Guerra Civil (1)

Título Original

Captain America: Civil War

Lançamento

28 de abril de 2016

Direção

Anthony Russo e Joe Russo

Roteiro

Christopher Markus e Stephen McFeely

Elenco

Chris Evans, Robert Downey Jr., Sebastian Stan, Scarlett Johansson, Chadwick Boseman, Anthony Mackie, Elizabeth Olsen, Paul Bettany, Don Cheadle, Jeremy Renner, Emily VanCamp, William Hurt, Daniel Brühl, Paul Rudd, Tom Holland, Marisa Tomei, Frank Grillo e Martin Freeman

Duração

147 minutos

Gênero

Nacionalidade

EUA

Produção

Kevin Feige

Distribuidor

Disney

Sinopse

Depois do ataque de Ultron, os políticos decidem controlar os Vingadores, já que suas ações afetam toda a humanidade. A decisão coloca o Capitão América em rota de colisão com o Homem de Ferro.

Publicidade

Capitão América: Guerra Civil | Crítica

Facebook
Twitter
Pinterest
WhatsApp
Telegram

Uma das constatações que mais costumo ouvir sobre os personagens da Marvel é que eles são os mais “humanos” dos super-heróis dos quadrinhos. Ao contrário das criações da DC, que geralmente se apresentam como figuras imponentes, moralmente certinhas e que surgem quase como deuses no Olimpo (pensem na solenidade e no tom heroico que havia na abertura do desenho da Liga da Justiça, por exemplo), os mocinhos da “Casa das Ideias” são indivíduos que, embora superpoderosas, têm de lidar com problemas essencialmente mundanos, o que não só ajuda a torná-los mais vulneráveis como também os aproxima do leitor, que se identifica com os dramas dos personagens que acompanha (Peter Parker tem que ajudar tia May a pagar as contas; Matt Murdock é cego; Bruce Banner tem que aprender a controlar a raiva; o Coisa foi deformado pelo acidente que sofreu; etc). Assim, não é surpresa que os heróis da Marvel, imperfeitos e humanos como são, acabem refletindo o momento e a postura da Sociedade que os cerca no período em que são produzidos.

Por que digo isso? Porque, acompanhando as frequentes brigas e discussões entre os personagens de Capitão América: Guerra Civil, pensei constantemente nas trocas de grosserias e ofensas gratuitas que leio diariamente nas redes sociais quando o assunto é política. (Poderia se aplicar também a futebol ou religião, mas política é o que vejo com mais frequência.) Ora, ali estão indivíduos que se identificam como pacifistas e que são capazes de voar, lutar como ninguém e disparar flechas, raios e até teias – e, ainda assim, estes mesmos caras estão se entregando à pura irracionalidade por causa de ideologias e visões de mundo contrastantes. Em outras palavras: Guerra Civil é um belo lembrete de que, por trás daqueles uniformes de super-heróis, há cidadãos “comuns”; algo que faz jus à filosofia que a Marvel sempre impôs às suas criações.

Inspirado na memorável HQ de Mark Millar e Steve McNiven, Capitão América 3 (posso chamá-lo assim?) começa na Nigéria em meio a uma missão dos Vingadores – que, agora, são compostos por Capitão América, Viúva Negra, Feiticeira Escarlate, Falcão, War Machine e Visão. Depois que a luta da superequipe contra o vilão Ossos Cruzados resulta na morte de civis, o secretário de estado Thadeus Ross (ex-general de O Incrível Hulk) apresenta o chamado “Tratado de Sokovia”, um projeto de lei que exige que os heróis passem a atuar sob controle da ONU. Steve Rogers, Feiticeira Escarlate, Falcão, o aposentado Gavião Arqueiro e o novato Homem-Formiga se mantém contra o regulamento, ao passo que Tony Stark, Viúva Negra, War Machine, Visão e o jovem Homem-Aranha mostram-se a favor da iniciativa junto a Pantera Negra, que torna-se rei da nação de Wakanda depois que seu pai morre num atentado provocado pelo Soldado Invernal, parceiro de Rogers desde a Segunda Guerra e que, agora, encontra-se manipulado por antigos vilões.

