pantera_negra

Título Original

Black Panther

Lançamento

15 de fevereiro de 2018

Direção

Ryan Coogler

Roteiro

Ryan Coogler, Joe Robert Cole

Elenco

Chadwick Boseman, Michael B. Jordan, Lupita Nyong’o, Letitia Wright, Danai Gurira, Daniel Kaluuya, Martin Freeman, Andy Serkis, Forest Whitaker, Winston Duke, Angela Bassett

Duração

134 minutos

Gênero

Nacionalidade

EUA

Produção

Kevin Feige

Distribuidor

Disney

Sinopse

Conheça a história de T’Challa, príncipe do reino de Wakanda, que perde o seu pai e viaja para os Estados Unidos, onde tem contato com os Vingadores. Entre as suas habilidades estão a velocidade, inteligência e os sentidos apurados.

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Pantera Negra | Crítica

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Confesso que tenho muita familiaridade com o Pantera Negra – o pouco que conheço sobre o personagem se deu através de uma ou outra animação e, claro, de Capitão América: Guerra Civil. Em compensação, sei também que o fato de ter sido um dos primeiros super-heróis negros criados pela Marvel já imbui o potencial para desenvolver algo digno de nota: a inclusão; que, convenhamos, ainda não foi devidamente aproveitada pelos filmes baseados em HQs da Marvel ou da DC. Sim, Blade 1 2 conquistaram bons resultados nas bilheterias e foram moderadamente elogiados tanto pelo público quanto pela Crítica, mas basta recordar que, além de dirigidos e roteirizados por brancos, aqueles dois longas não escancaravam suas origens enraizadas em quadrinhos – ou pelo menos não tanto quanto Pantera Negra, um filme que obviamente pertence ao subgênero dos super-heróis.

Seria um desperdício, portanto, colocar um personagem desses nas mãos de cineastas brancos, já que estes logicamente não compreenderiam de maneira visceral as implicações sociais e culturais que estão incutidas no conceito deste herói. Assim, faz todo o sentido que Pantera Negra não só conte com um elenco majoritariamente negro, como ainda seja co-roteirizado por Joe Robert Cole e dirigido pelo mesmo Ryan Coogler que, nos últimos cinco anos, recontou a trágica história de Oscar Grant em Fruitvale Station e enfocou a comunidade negra que reside na Filadélfia em Creed.

O resultado é um longa que funciona muitíssimo bem como entretenimento, mas que, assim como o ótimo Mulher-Maravilha, serve como um indício de que os filmes de super-heróis (e os blockbusters em geral) têm muito a ganhar abraçando a representatividade e a inclusão. (Ainda assim, é claro que, como o homem branco que sei que sou, não posso ser cínico a ponto de definir o que merece ser o retrato decisivo das mulheres ou dos negros na cultura pop – algo que, inclusive, cheguei a comentar brevemente ao escrever sobre Detroit em Rebelião.)

Trazendo de volta o personagem apresentado em Guerra Civil e dando-lhe a oportunidade de estrelar sua própria aventura (estratégia também empregada em Homem-Aranha: De Volta ao Lar), Pantera Negra já conta com a vantagem de não ter que gastar cerca de uma hora contando a origem do herói, mergulhando de cabeça numa trama sem perder tempo com firulas. Aqui, o príncipe T’Challa volta ao reino escondido de Wakanda para assumir a coroa de seu pai, assassinado há cerca de uma semana. Ao conquistar o manto do Pantera Negra (uma espécie de herança mantida entre os reis wakandanos), T’Challa resolve caçar o contrabandista Ulysses Klaue (ou “Garra Sônica”), que se apropriou do mineral mais poderoso de Wakanda: o metal vibranium. Como se não bastasse, o misterioso Killmonger se une ao criminoso e aos poucos torna-se mais ameaçador, alcançando a função de real antagonista da trama.

Dando a entender que Ryan Coogler teve a liberdade que muitos diretores não têm ao comandar um projeto deste tipo, Pantera Negra é um filme que, se não fosse a cena que vem depois dos créditos, poderia perfeitamente deixar de pertencer ao universo cinematográfico da Marvel, já que a maneira como reflete a realidade afrodescendente e suas manifestações culturais acaba oferecendo à narrativa uma personalidade particular – e, claro, distante do que costumamos ver no subgênero dos super-heróis (o “sub” não é pejorativo; apenas a constatação de um estilo existente dentro da ação e da fantasia). E se a designer de produção Hannah Beachler acerta ao imaginar Wakanda como uma daquelas terras que só poderiam ter saído de uma história em quadrinhos – e que inclui panteras esculpidas em montanhas, edifícios futuristas e uma variedade esplendorosa de cores –, a diretora de fotografia Rachel Morrison (que, graças ao seu ótimo trabalho em Mudbound, tornou-se a primeira mulher a ser indicada ao Oscar nesta categoria) é particularmente hábil ao conferir um caráter lúdico e onírico às (belíssimas) sequências ambientadas no Plano Ancestral. Para completar, o compositor Ludwig Göransson evoca uma aura tribal, através de tambores e cânticos, que enriquece o longa com a mesma eficácia das canções do rapper Kendrick Lamar (outro artista negro que colocou sua persona e o meio no qual está inserido em sua obra).

