênero, e mesmo o mais fraco da trilogia, o problemático Além da Cúpula do Trovão, passava longe de ser insuportável. Miller largou o gênero para se dedicar a produções tematicamente variadas e exibir versatilidade, deixando suas técnicas riquíssimas para que pudessem inspirar os próximos a lidarem com filmes de ação. Foi uma pena, no entanto, notar como os diretores contemporâneos do gênero ignoraram os ensinamentos de Miller acreditando que os elementos capazes de agradar o público menos exigente eram o suficiente, o que infelizmente ocasionou um excesso artisticamente corrosivo de computação gráfica como substituta da realidade, roteiros que confundiam escapismo com idiotice, sequências de ação incompreensíveis graças aos inúmeros cortes e movimentos de câmera exageradamente frenéticos, machismo e imoralidade.

E neste caos cuja bizarrice chegou a tornar o abominável Michael Bay (dos pavorosos Transformers) um exemplo a ser seguido, George Miller ressurge para colocar Cinema de ação de volta aos trilhos com Mad Max: Estrada da Fúria, que contrapõe tudo aquilo que havia de pior nos atuais filmes do gênero e se revela corajoso por se diferenciar completamente do que Hollywood costuma lançar hoje em dia. Tudo começa pelo bom roteiro escrito por Miller, Brendan McCarthy e Nico Lathouris, que, ao contrário do que é comumente visto em Transformers ou nos primeiros capítulos da franquia Velozes e Furiosos, demonstra sabedoria ao elaborar uma narrativa profundamente simples sem que tenha de tratar o espectador como um completo imbecil. Muitos podem, inclusive, acusar este quarto Mad Max de ser “vazio” e “raso”, mas embora não haja uma trama estudada e intrincada na obra, o longa denota inteligência ao adequar os eventos ocorridos durante seu decorrer à sua própria natureza: num mundo pós-apocalíptico, é perfeitamente plausível que haja falta de clareza e foco por parte dos personagens em relação aos caminhos que pretendem tomar para alcançar o objetivo principal – sobreviver.

Por outro lado, a simplicidade que envolve a narrativa de Estrada da Fúria também está diretamente relacionada a outra das maiores virtudes do roteiro: a sutileza. Se os filmes hollywoodianos de hoje tendem a desconfiar da inteligência do público e oferecem diálogos altamente expositivos a fim de manter o espectador ciente do que se passa, George Miller é mais uma vez digno de aplausos entusiasmados por jamais adotar tal artifício. Assim, boa parte do que ocorre no novo Mad Max é ilustrada visualmente e os diálogos servem para estabelecer elementos básicos que compõem a narrativa, e mesmo a narração explicativa que abre a película escapa do didatismo ao retratar apenas o background do personagem-título e o que levou a humanidade ao pós-apocalipse. É nesta confiança com relação ao público que George Miller demonstra sua eficácia ao fazer com que os diálogos do longa soem convincentes e nada artificiais, criando ainda imagens intrigantes e sábias como a de uma sala repleta de pichações que exibem frases como “Nossos bebês não serão Garotos de Guerra” e “Quem matou o mundo?” para explicar de forma efetiva e menos óbvia a razão pela qual as parideiras abandonaram tal lugar.

É graças a George Miller, diga-se de passagem, que o novo Mad Max é extraordinário: criando sequências de ação intensas e cuja loucura reflete a própria realidade caótica daquele universo, o diretor dá origem a um filme tão enérgico que, se fosse um ser humano, sofreria uns dois ou três ataques cardíacos, e o talento do cineasta ao coordenar as perseguições de Estrada da Fúria pode ser aproveitado como a prova cabal de que é covardia comparar os diretores de ação da atualidade com Miller. A diferença é que este tem 70 anos de idade, o que torna ainda mais surpreendente e admirável a certeira atitude por parte do cineasta em adotar planos abertos e conjuntivos para compor uma mise-en-scène impecável que faz com que as cenas de ação, por mais movimentadas e frenéticas que possam ser, surjam compreensíveis em tela. E assim como os travellings vistos nas perseguições soam tão audaciosos e imaginativos quanto todas as técnicas de filmagem utilizadas (com direito a drones com filmadoras), a maneira como Miller posiciona a câmera de maneira ideal faz com que certos conceitos criativos sejam devidamente aproveitados – duvido que, se o filme fosse dirigido por Michael Bay, Stephen Sommers ou Gareth Edwards, os carros que trazem pêndulos com capangas do vilão presos na parte de cima teriam suas funções e condições (como altura exata, ponto de partida e fim do trajeto) representadas de maneira compreensível.

