Tár (1)

Título Original

Tár

Lançamento

26 de janeiro de 2023

Direção

Todd Field

Roteiro

Todd Field

Elenco

Cate Blanchett, Noémie Merlant, Nina Hoss, Sophie Kauer, Mila Bogojevic, Mark Strong, Julian Glover, Allan Corduner, Lee Sellars, Sylvia Flote, Zethphan Smith-Gneist, Adam Gopnik e Sydney Lemmon

Duração

158 minutos

Gênero

Nacionalidade

EUA

Produção

Todd Field, Alexandra Milchan e Scott Lambert

Distribuidor

Universal Pictures

Sinopse

Ambientado no mundo internacional da música clássica, o filme centra-se em Lydia Tár, amplamente considerada uma das maiores compositoras/regentes vivas e a primeira maestrina feminina de uma grande orquestra alemã.

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Tár | Crítica

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Lydia Tár é uma artista sem igual. PhD em Musicologia, professora de piano em uma das universidades mais conceituadas de seu ramo e conhecida por gravar as nove sinfonias de Gustav Mahler, a musicista em questão se tornou a primeira mulher a reger a Filarmônica de Berlim e é uma das pouquíssimas figuras femininas a alcançar o EGOT (ou seja: a vencer o Emmy, o Grammy, o Oscar e o Tony). Mais do que isso: basta escutar uns poucos minutos de qualquer entrevista concedida por Tár para perceber a incontestável paixão desta pela Arte com que trabalha, citando os nomes que a influenciaram, os causos envolvendo estes e as teorias que conhece sobre linguagem musical com um entusiasmo que contagia e salta aos olhos – e o fato de ser tão excepcional em sua área é, na verdade, consequência de décadas de profundo (e constante) estudo sobre Teoria, Prática e História musicais. Negar o talento e a potência de Tár, portanto, seria quase um terraplanismo.

Lydia Tár é, também, uma alma fria e eticamente corrompida. Por trás das cortinas, ela não hesita, por exemplo, em submeter seus alunos a humilhações nada pedagógicas que criam um clima instável durante suas aulas e que ora encostam na beirada do assédio moral, ora a ultrapassam totalmente. O pior, contudo, é que Tár é uma mulher que se utiliza de seu cargo de condutora para aproximar-se de alunas/pupilas que lhe chamam a atenção a fim de criar uma relação com estas, chegando ao cúmulo de enfiar na orquestra uma menina que, pelos regulamentos da Filarmônica, nem deveria ser considerada para uma posição tão alta – e mais: colocando-a à frente de uma outra violoncelista que, em nome da lógica, seria a candidata óbvia e natural àquela cadeira. Aliás, o trato de Tár com as pessoas ao seu redor é tão destrutivo que, dizem, motivou uma de suas ex-parceiras a se suicidar.

A propósito: Lydia Tár não existe, sendo uma criação totalmente ficcional do cineasta Todd Field. No entanto, é uma personagem construída com tamanha riqueza de detalhes que se torna injusto não usá-la como ponto de partida para algumas reflexões sobre certas figuras do mundo real.

Terceiro longa-metragem escrito e dirigido por Todd Field (os anteriores foram Entre Quatro Paredes e Pecados Íntimos, este último lançado há dezessete anos), Tár acompanha a musicista-título prestes a publicar sua autobiografia Tár on Tár e a lançar um álbum com as gravações ao vivo das composições de Mahler – um álbum que será disponibilizado num formato cuidadosamente escolhido pela artista para corresponder àquela que seria, na sua visão, a experiência ideal. Casada com a violinista de sua orquestra e mãe de uma criança pequena, Lydia Tár conta com a ajuda imprescindível da assistente Francesca, que lhe ajuda a organizar sua rotina profissional, mas também lhe fornece amparo pessoal. Porém, tudo começa a se complicar na vida de Tár após uma série de comportamentos anti-éticos e especulações (falsas ou verdadeiras) sobre sua conduta virem à tona, misturando-se ainda ao suicídio de Krista, uma acordeonista que manteve relação íntima – e, pelo jeito, tóxica – com a protagonista.

A partir daí, Tár mergulha de cabeça numa discussão que anda cada vez mais em voga, mas que, paradoxalmente, parece cada vez mais longe de uma conclusão: a possibilidade (ou não) de se separar o artista de sua obra – afinal, é possível seguir consumindo e admirando o material produzido por um ser humano pessoalmente repugnante? (Só de fazer esta pergunta, uns quinze exemplos diferentes já me vieram à mente.) O curioso é que, embora adentrando nestas questões, este trabalho de Todd Field não se propõe a bater o martelo de forma definitiva e/ou irrefutável sobre nenhuma delas, reconhecendo o tal debate como algo infinitamente mais complicado e dotado de nuances do que as redes sociais, em sua superficialidade padrão, nos fazem acreditar que é. Assim, a estratégia que Tár escolhe é a de fazer jus à complexidade do tema que aborda, dedicando seus 158 minutos a nos convencer de que a protagonista é uma musicista digna de efusivos aplausos, mas também um ser humano (em sua vida privada) frequentemente repreensível.

