Trama Fantasma (1)

Título Original

Phantom Thread

Lançamento

22 de fevereiro de 2018

Direção

Paul Thomas Anderson

Roteiro

Paul Thomas Anderson

Elenco

Daniel Day-Lewis, Vicky Krieps, Lesley Manville, Camilla Rutherford, Gina McKee, Brian Gleeson, Harriet Sansom Harris, Lujza Richter, Julia Davis, Nicholas Mander, Philip Franks, Phyllis MacMahon, Silas Carson, Richard Graham, Martin Dew, Ian Harrod e Jane Perry

Duração

130 minutos

Gênero

Nacionalidade

Inglaterra

Produção

Paul Thomas Anderson, Megan Ellison, JoAnne Sellar e Daniel Lupi

Distribuidor

Universal Pictures

Sinopse

Década de 1950. Reynolds Woodcock (Daniel Day-Lewis) é um renomado e confiante estilista que trabalha ao lado da irmã, Cyril (Lesley Manville), para vestir grandes nomes da realeza e da elite britânica. Sua inspiração surge através das mulheres que constantemente entram e saem de sua vida. Mas tudo muda quando ele conhece a forte e inteligente Alma (Vicky Krieps), que vira sua musa e amante.

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Trama Fantasma | Crítica

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Nem todos os diretores são como Paul Thomas Anderson. Há pouco mais de um ano, quando escrevi sobre A Chegada, citei brevemente alguns diretores que certamente serão lembrados pelos cinéfilos do futuro, que provavelmente usarão Denis Villeneuve, os irmãos Coen, David Fincher, Quentin Tarantino, Wes Anderson e outros nomes que indicarão o que houve de melhor na Hollywood do início do século 21 – e é claro que, no meio destes cineastas, fiz questão de incluir Paul Thomas Anderson, que já começou bem com o ótimo Jogada de Risco (uma história que envolvia crimes, traição e jogos de azar, mas que surpreendia ao encontrar no amor uma forma de preencher as lacunas pessoais dos personagens) e voltou a se destacar ao fazer o excelente Boogie Nights (onde falava sobre a natureza insana da indústria pornográfica, embalava a narrativa com aquele charme particular da década de 1970 e criava um protagonista multifacetado – mesmo que seus talentos tenham menos a ver com méritos e mais com o tamanho de seu pênis).

Mas foi em 1999 que Anderson revelou sua obra-prima: Magnólia, que se sobressaiu num ano que já havia apresentado longas inesquecíveis como Clube da LutaMatrix, O Sexto SentidoQuero Ser John Malkovich, À Espera de um Milagre e tantos outros. (Aliás, não existem spoilers de algo que foi lançado há quase 20 anos, certo?) Introduzindo a ideia de que coincidências absurdas podem ser mais que meros golpes do acaso, este é um daqueles filmes que devem ser estudados de várias formas, construindo uma narrativa complexa que aborda múltiplas tramas paralelas, temas que permitem diversas interpretações e símbolos que rendem discussões até hoje (correlacionando os números “8” e “2” com a chuva de sapos que ocorre no terceiro ato, como o versículo bíblico Êxodo 8:2 se encaixa na lógica do roteiro?). É uma pena, portanto, que Magnólia tenha fracassado nas bilheterias e recebido um reconhecimento abaixo do que merecia nas premiações – e a passagem em que as tragédias de cada um dos personagens são interligadas, através da canção “Wise Up”, é um daqueles momentos preciosos que ficam marcados na memória do espectador.

A sequência que veio a seguir manteve-se impecável: o lindo Embriagado de Amor desconstruiu o estilo das comédias românticas e usou a persona habitual de Adam Sandler para transformá-lo num personagem denso e tocante; o magistral Sangue Negro pegou uma história ambientada no fim do século 19 a fim de refletir nela um contexto contemporâneo, exibindo a tendência dos anos 2000 de retratar as corporações e os grandes empresários como vilões e tornando-se, ao lado de Onde os Fracos Não Têm Vez, um indício de que o Oscar de 2008 foi uma premiação interessante; O Mestre retratou a Cientologia como um conceito instigante ao passo que Joaquin Phoenix surgiu impecável na pele de um sujeito instável e explosivo – sem contar o saudoso Philip Seymour Hoffman, que devorou cada segundo de tela com um brilhantismo inacreditável –; e Vício Inerente… bem, é uma doideira narrativa acompanhada de uma atmosfera igualmente frenética (o que é eficaz, embora seja o filme que menos gosto do diretor).

O que nos traz, é claro, a este Trama Fantasma, que poderia ser simplesmente identificado como o oitavo longa-metragem de Paul Thomas Anderson, mas vou além: é a oitava prova consecutiva de que o gênio desse indivíduo é inquestionável. Situado em Londres na década de 1950, o roteiro nos apresenta a Reynolds Woodcock, um estilista absolutamente renomado que vive à sua própria maneira, preservando seus hábitos excêntricos enquanto mora e trabalha ao lado da irmã Cyril. Quando Woodcock passeia no interior do país e resolve tomar café num restaurante, uma garçonete chamada Alma lhe chama a atenção – e, ao constatar que ela é dono do “corpo perfeito”, ele faz questão de se envolver com a jovem, transformá-la em seu modelo preferencial e desenvolver um romance. Mas é claro que as disparidades naturais de ambos acabam complicando tudo, provocando choque comportamental que desequilibra invariavelmente a dinâmica entre o casal.

A princípio, pode parecer uma historinha batida sobre problemas matrimoniais; mas como nada é tão simples e rasteiro nas mãos de Paul Thomas Anderson, Trama Fantasma funciona tanto como olhar crítico direcionado ao ego do bom profissional quanto como retrato de uma relação que, a julgar pelas origens sociais/econômicas que separam marido e esposa, jamais permaneceria com tranquilidade.

Estabelecido de imediato como uma persona que notavelmente vive num mundo particular, Reynolds Woodcock é tratado pelo roteiro como alguém que se vê não como pessoa comum, mas como ícone – tanto é que seu talento profissional define toda e qualquer atitude em sua rotina privada, não havendo separação alguma entre uma conduta e outra. Mais que um estilista invejável, Woodcock é um ser humano que respira glamour e vontade de manter-se classudo até mesmo em momentos que qualquer um encararia com alguma descontração, algo que pode ser observado na série de métodos que adota em seu dia-a-dia (o jeito como acorda, se veste e toma café da manhã é cheio de detalhes meticulosos). A princípio, porém, Reynolds parece um cidadão tolerável e até simpático, o que em boa parte acontece graças à fabulosa performance de Daniel Day-Lewis (que, agora aposentado, encerra sua incrível carreira com chave de ouro): quando Woodcock janta pela primeira vez com Alma, molha um guardanapo e cuidadosamente remove seu batom, o que impede o sujeito de soar como um completo babaca é a importante (e sutil) delicadeza que Day-Lewis mantém – e quando leva a jovem para uma sala, pede para que use um vestido preliminar e começa a medi-la, o ator consegue deixar claro que o que está fazendo não tem nada a ver com perversões sexuais, apenas uma vontade genuína de conhecer a forma de seu corpo.

O que não significa, por outro lado, que aos poucos Woodcock não vá exibindo um comportamento degradante (ainda que, nos primeiros minutos, ele surja tratando sua irmã com uma rispidez desnecessária, isto não diminui o impacto de descobrir até que ponto vai sua arrogância depois disso). A transição que leva Reynolds Woodcock do posto de excêntrico divertido ao de criatura insuportável, por sinal, é conduzida tanto por Anderson quanto por Day-Lewis com uma precisão digna de aplausos. Não que chegue a ser asqueroso como Daniel Plainview (de Sangue Negro), mas é perfeitamente possível entender o desgosto que cresce em Alma: quando a garota come e acaba fazendo um ruído que qualquer pessoa faria, logo é repreendida de modo exacerbado; quando Alma o convida para um jantar romântico, sua expressão indica nojo e desprezo sem nem se dar ao trabalho de valorizar a boa intenção da mulher; e quando percebe que a jovem está profundamente descontente com o relacionamento, Reynolds claramente não consegue captar o porquê dessa insatisfação, pois acredita que ter oferecido luxo e estabilidade deveria ser mais que o suficiente.

Mas há um motivo para isto: Woodcock não está acostumado a ser confrontado, já que Cyril está habituada a conviver com suas esquisitices – e neste sentido, inclusive, o trabalho de Lesley Manville torna-se fundamental, transmitindo para o espectador a ideia de que, embora hierarquicamente subalterna ao irmão, ela conta com uma potência e um controle bem maiores do que poderíamos supor. Em outras palavras: mesmo sendo um escroto mais por instinto do que por vontade, Reynolds Woodcock também não parece fazer muita questão de identificar este erro e corrigi-lo. E a partir daí, Trama Fantasma obviamente assume um papel de crítica à elite, que está frequentemente encarando a realidade sob um filtro que não se aplica às outras parcelas da sociedade – e, por isso, talvez tome atitudes reprováveis em prol do status sem nunca ser devidamente questionada. Pois não se enganem: Paul Thomas Anderson pode até adotar uma abordagem estética retrô e classuda que sugere conservadorismo (e não me espantarei se muitos ficarem desapontados com isso), mas se tem algo que este realizador não deve ser chamado é de conservador – e me refiro não às suas ideologias, mas às suas decisões como contador de histórias e como alguém comprometido com a linguagem cinematográfica.

Assim sendo, há a contraparte de Reynolds: sua esposa, Alma. Talvez assumindo a função de real protagonista da história (já que seu ponto de vista é aquele que guia o espectador), a mulher é inicialmente estabelecida como uma figura impotente perante Woodcock – que, a rigor, foi o responsável por alçá-la a uma classe social/econômica mais alta. Dito isso, ao descobrir o quão egocêntrico é o estilista e que o amor por este oferecido tem mais a ver com questões profissionais do que pessoais, a jovem sente-se cada vez mais insatisfeita com a relação. Mas não, Alma não é uma dama que vive às custas do marido e jamais consegue se impôr – ao contrário: quando sua desilusão atinge um limite, a ex-garçonete resolve tomar atitudes surpreendentemente rigorosas, chegando ao fim da trama como alguém realmente capaz de intimidar Reynolds Woodcock. É por isso que o desempenho da atriz Vicky Krieps também é digno de nota, ajudando a construir uma personagem complexa que, embora pareça frágil e vulnerável à primeira vista, vai nutrindo uma força desabrochada no decorrer da narrativa.

Contando com aqueles planos longos que Paul Thomas Anderson sempre gostou de rodar, Trama Fantasma é fotografado pelo próprio diretor como uma espécie de documento antigo, investindo num grão grosso e em tons dessaturados que dão ao filme uma aparência intencionalmente desgastada (como se fosse uma peça de museu – aliás, existem várias composições que mereciam ser ampliadas, impressas e emolduradas). O que não quer dizer, no entanto, que este tratamento na imagem dilua a intensidade das cores, que surgem sempre representadas nos belíssimos figurinos elaborados pelo experiente Mark Bridges (que só não ganhará o Oscar se a Academia enlouquecer de vez). E se o design de som mostra-se essencial para ilustrar o quão incomodado Reynolds se sente ao ouvir quaisquer ruídos (e o baixíssimo volume de outros gestos – como uma mordida silenciosa num pão – é igualmente importante aqui), a trilha sonora de Jonny Greenwood desempenha um papel significativo ao “costurar” boa parte do ritmo do segundo ato, sendo reproduzida sem parar e conferindo tensão a passagens que talvez não fossem tão evocativas sem as composições de fundo.

Mas o que me atraiu mesmo em Trama Fantasma foi a capacidade (habitual do diretor) de pontuar a narrativa através de signos que vão e voltam: para citar um exemplo (sem spoilers), a manteiga – que Woodcock não aprecia em determinados pratos – sugere instabilidade na maneira como o casal interage, aparecendo ou deixando de aparecer em dois momentos-chave da projeção (e indicando, portanto, que Reynolds e Alma podem ou não ter encontrado um equilíbrio). Para completar, é admirável que o último plano do filme estabeleça uma rima visual inteligente com outra imagem presente no primeiro ato e, com isso, conclua apropriadamente os arcos do marido e da esposa.

Por fim, o brilhante cineasta aponta para outro tema sutil e inclui um simbolismo quase sobrenatural que associa as modelos que trabalharam com Reynolds Woodcock à forma cíclica como seu espírito parece se transferir de vida em vida, dando um significado ainda maior ao título Trama Fantasma.

Ah, Paul Thomas Anderson…

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