A verdade é que, por mais que Homem de Ferro 2O Incrível HulkThor 1 2Era de Ultron Homem-Formiga trouxessem seus momentos divertidos, nenhum disfarçava o óbvio: o Marvel Studios evitava quaisquer riscos e quase sempre apostava nas fórmulas estabelecidas a partir dos primeiros (e bem-sucedidos) capítulos das franquias Homem de Ferro e Os Vingadores. Assim, é apropriado que os responsáveis por investirem numa abordagem mais séria e diferenciada em Guerra Civil sejam os mesmos Anthony e Joe Russo do ótimo Capitão América 2: voltando a adotar um tom mais alarmista, a dupla de diretores desenvolve uma atmosfera de urgência que faltou, por exemplo, no pavoroso Homem de Ferro 3. Além disso, os irmãos Russo deixam claro ao longo da projeção que o ato de se levar a sério não precisa transformar o longa numa experiência desalmada e aborrecida – aliás, a fotografia de Trent Opaloch (Distrito 9) prova que é possível exibir seriedade a partir do visual de um filme sem empregar sombras, cores escurecidas e tons cinzentos que só atrapalham e cansam em vez de adicionarem mérito à obra.

Mais importante, porém, é o excelente roteiro de Christopher Markus e Stephen McFeely: além dos diálogos intrigantes que evitam a superficialidade (“Enquanto uns chamam vocês de heróis, outros preferem a palavra ‘vigilantes’“, diz Ross. “Ora, mas não foi você mesma quem mandou o Senado ir se ferrar?“, pergunta um personagem à Viúva Negra), a dupla de roteiristas estabelece cuidadosamente as motivações de cada personagem e escapa brilhantemente do maniqueísmo barato ao nunca definir uma divisão de heróis como certa ou errada; e todos os posicionamentos se tornam ainda mais compreensíveis graças a tudo que nos foi apresentado nos filmes anteriores da Marvel, sem jamais trair a caracterização dos personagens que acompanhamos nos últimos oito anos.

Neste sentido, Guerra Civil não deixa de servir como um reflexo da época em que vivemos: afinal, se nos habituamos a ver indivíduos se entregando à irracionalidade em razão de suas opiniões políticas/éticas/etc, não é uma surpresa que super-heróis (que deveriam disseminar a paz pelo mundo) também acabem sucumbindo à agressividade pelos mesmos motivos. E se Chris Evans confere peso a Steve Rogers diante da guerra em que se encontra e ganha a oportunidade de tornar o Capitão América moralmente ambíguo e irresponsável no terceiro ato da projeção, Robert Downey Jr. surge numa performance bem mais amargurada desta vez por conta da culpa que carrega pelas destruições que involuntariamente causou (ou não conseguiu impedir) no passado, comprovando seu talento inegável como ator ao retratar a dor sentida por Tony Stark no clímax da narrativa.

Já Scarlett Johansson cria uma Viúva Negra forte e que independe de outros personagens para escapar das situações complexas em que se encontra (nesta altura do campeonato, a heroína já deixou de ser o sex symbol vazio de Homem de Ferro 2). E se a Feiticeira Escarlate torna-se uma das mais interessantes entre os Vingadores graças às dúvidas constantes que mantém em mente, Visão diverte em suas frequentes tentativas de simular comportamentos humanos (e seus superpoderes finalmente ficam claros) ao passo que Daniel Brühl concebe o que deve ser o vilão mais complexo e dramático já visto até então nas produções do Marvel Studios (os motivos por trás de suas ações são tocantes e realçam a discussão proposta pelo filme: quais seriam os danos que os super-heróis poderiam causar nos civis se agissem por conta própria?).

Tornando-se a terceira pessoa a viver o personagem nas telonas em nove anos, Tom Holland combina parte da vulnerabilidade jovial que havia na versão de Tobey Maguire e o senso de humor irreverente de Andrew Garfield, alcançando um resultado mais próximo dos quadrinhos (o que torna-se inegável graças não apenas às piadas envolvendo cultura pop e leis da Física, mas também a uma frase específica: “Não posso ir à Alemanha, pois tenho dever de casa“). E enquanto Paul Rudd é eficaz ao ilustrar o Homem-Formiga com uma inocência infantil (notem a maneira entusiasmada com que cumprimenta o Capitão América), Chadwick Boseman compõe um Pantera Negra imponente e que, apesar de suas motivações particulares, também transmite nobreza e evolui como personagem ao longo da trama – o que só me deixa mais interessado em conferir seu filme solo.

