“A História acontece duas vezes: a primeira como tragédia e a segunda, como farsa”, disse Karl Marx em O 18 de Brumário de Luís Bonaparte ao complementar a ideia de Hegel de que “a História se repete”.
De várias maneiras, a série Pânico brincou com a ideia de ciclos que se repetem e que se reinventam dentro de uma encenação – uma possibilidade que a própria franquia ofereceu a si mesma desde o início ao demonstrar uma curiosa propensão à metalinguagem: o primeiro se estabelecia como uma narrativa de slasher movie cuja autoconsciência lhe permitia brincar com as convenções e com a própria História do gênero no qual se inseria; o segundo de fato evoluiu os elementos responsáveis pelo sucesso do original e elevou a autoironia a outro nível, desta vez reconhecendo-se como filme (ou seja: como encenação) e discutindo o conceito de continuação em si; e o terceiro, embora vítima da má fama que acabou conquistando após enfrentar uma série de notórios problemas nos bastidores, ainda assim revelou-se uma conclusão sólida para aquela saga, conseguindo amarrar tematicamente o “arco” contado naqueles três longas não só ao satirizar as “regras” das trilogias, como também ao investir na mesma ideia de “filme dentro do filme” que Wes Craven explorara em O Novo Pesadelo: O Retorno de Freddy Krueger.
Pois neste aspecto, o quarto capítulo se revela uma incursão curiosa e perfeitamente condizente com os interesses anteriores da série: lançado nada menos que 11 anos após o terceiro filme (que fora planejado para ser o último, sem que nada mais viesse a seguir), Pânico 4 se estabelece, naturalmente, como um retorno a uma saga sabidamente popular, como uma continuação que conta com a vantagem de poder disparar a nostalgia do público ao trazer de volta personagens queridos que há muito não davam as caras – uma moda que se tornaria ainda mais comum no decorrer dos anos 2010, esta década marcada pelo excesso de saudosismo.
E é aí que mora a diferença: ao contrário de obras como O Despertar da Força, Jurassic World, Caça-Fantasmas: Mais Além e uma penca de outras que me fogem à memória agora (de novo: são muitas), Pânico 4 não encara a nostalgia como um fim em si próprio – e, por mais que seja legal reencontrar Neve Campbell, Courteney Cox e David Arquette, a maneira como Wes Craven e o roteirista Kevin Williamson (que volta à franquia após ausentar-se em Pânico 3) retratam estes retornos passa longe de qualquer “solenidade”: não há, por exemplo, um travelling se aproximando de certo personagem de costas enquanto uma trilha emotiva vai subindo a fim de criar uma expectativa sobre quem é aquela pessoa (e nos levar à catarse quando ela finalmente se virar para confirmarmos, entusiasmados, “Ah, é [fulana que eu conheço e adoro]!”).
Em vez disso, o que temos são menos fan services e mais indivíduos constatando naturalmente que o passado está teimando em voltar à tona (pela milésima vez), sendo interessante perceber como a Sidney de Neve Campbell não só retoma o protagonismo da série (após ser cada vez mais jogada para escanteio nos dois capítulos anteriores), como também exibe uma postura mais confiante diante de Ghostface, como se tivesse se habituado à ameaça por ele representada e como se a passagem do tempo impactasse em seu modo de lidar com os perigos. Enquanto isso, Courteney Cox finalmente tem a oportunidade de encarnar Gale Weathers menos como uma réplica da Monica de Friends e mais como o que esperaríamos ser uma versão 15 anos mais madura da personalidade da repórter que conhecemos no original – mas sem abrir mão, claro, de toda a evolução (no caráter e na relação com Sidney) que vivenciou nas duas continuações, ao passo que David Arquette situa Dewey como um sujeito que, embora desajeitado (como de hábito), pelo menos transmite uma autoconfiança que, de novo, também parece adquirida pela passagem do tempo (e que é compatível, afinal, com a coragem que o sujeito exibia desde o primeiro filme).
A nostalgia de Pânico 4, contudo, é irreverente como a própria franquia sempre foi: se a esta altura o velho esquema de os personagens se identificarem como tais e ironizarem os absurdos da narrativa de terror que protagonizam já virou lugar-comum (algo que Craven e Williamson nem sempre percebem), ao menos é eficiente o modo com que as mudanças sofridas pelo mundo real nos 11 anos anteriores se incorporam àquele universo particular – em especial, a popularização da Internet e das redes sociais, que permitiram um contato maior, mais direto, da indústria do entretenimento com seus respectivos consumidores, estabelecendo uma dinâmica de retroalimentação na qual a fama, as celebridades e as franquias de sucesso são fabricadas e os fãs (como os de Punhalada, que se reúnem anualmente para maratonar os sete (!) longas da série em um cineclube) correspondem consumindo, sonhando em entrar para a indústria (virando celebridades, por exemplo) e estimulando que a “roda” continue a girar. Em suma: Pânico 4 é um revival teoricamente “nostálgico”, mas que se recusa a sê-lo por completo, preferindo, em vez disso, apontar a superficialidade manifestada nos/pelos meios de comunicação e que culminaria na onda de saudosismo que se formaria nos anos seguintes.
Neste sentido, a revelação de que – spoiler – Ghostface desta vez é a jovem sobrinha de Sidney Prescott, interessada em matar a tia para assumir o posto de nova “protagonista” da cidadezinha de Woodsboro (como se obrigasse uma “passagem de bastão” à força), não poderia ser mais adequada.
Infelizmente, Pânico 4 conta com sua parcela de desapontamentos: uns dizem respeito a ideias recorrentes que, depois de quatro filmes, simplesmente perderam o frescor (como o culto à franquia fictícia Punhalada, baseada nos eventos dos capítulos anteriores); outros têm a ver com a quantidade de vezes em que Craven e Williamson caem em alguns dos mesmos lugares-comuns que tanto se empenharam em apontar e ridicularizar no passado (a trilha sonora, em particular, revela-se cada vez mais excessiva – e pior: convencional – em suas tentativas de provocar sustinhos no espectador). Ainda assim, o que mais irrita no longa é sua dificuldade de trabalhar o aspecto emocional da narrativa, já que os novos (e jovens) personagens introduzidos aqui são, em sua grande maioria, figuras aborrecidas e desinteressantes – e, assim, quando precisamos sentir a dor de uma amiga que acaba de saber do assassinato de outra, não conseguimos porque 1) elas acabaram de ser apresentadas, 2) os diálogos trocados por elas foram breves e artificiais demais para nos fazer acreditar naquela afinidade e 3) não nos importamos nem com uma, nem com outra.
Interessante na maneira com que absorve as mudanças que o próprio gênero sofreu nos 11 anos que separaram Pânico 3 de Pânico 4 (em especial, a violência bem mais explícita e “realista”, possivelmente influenciada pelo gore da série Jogos Mortais), Wes Craven fez deste seu último trabalho, já que ele viria a falecer em 2015. Planejado para ser o primeiro de uma nova trilogia (que, contudo, foi abortada após um resultado morno nas bilheterias), Pânico 4 acabou representando, com isso, um encerramento digno não só para a série, mas para a carreira de um dos maiores mestres do Terror que Hollywood já produziu.