Os silêncios imperam em Oeste Outra Vez. Durante 98 minutos, os personagens que vemos em tela são homens tão sufocados pela própria masculinidade que mal conseguem se articular em palavras. Eles não conseguem parar para refletir sobre as próprias dores, dúvidas e desejos. Não conseguem usufruir da sensibilidade para lidar com as próprias frustrações, já que o ideal de “masculinidade”, essa obrigação de reprimir todo e qualquer sentimento em prol de um carão fechado e de uma pose viril que resolve tudo na força bruta, os impede de assumirem as próprias fraquezas, de olharem para si como indivíduos vulneráveis.
É o mais novo filme dirigido pelo goiano Erico Rassi (que em 2016 dirigiu Comeback, com Nelson Xavier) e, dessa vez, ele cria um neowestern que gira em torno de dois homens: o Totó (interpretado pelo Ângelo Antônio) e o Durval (interpretado pelo Babu Santana). O Durval tá pegando a ex do Totó. Eis que os dois se encontram, começam a sair no braço e a mulher em questão resolve dar as costas e sair correndo, abandonando os dois. E, a partir daí, eles (que já são homens brutos e que não conseguem refletir muito sobre si) resolvem isso da pior forma possível: eles tentam começar a se caçar e a se matar, num jogo de gato e rato que se desenrola pelo filme inteiro.
Todos os problemas dos personagens poderiam ser facilmente resolvidos caso eles se permitissem reconhecer os próprios pontos fracos, entender suas dores em vez de soterrá-las nessa pose de brucutu. Um poderia superar o trauma da ex tentando conviver com o agora; outro poderia seguir em frente saindo de casa a fim de conhecer outras mulheres. Mas não: eles preferem ou resolver tudo na bala/porrada, ou resignar-se com um “nah, é muito difícil [encontrar um novo amor], deixa para lá”. E, com isso, não saem do mesmo lugar. Eles começam e terminam presos a um mesmo ciclo de 1) amargar frustrações >> 2) silenciar-se sobre elas em vez de tentar resolvê-las >> 3) direcioná-las inconscientemente sobre um outro “inimigo” >> 4) finalizar o dia com uns tiros aqui, uns socos ali e uns grunhidos acolá >> 5) voltar ao mesmo estágio do início do dia. Eles saem e voltam ao mesmo ponto, jogando sinuca no mesmo boteco de sempre.
Nesse sentido, acho fundamental o ritmo que Erico Rassi imprime à narrativa e que é essencialmente pautado por pura monotonia. A gente frequentemente associa o conceito de “tédio” a uma experiência estafante ou ineficaz (ou simplesmente “chata”), mas a verdade é que se trata de uma sensação como qualquer outra e que, como tal, pode ser indispensável para o sucesso de uma obra. Provocar o tédio pode ser tão crucial para um filme quanto despertar o riso, o choro ou o medo pode ser para outros. Em Oeste Outra Vez, a apatia, os silêncios e as pausas são tão determinantes para aqueles personagens (e para a forma destes de enxergar/reagir ao mundo) que narrar aquela história através de um ritmo mais “dinâmico” meio que mataria a narrativa; tornaria impossível absorver a crueza daqueles homens.
Diga-se de passagem, o design de som desse filme é um negócio espetacular. Ele acaba sendo fundamental pra trazer peso justamente… ao silêncio. E ele faz isso valorizando aqueles pequenos ruidinhos que compõem a ambientação ao redor dos personagens. O som de um grilo à noite, o som do pisar na areia ou num chão de madeira, o ranger de uma porta ou de uma cadeira, o barulhinho de uma garrafa na mesa, o farfalhar de algo correndo naquele solo árido e, claro, o estrondo repentino de uma espingarda, que é tão seco que pega você no susto. Tudo isso ajuda a compor uma diegese que enriquece muito a sensação de silêncio e abandono daquele mundo.
O que se aplica, também, à própria posição do longa em sua condição de western: os personagens aqui não são figuras icônicas, inabaláveis; são, em última instância, caras patéticos. Que mal sabem se expressar e que colhem as consequências disso. Que às vezes provocam o riso de tão pouco que sabem se portar (seja por um comentário estúpido aqui, seja por uma reação estabanada ali). Nesse aspecto, o trabalho de Erico Rassi é interessante por empregar as gramáticas do faroeste de modo a desglamourizá-las por completo: as sequências de bangue-bangue são escuras a ponto de pouco enxergarmos da “ação” em si; os pistoleiros dão uns 15 tiros e acertam, sei lá, uns dois no máximo; as brigas não dispõem de técnicas muito elaboradas, se limitando a um cara agarrando o oponente enquanto tenta ou jogá-lo no chão, ou não ser jogado no chão.
Em termos de composição imagética, é um filme que se utiliza muito bem das sombras para isolar seus melancólicos personagens em meio aos espaços, fazendo esses sujeitos se converterem em almas que se dissipam aos poucos naqueles cenários de faroeste. Ou, então, vemos aqueles personagens no centro ou nos cantos de planos gerais/abertos que tornam esses homens pequenos, solitários em um quadro amplo. Eles são sempre separados/isolados pela imagem, transformados em pontos reduzidos.
Não é a “falta de mulher” que os torna falhos; é a incapacidade de olhar para si e tentar solucionar uma aparente frustração causada por essa mesma “falta de mulher”. É a masculinidade, esse eterno papel de “figura viril que não transmite nem reconhece sentimentos”, que os condena infinitamente.
Assista também ao vídeo que gravei sobre o filme: