Lady Bird

Título Original

Lady Bird

Lançamento

15 de fevereiro de 2018

Direção

Greta Gerwig

Roteiro

Greta Gerwig

Elenco

Saoirse Ronan, Laurie Metcalf, Tracy Letts, Lucas Hedges, Beanie Feldstein, Timothée Chalamet, Stephen McKinley Henderson, Lois Smith, Odeya Rush e Jordan Rodrigues

Duração

93 minutos

Gênero

Nacionalidade

EUA

Produção

Scott Rudin, Eli Bush e Evelyn O’Neil

Distribuidor

Universal Pictures

Sinopse

Christine McPherson (Saoirse Ronan) está no último ano do ensino médio e o que mais deseja é ir fazer faculdade longe de Sacramento, Califórnia, ideia firmemente rejeitada por sua mãe (Laurie Metcalf). Lady Bird, como a garota de forte personalidade exige ser chamada, não se dá por vencida e leva o plano de ir embora adiante mesmo assim. Enquanto sua hora não chega, no entanto, ela se divide entre as obrigações estudantis no colégio católico, o primeiro namoro, típicos rituais de passagem para a vida adulta e inúmeros desentendimentos com a progenitora.

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Lady Bird – A Hora de Voar | Crítica

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Lady Bird conta uma história que muitos provavelmente considerarão simplista e batida. Não que o filme revolucione a linguagem do Cinema ou traga algo particularmente inovador em termos narrativos; o que torna este longa especial, porém, é a visão por trás de quem dirige e roteiriza o projeto, conferindo uma aura pessoal e cheia de afeto a uma premissa que, nas mãos de alguém menos competente ou afetuoso, poderia sucumbir aos clichês e desaparecer no meio de tantos outros títulos genéricos (afinal, como comentei ao escrever sobre A Forma da Água, o que interessa não é o assunto que a obra debate, mas como ela o debate).

Marcando a estreia solo de Greta Gerwig como diretora ela co-dirigiu Nights and Weekends em 2008, ao lado de Joe Swanberg) depois de toda uma carreira como atriz e roteirista (Frances HaMistress America), Lady Bird é obviamente concebido como um relato autobiográfico com alguns nomes disfarçados, transformando a personagem-título numa espécie de avatar da própria Gerwig. Assim como a cineasta em sua adolescência, Christine McPherson – que exige ser chamada de “Lady Bird” – é uma garota que vive na cidade de Sacramento (capital da Califórnia) e estuda num colégio de tradição católica. Dito isso, o longa basicamente acompanha aquelas inquietações típicas desta fase da juventude, girando entorno de uma protagonista que quer se encaixar em alguns padrões estabelecidos pelas colegas de classe, encontra o primeiro namorado, enxerga com incerteza a questão da perda da virgindade, tenta provar seus talentos particulares, se desentende com a mãe e luta para entrar numa faculdade fora do estado.

Não é difícil encontrar, em Lady Bird, o vínculo afetivo que Greta Gerwig mantém com o projeto, já que tudo é conduzido com uma naturalidade notável que muitos realizadores não alcançariam com a mesma facilidade. As situações mostradas aqui, diga-se de passagem, são daquelas que certamente serão identificadas pela maior parte do público, que de imediato enxergará na tela um monte de situações similares às que experimentou na vida real: ora, quem passou pela adolescência sem nunca temer a reprovação dos outros, se esforçar para conquistar um status, tomar atitudes incrivelmente erradas, brigar com os pais ou encarar o sexo com um misto de curiosidade e apreensão? Essas questões vêm à tona através de diálogos que surpreendem por jamais caírem na artificialidade, soando orgânicos e palpáveis sempre que são recitados – e não vou mentir: quando Christine (perdão: “Lady Bird”) pergunta à mãe quanto dinheiro ela investiu em sua criação ao longo de toda a sua vida, a fim de pagá-la no futuro e quitar a “dívida”, percebi que estava diante de um tipo de pensamento que sim, já passou pela minha cabeça (o contexto não importa).

Claro que, por ser escrito e dirigido por uma mulher, Lady Bird imbui consigo uma visão essencialmente feminina a respeito da adolescência e de muitas coisas que caracterizam esta fase da vida – e devo admitir que, como o homem que sou, não posso dizer que conheço profundamente esta realidade, o que me fez acompanhar os dilemas e os procedimentos tomados pela personagem-título como se fossem parte de um experimento interessante: o jeito como “Lady Bird” encara alguns assuntos (o primeiro namoro; a masturbação; a obsessão pela perda da virgindade; a desilusão diante de certos eventos) é consideravelmente diferente daquele que eu encaro – e suponho que grande parte dos que pertencem ao gênero masculino devem entrar nesta conta comigo.

