Depois de catapultar seu universo cinematográfico com Os Vingadores, a Marvel parece estar passando por uma forte crise criativa após seu maior sucesso: se Homem de Ferro 3 se revelou um dos longas mais problemáticos já produzidos pelo estúdio, este Thor: O Mundo Sombrio nada mais é que um exercício de mediocridade, existindo apenas para cumprir tabela até a estreia de Vingadores: Era de Ultron e investindo num roteiro terrivelmente tolo e descuidado que, somado a outros problemas decepcionantes, tende a comprometer o projeto de modo geral. O resultado disso tudo é um longa inferior ao primeiro Thor – que já não era dos melhores filmes da Marvel.
Escrito por Christopher Yost ao lado dos mesmos Christopher Markus e Stephen McFeely de Capitão América, o roteiro desta continuação começa com uma narração em off onde Odin explica como, no passado, os asgardianos neutralizaram a ameaça dos Elfos Negros e tiraram destes sua arma mais poderosa (sim, troquem “Elfos Negros” por “Gigantes de Gelo” e temos exatamente o início do anterior). Depois disso, quando Thor está garantido a segurança dos nove reinos nórdicos, sua amada Jane Foster é possuída pela gosma maligna de Homem-Aranha 3 e aos poucos vai se transformando em Fênix Negra. A partir daí, o vilão invade Asgard e provoca uma tragédia que serve de motivação para o herói (como em Os Vingadores), que resolve se unir ao imprevisível Loki a fim de esconder-se de Odin enquanto vai no encalço dos Elfos Negros.
Ora, na última vez que Thor sucumbiu ao impulso de perseguir um oponente, isto não resultou em seu banimento para a Terra? Hum. De qualquer forma, este não é o único tropeço do pavoroso roteiro, que, como já podem observar, não faz muita questão de estimular sua própria criatividade. Reciclando uma série de ideias, situações e soluções que apareceram aos montes em outras produções, Thor 2 é uma refilmagem do primeiro e de Os Vingadores ao mesmo tempo, o que, convenhamos, constitui um caso extraordinário de falta de imaginação. É este tipo de obra que fomenta discussões a respeito de um possível desgaste dos super-heróis, deixando claro que a Marvel emprega uma “fórmula” em seus filmes e que estes não podem se manter eternamente na mesmice.
O pior, porém, é perceber como o trio de roteiristas nem se preocupa em estabelecer uma coesão no fiapo de história que resolvem contar: além das incoerências que começam a pesar por volta da metade da projeção (e que talvez possam ser descritas como “furos”), o número excessivo de coincidências praticamente destrói a suspensão da descrença que o espectador tentava preservar, pois não dá para aceitar que o artefato procurado pelos vilões acabaria contaminando justamente a namorada do herói. Mas é difícil cobrar seriedade de um roteiro que cria situações implausíveis até mesmo para os padrões de um filme de super-herói, incluindo, por exemplo, uma personagem que consegue fazer uma videochamada dentro de uma caverna em outro universo, como se aquela área rochosa oferecesse um wi-fi interdimensional.
Há, porém, dois nomes que se sobressaem em Thor 2: Chris Hemsworth, que mostra-se bem mais à vontade ao encarnar o imponente herói, e Tom Hiddleston, que, com seu carisma cada vez maior, rouba todas as cenas das quais participa – e não deixa de ser curioso que Loki soe como uma figura verdadeiramente imprevisível, levando o espectador a desconfiar do sujeito sem perder o desejo de acreditar nele. Por outro lado, se Rene Russo e Idris Elba ao menos ganham a oportunidade de protagonizar alguns bons momentos, Anthony Hopkins tem sua presença diluída ao retornar à pele de Odin ao passo que Natalie Portman segue apática no papel de Jane Foster. Para completar, o vilão interpretado por Christopher Eccleston é um equívoco monumental, frustrando por suas motivações inexistentes, por sua falta de personalidade e por sua aparência nada intimidadora.
Razoavelmente interessante em seus esforços de expandir a mitologia que o primeiro não conseguiu apresentar adequadamente, mostrando um pouco mais de Asgard e dos mundos ao seu redor, Thor 2 é dirigido sem muita inspiração por Alan Taylor, que, responsável por alguns episódios de Mad Men e Game of Thrones, transforma o longa numa experiência quase televisiva, com planos excessivamente fechados e sequências de ação que não cumprem mais que o básico. E se o design de produção se destaca ao conferir uma identidade high tech aos itens utilizados pelos Elfos Negros, o compositor Brian Tyler realiza um trabalho inferior àquele que apresentou em Homem de Ferro 3, o que não deixa de ser uma pena.
Mas nada é tão incômodo em Thor 2 quanto seu senso de humor, que chega ao cúmulo de trazer Stellan Skarsgård correndo nu de um lado para o outro – e se a assistente vivida por Kat Dennings já era insuportável antes, agora ela ainda conta com o auxílio de outro assistente (ou seja: o alívio cômico tem seu próprio alívio cômico). O pior, no entanto, é quando a necessidade de gerar piadas compromete uma boa ideia: quando o terceiro ato resolve inserir o conceito de teleporte, é de se esperar que este vai se integrar às sequências de ação a fim de torná-las mais interessantes. Em vez disso, porém, o filme prefere desperdiçar este elemento e usá-lo como um instrumento cômico ineficaz, o que serve também para eliminar a tensão que deveria haver no clímax.
E isto resume bem a besteira que é Thor: O Mundo Sombrio.