Dedicando a primeira hora de projeção a nos provar minuciosamente por que devemos considerar Lydia Tár uma artista fabulosa (independentemente do que achemos dela a nível pessoal), Field é hábil ao estabelecer como o imenso histórico de conquistas da protagonista (todas listadas na abertura do longa, que a mostra dando uma entrevista para o escritor Adam Gopnik) provém do vasto conhecimento (teórico e prático) que a musicista tem sobre a Arte que domina – conhecimento este que, como fica claro em cada palavra e entonação conferida por Cate Blanchett (numa das melhores performances de sua já brilhante carreira), é motivado por uma paixão absoluta e genuína pela Música em si, sendo notório como as defesas de Tár sobre teorias e técnicas específicas soam sempre aficionadas (mas não a ponto de tornarem-se cegamente emocionadas) e como as filosofias que adota/emprega sobre Arte acabam pautando, de modo geral, seu jeito de ser e enxergar o mundo. Além disso, Field dedica um tempo de tela considerável a mostrar, numa ordem bem encadeada, como se dá o processo criativo da personagem-título e de onde vem suas inspirações (primeiro, a vemos escutar um barulho que fica em sua cabeça; depois, a vemos ouvir outro som que complementa aquele de certa forma; mais tarde, ela elabora um meio de usá-los até, por fim, transformá-los em prática), o que é importante para que tenhamos acesso a um panorama completo de quem a artista Lydia Tár.

Desta maneira, torna-se impossível, para o espectador, negar a potência criativa daquela mulher – o que se contrapõe, por outro lado, ao recorrente desconforto que sentimos diante das atitudes constantemente tóxicas que ela toma em sua vida privada e que atingem diretamente aqueles que a cercam, deixando o público numa difícil posição de apreciar a criação de uma pessoa problemática. Convencida de que seu status renomado lhe dá o direito de adotar uma pose superior e de encarar os demais de cima para baixo, Lydia Tár é uma figura obviamente soberba – e a força de seu ego encontra sustentação no fato de frequentemente a vermos em cena diante de espelhos (o da sala, o retrovisor do carro ou qualquer tipo de vidro que a reflita), sempre reafirmando a ideia de que tudo aponta para dentro dela; tudo (inclusive, ela própria) é direcionado para ela. Além disso, a conduta de Tár é pautada pela manipulação frequente dos sentimentos que os outros nutrem por ela: se aqui ela buscará um carinho que será prontamente fornecido (afinal, todas ao seu redor a amam ou a admiram), ali ela partirá subitamente para a frieza ou, pior, para um jogo mental a fim de fazer os outros sentirem-se culpados por… qualquer que seja a razão.

Todas estas virtudes do filme ao construir este retrato de Tár, claro, são alcançadas também pelo trabalho de Cate Blanchett, que faz por merecer todo o destaque que vem recebendo nesta temporada de premiações e encarna a protagonista com uma entrega que a faz soar não como “uma personagem interpretada por Cate Blanchett”, mas como… Lydia Tár – e o cuidado da atriz ao trazer esta artista à vida é tão minucioso que se atenta a detalhes como gaguejadas durante uma entrevista (que provém não de nervosismo, mas de algo que lhe veio à mente do nada e que ela decide voltar para casualmente comentar), maneirismos que ressaltam seu tato com os instrumentos que toca e pequenos gestos que demonstram suas constantes contradições (ora legítimas, ora partes de manipulações).

E, ainda assim, o linchamento ao qual é submetida e que leva a consequências desastrosas não pode ser classificado como “justo” ou “razoável”, já que nasce de ou de mentiras, ou de meias verdades. Sim, Lydia Tár é um ser humano cruel e de conduta imperdoável – e não dá para dizer que não tenha “cavado a própria cova”, ao menos em certo grau –, mas há um limite de veracidade nas acusações feitas contra ela. Com isso, o filme adota a interessante estratégia de levar o espectador a desgostar de Tár para, lá na frente, sentir-se compelido a defendê-la minimamente, reforçando, no processo, como o tópico é bem mais delicado do que fingem ser.

Fotografado por Florian Hoffmeister numa paleta sempre cinzenta e sufocante, impedindo que qualquer traço de alegria se manifeste naquele universo seco e melancólico, Tár é uma obra cuja abordagem visual/narrativa, embora adotando estratégias tecnicamente ambiciosas, entende cada decisão estilística não como mero exibicionismo, mas como algo a contribuir com a proposta geral do longa – e gosto particularmente de como uma das aulas lecionadas por Tár é enfocada através de um longuíssimo plano sem cortes que, mesmo oferecendo um desafio para todos os envolvidos, é rodado com o intuito claro de potencializar a tensão daquele momento, evitando chamar a atenção para si mesmo.

Tornando-se cada vez mais angustiante e inquieto à medida que se aproxima do fim (aliás, o fato de seus 158 minutos passarem voando é mérito também do encadeamento fluído e tenso criado pela ótima montagem de Monika Willi), Tár é um filme ambicioso, hipnotizante e maduro ao discutir seus temas. E é bem revelador que as primeiras lágrimas que vemos sair dos olhos da protagonista (mesmo após passar por tantas situações que as justificariam) surjam apenas nos minutos finais da projeção.

O que as motiva? Um discurso que vê numa fita VHS sobre o poder da Música. Afinal, o desperdício cometido por Tár ao adotar as condutas que adotou não faz seu amor pela Arte que fazia transparecer menos.

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