O que nos traz à própria “Lady Bird” (mais uma vez: uma representação do que Greta Gerwig foi na adolescência): introduzida como uma pessoa intransigente e até meio mimada, a garota frequentemente surge levantando a voz desnecessariamente, impondo ações mais ríspidas que o ideal e lamentando o fato de que não possui tudo aquilo que gostaria (como se já não contasse com alguns privilégios). É o tipo de jovem que, numa única cena, inicia uma briga com a mãe apenas para, em seguida, mudar o tom da conversa ao apreciar uma roupa que ambas avistaram – e quando começa a se afastar da melhor amiga por causa do ego, a jovem aos poucos se rende à vontade dos outros (o que não a impede de recobrar sua decência mais tarde). Já a performance de Saoirse Ronan é um mérito à parte, já que, depois do ótimo Desejo e Reparação e do mediano Brooklyn, a atriz convence na pele de uma adolescente mesmo sendo alguns anos mais velha. Exibindo uma energia típica de quem está passando pelos delírios característicos da juventude, Ronan se sai muitíssimo bem ao retratar tanto o nariz empinado de “Lady Bird” quanto os gritos entusiasmados ou raivosos que solta de vez em quando, soando realmente como uma menina repleta de dinamismo e vivacidade.

Outra personagem quase tão importante quanto a que dá título ao filme é Marion, a mãe da protagonista: encarnada por Laurie Metcalf como uma persona tridimensional e emocionalmente complexa, a mulher sente, sim, uma vontade excessiva de controlar a vida da filha, levando esta a se ver rebaixada e compreensivelmente revoltada com as decisões limitadoras da mãe; em compensação, o roteiro faz questão de mostrar o ponto de vista de Marion e enfocar parte da rotina estresse de seu emprego em vez de retratá-la como uma vilã, ao passo que Metcalf acerta ao conferir um calor humano que impede a eliminação de qualquer traço de carinho ou afeto (não estamos falando sobre uma relação de mãe e filha tão complicada quanto a de Eu, Tonya, é claro). Entre Marion e “Lady Bird”, há também o pai interpretado por Tracy Letts, que tenta preservar um equilíbrio significativo entre a paciência cada vez menor da esposa e os impulsos que a filha precisa abraçar.

Abordado de maneira sempre doce e divertida, Lady Bird não é o tipo de filme a ser comprometido por spoilers, já que se trata de uma história que não envolve mistérios, reviravoltas ou comentários políticos – o que não significa, por outro lado, que aqui e ali Greta Gerwig não inclua algumas alfinetadas que servem mais para complementar a personalidade da protagonista do que para documentar uma época: quando sua amiga pergunta se está preocupada quanto ao terrorismo, a resposta é um simples “Não seja tão republicana” (aliás, para entender o tipo de pensamento que a jovem segue, basta associar essa fala à reação que tem ao ver um cartaz de Ronald Reagan na casa da avó do namorado). Além disso, se numa das primeiras cenas vemos “Lady Bird” demonstrando irreverência ao comer hóstias e menosprezar certas tradições cristãs, mais à frente a personagem volta a confrontar uma ideia defendida pela Igreja quando se opõe à professora e defende abertamente o aborto. Para completar, quando a homossexualidade de uma pessoa é descoberta, confesso que temi que o roteiro fosse condenar sua atitude – e foi um grato alívio, portanto, que Gerwig tenha encarado a situação de forma compreensiva e lisonjeira.

Mas, mesmo que não existam muitas surpresas, isso não me deixa suficientemente confortável para descrever com detalhes os minutos finais da projeção, que encerram com perfeição o arco de “Lady Bird” e concluem um estudo de personagem conduzido de forma admiravelmente cuidadosa. A Christine que surge no desfecho não é mais a menininha estabelecida no início; é, de agora em diante, uma mulher amadurecida, determinada a abraçar caminhos que não imaginava e induzida a atitudes que antes não tomaria (essa transformação, inclusive, é algo que Gerwig e o montador Nick Houy ilustram bem através de raccords elegantes que ligam o presente ao passado da garota).

No fim das contas, Lady Bird é isso: um coming-of-age tocante, sensível e contagiante em sua jovialidade, afastando-se do lugar-comum graças à maneira delicada como Greta Gerwig relembra sua própria vivência. Afinal, este é um dos papeis da Arte: refletir a essência de quem está por trás da obra.

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