É uma surpresa, portanto, que Guerra Civil ainda consiga encontrar espaço para encaixar piadas pontuais, despertando o riso em meio ao impacto das consequências dos atos dos superseres – inclusive, dentre todos os longas produzidos pela Marvel, é possível que este seja o mais bem resolvido no que diz respeito ao bom humor (com exceção de Guardiões da Galáxia). O que não quer dizer, por outro lado, que a tensão crescente e a carga dramática sejam perdidas em função do bom humor – e a luta que ocorre no clímax, em especial, é conduzida com uma intensidade emocional inesperada (algo que dificilmente aconteceria se piadinhas entrassem para aliviar o peso da situação).

Já como representante do gênero “ação”, Guerra Civil é espetacular desde o princípio: sim, alguns efeitos visuais soam artificiais, mas até estas falhas merecem absolvição diante do confronto ocorrido num aeroporto ou da perseguição que começa dentro de um prédio e vai às ruas pouco depois. Chegando para integrar o panteão de grandes diretores de ação da atualidade, Anthony e Joe Russo provam que é possível orquestrar lutas, perseguições e batalhas grandiosas empregando movimentos de câmera enérgicos e cortes rápidos sem deixar o espectador perder a noção do que está ocorrendo em tela, pois basta estabelecer a mise-en-scène com cautela (isso sem contar as coreografias, que, embora fabulosamente complexas, são mostradas de forma sempre clara e objetiva). Para completar, é curioso que os irmãos Russo fujam da estrutura convencional dos filmes de super-heróis ao trazer o conflito mais explosivo para a metade da narrativa em vez de reservá-lo para o terceiro ato, criando um clímax que enfoca o fim de uma amizade e funciona mais pelo drama da situação do que pela grandiosidade da ação propriamente dita.

Comprovando que não é preciso trazer consequências definitivas para os personagens quando o objetivo é provocar impacto no espectador, Capitão América 3 “dialoga” com os dois capítulos anteriores ao fazer o herói repetir a frase “Eu posso fazer isso o dia inteiro” quando está apanhando e salvar um personagem de um afogamento (numa rima visual inteligente que contrapõe o fim de Capitão América 2) – da mesma forma, o compositor Henry Jackman acerta ao resgatar a perturbadora música-tema que criou para o Soldado Invernal no passado. (Aliás, acaba de me ocorrer que a famosa “maldição da parte 3” talvez tenha sido quebrada pela primeira vez dentro do subgênero “filmes de super-heróis”).

Inserindo referências aos quadrinhos que certamente levarão os fãs da Marvel Comics à loucura (como a Asa Vermelha – ave pertencente ao Falcão – e planos inspirados em quadros da HQ original de Mark Millar e Steve McNiven), Capitão América: Guerra Civil ainda escapa de um problema que afeta a maior parte das produções da Marvel ao evitar deixar pontas soltas para os futuros projetos da empresa, preocupando-se mais em contar (e concluir) sua própria história do que em servir como um trailer de duas horas e meia.

Assim, depois de ver o que os irmãos Russo fizeram aqui, mal posso esperar para conferir o que eles têm para apresentar em Vingadores: Guerra Infinita.

Mais para explorar

Guerra Civil | Crítica

Como espetáculo de ação, Guerra Civil é uma obra tecnicamente eficiente. Como tese – que obviamente tenta ser – sobre algum tema mais amplo, é um filme que reflete as velhas e costumeiras limitações de Alex Garland.

Garfield Fora de Casa | Crítica

Animação da Sony com alma de Illumination, a nova aventura do gato mais famoso das tirinhas em quadrinhos cria uma narrativa tão caótica que sobra pouco espaço para Garfield esbanjar sua personalidade e seu carisma habitual – o que é uma pena.

Love Lies Bleeding – O Amor Sangra | Crítica

Uma surpresa curiosa que se aproveita bem de sua ambientação e do equilíbrio entre o mundano e o fantasioso, entre o “pé no chão” e o absurdo quase lisérgico, a fim de ilustrar como um amor pode corroer se for intenso demais.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *