Em 2020, o nome de Kelly Reichardt já estava no radar e já contava com certo reconhecimento, mas com a estreia de First Cow, sua obra mais celebrada, aí a cineasta foi catapultada a um novo nível. Com uma premissa simples que girava em torno de personagens gentis e delicados, o longa revelava um coração imenso ao voltar para o período da fundação da “América” (leia-se: dos Estados Unidos) e alcançava resultados tão sensíveis – e tão bons – que fiz questão de incluir o filme em minha lista dos melhores de 2021 (ele só veio a ser lançado comercialmente por aqui no ano seguinte). E é justo por isso que, confesso, saí um tanto decepcionado de The Mastermind, novo trabalho de Reichardt e que disputou a Palma de Ouro no último Festival de Cannes.
A premissa é cheia de potencial: inspirada num caso real de 1972 (quando dois quadros de Gauguins, um de Picasso e outro de Rembrandt foram roubados do Museu de Arte de Worcester), a trama acompanha J.B. Mooney, um pai de família que, nas horas vagas, se une a dois comparsas para roubarem valiosas obras de arte e fazerem um dinheiro com elas. Eis que as coisas dão errado e, do meio para o fim, o protagonista é forçado a fugir eternamente, deixando a família para trás. Em teoria, outra decisão que tinha tudo para funcionar, em The Mastermind, é a de dedicar sua primeira metade a construir (com cuidado e bom humor) o crime em si e sua segunda, a subverter as expectativas de um típico “filme de assalto”, desglamourizando as ações de Mooney ao mostrar como elas só o condenaram a uma vida de desalento, melancolia e chances desperdiçadas.
Infelizmente, não acho que desta vez Reichardt chegue a resultados particularmente interessantes a partir das boas ideias e premissas que estabelece, já que logo nos primeiros 20 minutos de The Mastermind fiquei com a estranha sensação de que o filme criava um senso de expectativa – com a trilha sonora incessante, à base de jazz agitado, e com os personagens constantemente se dirigindo de um ponto a outro como se estivessem se encaminhando para fazer algo (nem sempre estavam) – sem saber exatamente aonde esta antecipação queria chegar. Ou seja: é como se Reichardt não tivesse um propósito em mente e tentasse disfarçar a própria falta de objetivo criando um falso teor de “iminência”, como se algo estivesse prestes a acontecer.
Da mesma forma, a segunda metade do longa é uma frustração imensa: sim, a ideia de mostrar as consequências de uma vida de crimes recaindo nos ombros do ladrão (tirando de Mooney o charme que os “filmes de assalto” comuns costumam dar aos seus protagonistas e colocando, no lugar, um tédio e uma monotonia que reforçam como a vida do sujeito virou uma tortura sem fim) é interessante. No entanto, é uma pena que Reichardt (que também escreveu o roteiro, vale lembrar) raramente encontre meios inventivos/instigantes de retratar os prejuízos gerais que os crimes de Mooney lhe trouxeram, limitando-se a ficar batendo numa única tecla pelo resto da projeção sem propor algo de imaginativo ou realmente revelador sobre o ladrão e suas escolhas de vida.
Assim, The Mastermind termina como uma obra que nunca faz jus às boas ideias que tem em mente, sobrevivendo à base das presenças de Josh O’Connor e Alana Haim e de um ou outro momento divertidinho que surge de vez em quando (de minha parte, não acho o senso de humor do filme tão hilário quanto a maioria das pessoas em minha sessão pareceu achar, mas admito que a cena dos ladrões se atrapalhando na saída do museu e de Mooney tentando guardar uma obra no topo de um celeiro são engraçadinhas).
Em suma: The Mastermind não colou comigo.