Além de criar uma obra eletrizante e de tirar o fôlego sem ter que apelar para os cortes rápidos e movimentos de câmera histéricos, Miller ainda adiciona à ação uma técnica arriscada que acaba funcionando maravilhosamente: diminuir a quantidade de frames por segundo para fazer as sequências soarem aceleradas. Graças à cautela e minúcia do diretor, os momentos onde tal recurso é utilizado soam geniais em vez de precários, pois conferem energia ao que se vê em tela e ainda faz com que tais sequências de ação acompanhem a frenética instabilidade mental dos personagens que as protagonizam. Entretanto, o que realmente torna Estrada da Fúria ímpar como filme de ação contemporâneo é a eficácia de Miller ao estabelecer as inúmeras e intensas perseguições através de efeitos práticos. As grandiosas explosões, as incontáveis capotagens, os carros que elevam o conceito de extravagância ao limite e os feitos inventivos realizados por estes foram idealizados “na mão”, e por mais que a computação gráfica usada em… digamos todos os blockbusters atuais esteja progredindo, fica evidente ao conferir este novo trabalho de George Miller que ver uma sequência de ação sendo realizada artesanalmente e acreditar nela é algo infinitamente superior a tentar aceitar um CGI cuja falsidade é notável. Sim, efeitos digitais foram utilizados no longa, mas sempre como complementos (criando furacões e apagando o braço de Charlize Theron) em vez de substitutos do que pode ser feito verdadeiramente.

Expondo sua criatividade de forma irresistível, George Miller potencializa no novo Mad Max uma das maiores virtudes dos três primeiros filmes: a concepção de um universo rico e detalhadamente inventivo. É nisso, inclusive, que sou obrigado a dizer que, se houver justiça no mundo, Estrada da Fúria deve ser indicado ao Oscar de melhor design de produção em 2016, e se a cidade comandada pelo vilão Immortan Joe impressiona esteticamente, os variados veículos dirigidos pelos asseclas do antagonista e por outros personagens garantem o deslumbramento absoluto. É possível ver um cuidado extremamente metódico por parte da produção em conceber os inúmeros carros do filme, e o que realmente os torna fascinantes é a diversidade dos mesmos, sendo que uns tem funções específicas e apresentam recursos próprios para que possam executar as mesmas. Eu, particularmente, me peguei atraído não apenas pelos carros repletos de espetos ou pelos que traziam altos pêndulos para sustentar os capangas do vilão, mas também pela enorme “pá” metálica na parte dianteira do caminhão dirigido pelos protagonistas, que servia para apagar um fogo ocasional no veículo atirando a areia do solo no mesmo. Contudo, nada é tão memorável quanto o “trio elétrico” do antagonista, que traz um grupo batendo tambores na parte de trás e, na frente, um deformado cego que toca uma guitarra com lança-chamas embutido.

Igualmente magnífica é a cultura pós-apocalíptica diversificada e composta pela fusão de incontáveis crenças e práticas do mundo “velho”: trazendo um elemento nunca explorado nos longas anteriores,Miller traz à franquia Mad Max uma identidade religiosa para caracterizar a sociedade regida por Immortan Joe. Mas percebam: os Garotos Garotos de Guerra de Immortan Joe também são chamados de kamicrazies por embarcarem em missões potencialmente suicidas e são movidos pelo desejo de morrer com honra para chegarem a um “McBanquete” em Valhalla! Como não achar essa ideia simplesmente genial? E além de ter apreciado a maneira como os Garotos de Guerra tratam os volantes de seus carros V8 como armas sagradas, reconheço que o conceito da sociedade ser mantida através de três cidades com responsabilidades específicas deve seguir sendo explorado nas continuações de Estrada da Fúria (se houverem, é claro).

Porém, poucas coisas impressionam mais que ver George Miller, um sujeito de 70 anos de idade, se mostrando antenado no que diz respeito às atuais tendências morais e indo de encontro à visão imatura e redutiva de Michael Bay a respeito das mulheres: enquanto nos Transformers as personagens femininas eram objetos masturbatórios cujas aparências belas (leia-se: maquiadas e penteadas) resistiam até mesmo aos mais ruidosos colapsos de prédios e explosões múltiplas, em Estrada da Fúria, são personas complexas e que representam a força motriz da narrativa. E se Velozes e Furiosos acaba criando dilemas pessoais dignos de novela com as mulheres (e homens, por que não?) quando estas não estavam exibindo suas bundas da forma mais apelativa possível, Miller vai contra esta prática e cria personagens femininas complexas que, além de serem cruciais para a trama, constantemente marcam presença salvando o protagonista (homem) de um perigo – com que frequência vemos isso no Cinema de ação moderno? Como prova do feminismo de Miller, é possível notar que este quarto Mad Max passaria no teste de Bechdel (pelo fato de trazer personagens femininas com nomes tendo conversas que não giram em torno de homens) e ainda sabe criar mulheres badass sem necessariamente transformá-las em caricaturas unidimensionais e ultrapassadas.

O que nos traz à Imperatriz Furiosa: representada por Charlize Theron com força e presença física, a personagem jamais se torna uma figura unidimensional graças à precisão com a qual George Miller constrói suas várias nuances. Assim, ao mesmo tempo em que se trata de uma personagem que já poderia impor respeito mesmo sem agir (sua aparência já executaria tal função naturalmente), trata-se de uma pessoa cujas emoções existem e são expostas de forma palpável. Enquanto isso, é admirável notar como Tom Hardy consegue criar um Max Rockatansky que em nada deve ao de Mel Gibson, mantendo as características que tornavam aquele anti-herói memorável (suas poucas palavras que o tornavam misterioso e sua “falta de esperança” que mesmo assim não o fazia desistir jamais) e ainda fazendo seus dramas pessoais soarem convincentes, visto que seu passado trágico se converteu em cicatrizes psicológicas que o abalaram mentalmente. Da mesma forma, seu Max traz de volta uma das melhores coisas presentes no Guerreiro do Asfalto vivido por Mel Gibson: sua vulnerabilidade e humanidade, algo que fica claro não só quando é assombrado por seu passado, mas também quando reage a situações de alto risco como qualquer pessoa. Como complemento, o Immortan Joe interpretado pelo mesmo Hugh Keays-Byrne que encarnou o antagonista Toecutter do primeiro Mad Max retorna à franquia como um clássico vilão da mesma, vendo sua imagem cartunesca ser corretamente fundida com uma trivialidade e, mesmo assim, segue visualmente assustador e marcante.

Fotografado por John Seale (O Paciente Inglês), o filme ainda é um espetáculo visual imperdível e conta com cores atraentes e impressionantes, desde os sinalizadores vibrantes em meio a um deserto lindamente amarelado até uma das noites mais belas que já vi. Embalado pela trilha sonora espetacular de Junkie XL, Mad Max: Estrada da Fúria é eletrizante do primeiro ao último minuto e conta com uma energia crescente que parte de um início evocativo para culminar numa das maiores experiências já proporcionadas pelo Cinema de ação. Ao final da projeção, a impressão que se tem é que George Miller passou anos analisando friamente tudo aquilo que estava errado nos filmes de ação contemporâneos no intuito de corrigi-los e transformar esta quarta desventura do Guerreiro do Asfalto numa das obras mais arrebatadoras, impressionantes e irrepreensíveis já testemunhadas neste gênero.

E conseguiu.

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