Diana Frances Spencer é o verdadeiro nome daquela que o mundo se habituou a chamar somente de “Princesa Diana” – ou, de forma ainda mais simplificada, “Lady Di”. Casual em seus gestos e carismática em seu jeito, Diana foi uma personalidade atípica para aquilo que passamos a esperar da Família Real Britânica, já que seu modo humano, popular, de se dirigir ao público ajudava a quebrar com a grandiosidade pomposa, cafona e repleta de formalidades que costumamos esperamos da Realeza – e não é à toa que, com o tempo, Diana passou a ser apelidada de “princesa do povo” pela imprensa inglesa (sim, a mesma que massacrava sua privacidade e invadia sua vida pessoal ao máximo possível a fim de extrair algo que rendesse uma coluna sobre ela em um tabloide).
Um apelido que encontra ecos sombrios logo nos primeiros minutos de Spencer, quando, dirigindo sozinha na autoestrada e perdida enquanto tentava achar o caminho para a casa de campo de Sandringham, ela para em uma lanchonete, é recebida com olhares curiosos e sussurros de “Olhem, é a Diana!”, direciona-se ao gerente e diz “Não faço ideia de onde estou” – uma fala que nem é exatamente sutil em seu propósito de sugerir que a confusão da protagonista não é só “geográfica”, mas existencial. Ela está dividida entre a vida comum e a magnitude de pertencer à Realeza; entre ser do povo e ser divina; entre ser quem é e ser a “Lady Di” que aparece para a mídia.
Em menos de 10 minutos de projeção, fica clara toda a nuvem que encobre a mente de Diana e que, nas duas horas seguintes, será enfocada pelo diretor Pablo Larraín (No, O Clube, Jackie) com ares de puro terror.
Ambientado quase todo no interior do castelo de Sandringham (saindo de lá e indo a um campo, uma rua ou uma praia somente de vez em quando), Spencer não se propõe a ser uma cinebiografia (ou seja: um resumo de toda a vida da protagonista), mas um recorte específico dos últimos dias do casamento de uma década entre Diana e o príncipe Charles – isto em dezembro de 1991, quase seis anos antes do trágico acidente que levou a princesa à morte. Embora fosse patente que a relação entre os dois esfriara e que o matrimônio provavelmente terminaria em breve, Diana foi ordenada a ainda preservar uma aparência de normalidade pelo menos até aquele Natal, que obviamente seria tratado com esplendor pela Família Real e atrairia a atenção de toda a mídia interessada no dia a dia daqueles indivíduos. Porém, a cobrança ininterrupta em cima de Diana (e de sua imagem) a leva a um processo de deterioração que a faz perceber cada vez mais os malefícios de tentar encaixar-se na Realeza; como não vale a pena sacrificar o corpo e a alma em nome de tal status.
O que é notável (e eficiente) no roteiro de Steven Knight, contudo, é que a deterioração de Diana se dá não por viradas óbvias e/ou grandiosas, mas por pequenos detalhes que escancaram ainda mais como a intimidade da princesa é constantemente confrontada e como ela é privada de suas emoções para ser convertida (forçadamente) num produto da Família Real. Desde a obrigação de pesar-se com frequência (numa balança que nem parece feita para humanos) e emagrecer em três dias para poder caber num vestido (ou seja: para gerar cliques para a imprensa) até o fato de não poder conversar com as empregadas sem dar explicações de “Onde você estava?” ou “O que você está fazendo?” para algum outro homem, Diana é uma mulher cuja submissão (coercitiva) a um universo de louros e pompas terminou por sufocar sua privacidade, seu direito de não precisar ser perfeita o tempo todo – e até as cortinas de seu quarto são lacradas para evitar que a imprensa do lado de fora registre uma foto íntima sua. Para entrar para a Família Real, é proibido ser uma mulher comum; é preciso obrigar-se a ser/parecer majestosa – mesmo que não o seja nem queira sê-lo. O status de “princesa do povo” é mais uma grife do que algo concreto, prático.
Com isso, faz todo o sentido que Pablo Larraín opte por conduzir a narrativa com um ar de sobriedade que beira o macabro, convertendo o casarão de Sandringham em um cenário que soa adequado não a férias, mas a um confinamento – e, se o designer de produção Guy Hendrix Dyas imprime o luxo e a imponência que esperamos de qualquer coisa envolvendo a Realeza em cada detalhe daquele ambiente, a diretora de fotografia Claire Mathon (Retrato de uma Jovem em Chamas) registra aqueles mesmos espaços com uma frieza que impede que qualquer traço de alegria se manifeste no meio daqueles tons pasteis. Ao mesmo tempo, Larraín volta a utilizar a estratégia empregada para filmar a personagem-título de Jackie e enfoca a princesa Diana constantemente através de planos fechados, close-ups, que parecem tentar “invadir” a privacidade da protagonista e extrair o máximo possível de qualquer gota de suor e/ou contraída de lábios que surgirem dela – o que não impede Larraín e Mathon de, em outros momentos, retratarem Diana no meio de planos gerais que ajudam a torná-la pequena em meio à grandiloquência visual cafona daquele lugar. Não é uma abordagem particularmente sutil, de fato, mas funciona ao ajudar a pintar um quadro de instabilidade que a trilha de Jonny Greenwood (colaborador habitual de Pau Thomas Anderson) se encarrega de complementar, adotando instrumentos que, embora classudos separadamente (cordas, trombone, órgão, etc), aqui entram em conflito ao serem utilizados de forma destrambelhada, dissonante, criando a sensação de que algo está errado a todo momento.
Outra que não é sutil, mas é funcional em seus esforços é Kristen Stewart, que encarna Diana como uma figura tão soterrada pelo glamour artificial que lhe é enfiado goela abaixo, pela obrigação de encaixar-se em uma suntuosidade que não é de sua natureza, que é natural que ela surja sempre com aparência e postura doloridas, sentindo o cansaço e a confusão de quem custa a recobrar a própria identidade (de novo: perdida entre a simplicidade e a magnitude). E, embora Stewart ocasionalmente carregue um pouco nos tiques de composição, é também eficaz ao transmitir a vulnerabilidade de Diana e seu encarceramento em meio a um ambiente que, paradoxalmente, não poderia ser mais vasto e aberto.
Que Larraín encerre o filme com Diana finalmente recobrando alguma paz de espírito, fazendo-a experimentar de novo o aliviante vento de ar fresco do mundo real, é uma gentileza do cineasta para com uma figura que a própria realidade não deixou de assombrar.
(Lembre-se: a pandemia não acabou. Se for sair de casa e ir ao cinema, siga todos os cuidados sugeridos pelas organizações sérias de Saúde: use máscara, mantenha uma distância segura dos demais espectadores, evite se aglomerar e – o mais importante – vá ao posto tomar sua vacina. Se já tomou a primeira dose, tome a segunda. Se já tomou a segunda e já chegou a vez de tomar a terceira, tome a terceira – se ainda não chegou, espere e vá assim que ela estiver disponível. É triste ter que escrever isto, mas… não escute o atual presidente da República (ou mesmo seu ministro da Saúde): vacine-se e proteja-se. Só assim conseguiremos construir um caminho para finalmente vencermos a COVID-19 e sairmos desta crise que ninguém aguenta mais. #ForaBolsonaro)