Já como diretor de ação, Coogler mostra-se especialmente inspirado ao rodar um plano longo que passeia pela sala de um cassino enquanto múltiplos personagens protagonizam uma briga feroz, sendo bem-sucedido também ao conduzir a perseguição que vem logo em seguida e ao estabelecer uma atmosfera de urgência crescente a partir do terceiro ato, que, repleto de energia, traz momentos empolgantes como aquele onde a guarda real (composta única e exclusivamente por mulheres) resolve enfrentar o vilão. Por outro lado, quando o filme insiste em abusar de efeitos visuais irregulares e substituir os atores por modelos digitais que se encaixariam melhor num game, o resultado transforma-se num problema evidente: ao constatar que a textura dos personagens é lavada demais, a maneira como se movimentam é artificial e seus corpos não parecem ter peso algum, o espectador automaticamente lembra (por pouco tempo) que nada daquilo passa de uma encenação e se desconecta do que está vendo, o que fragiliza pontualmente sua imersão.

Mas um dos méritos mais inesperados de Pantera Negra, no entanto, é perceber como Ryan Coogler encara com seriedade o personagem e o universo entorno deste: sim, há uma importante leveza na maneira com que trata um material que é, em essência, uma fantasia infanto-juvenil (afinal, estamos falando de um roteiro que envolve um super-herói, um vilão que atende pela alcunha de “Garra Sônica”, um metal chamado vibranium e tecnologias que não estão nem próximas de existir no mundo real, soando quase como mágicas); em compensação, isto não impede Coogler de abraçar naturalmente o aspecto fabulesco (e absurdo) daquele universo, optando por um caminho que difere da auto-paródia muitas vezes adotada pelas adaptações de HQs. Neste sentido, Pantera Negra demonstra ter aprendido bem as lições ensinadas por X-Men – O Filme, que há quase 18 anos provou que era possível levar a sério uma história protagonizada por superseres vestidos de forma extravagante.

Buscando um senso de humor mais seco e pontual do que a Marvel está habituada a oferecer (aproximando-se mais do primeiro Homem de Ferro em suas tentativas de provocar o riso), o roteiro escrito por Coogler ao lado de Joe Robert Cole é uma grata surpresa do ponto de vista temático, inserindo alguns comentários que, querendo ou não, remetem a questões políticas: é lógico, por exemplo, que o fato de Wakanda ter uma notável aversão ao mundo exterior reflete a atual situação da Europa, que se mantém rígida quanto à possibilidade de abrir suas portas para imigrantes refugiados – e embora não seja a mais sutil das alegorias, a simples presença dela num blockbuster já é algo admirável. Mas não só: quando a cientista vivida por Letitia Wright se vira para o agente da CIA interpretado por Martin Freeman e diz “Não me dê sustos, colonizador!“, trata-se de uma piada rápida, mas que conta com um contexto histórico inegável. E se as atitudes tomadas pelo vilão podem ser questionadas, as motivações por trás dessas ações serão facilmente compreendidas por qualquer um que tenha visto A 13ª Emenda ou simplesmente saiba do disparate que são as prisões arbitrárias contra a comunidade negra.

Por falar em vilão, o ótimo Michael B. Jordan encarna um antagonista multidimensional que, mesmo despertando o sentimento de perigo iminente, é também uma vítima da opressão que sofreu ao lado de tantas outras pessoas, impedindo o espectador de condená-lo por suas ações revanchistas – aliás, é bom que Pantera Negra reconheça que, num filme de super-herói, o vilão é fundamental, pois aprendemos a valorizar mais os esforços do protagonista quando a ameaça que combate soa como um desafio real (e Andy Serkis é outro que merece elogios, transformando Ulysses Klaue num maníaco que parece se divertir imensamente com sua própria loucura). Mas é claro que o herói é igualmente importante, sendo então um alívio que Chadwick Boseman dê vida a um T’Challa interessante, fiel aos seus princípios e dono de uma nobreza que o estabelece como uma figura consideravelmente adulta.

Unindo-se a Guerra Civil e ao primeiro Homem de Ferro como um dos melhores capítulos desta longa jornada do Universo Cinematográfico da Marvel, Pantera Negra é um filme de super-herói surpreendentemente ambicioso e que prova (mais uma vez) que buscar a representatividade, olhar para outras culturas e dar voz aos que não têm o devido espaço vale a pena, conseguindo ser tematicamente relevante sem deixar de funcionar como um belo espetáculo – e trazendo, por fim, aquela identidade diferenciada que tanto faltava neste subgênero adaptado dos quadrinhos.

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