Valor Sentimental 2

Título Original

Affeksjonsverdi

Lançamento

25 de dezembro de 2025

Direção

Joachim Trier

Roteiro

Joachim Trier e Eskil Vogt

Elenco

Renate Reinsve, Stellan Skarsgård, Inga Ibsdotter Lilleaas, Elle Fanning, Anders Danielsen Lie, Jesper Christensen, Lena Endre, Cory Michael Smith.

Duração

133 minutos

Gênero

Nacionalidade

Dinamarca

Produção

Renate Reinsve, Stellan Skarsgård, Inga Ibsdotter Lilleaas, Elle Fanning, Anders Danielsen Lie, Jesper Christensen, Lena Endre, Cory Michael Smith.

Distribuidor

Mubi

Sinopse

As irmãs Nora e Agnes reencontram seu pai distante, o carismático Gustav, diretor outrora renomado que oferece a Nora um papel naquele que espera ser seu filme de retorno. Quando Nora recusa a proposta, descobre que ele deu o papel a uma jovem estrela de Hollywood, ambiciosa e entusiasmada. De repente, as duas irmãs precisam lidar com a complicada relação com o pai e com a presença inesperada de uma atriz americana inserida bem no meio das complexas dinâmicas familiares.

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Valor Sentimental | Crítica

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O lugar que mais visitei em toda a minha vida foi, sem dúvida alguma, o apartamento dos meus avós. De certa forma, foi minha “meia-casa”, já que, mesmo morando em outro endereço há 21 anos, aquele foi o palco de, digamos, cinco em cada dez lembranças de infância/adolescência que eu tenha. Cada metro quadrado daquele imóvel continua bem vivo em minha memória, já que o conheço desde antes de me entender por gente. Nele morei por quase um ano (em 2003), dormia todo fim de semana (de 2007 até 2014) e passei a maior parte de todas as férias escolares (do fim de 2006 ao início de 2015). Com a partida dos meus avós, porém, as coisas mudaram bastante de figura: foi como se o apartamento fosse morrendo aos poucos nos últimos 10 anos; a perda de seus residentes – a “alma” do local – foi se alastrando gradualmente em cada centímetro das paredes/mobílias/eletrodomésticos/etc. Em janeiro deste ano, o imóvel finalmente foi vendido e, antes que as chaves fossem entregues aos novos donos, o visitei uma última vez para… tirar fotos e gravar vídeos de cada canto da casa, só para registrar em algum lugar além da minha memória.

Lembrei disso ao assistir a Valor Sentimental, novo longa do norueguês Joachim Trier (Thelma, A Pior Pessoa do Mundo e Oslo, 31 de Agosto) no qual uma família de artistas mantém uma relação com um espaço particular – a casa que abrigou suas últimas cinco/seis gerações – e, agora que tem de se despedir dele, encontram na arte uma forma de preservá-lo de algum modo e (talvez?) curar/ressignificar velhas feridas que afetavam a interação entre aqueles indivíduos desde sabe-se lá quando. Não me vejo como artista; não acho que minha cabeça funcione como a de tal ou que minha produção (textos/vídeos) me qualifique para tal título. Mas entendo como o ímpeto do registro – ou, no caso da família que estrela o filme, da encenação via arte – pode conter em si um aspecto redentor, que alivie dores, tenha papel central na conservação da memória e faça jus a algo/alguém que se foi.

Escrito por Trier ao lado de Eskil Vogt (que trabalhou com o diretor em todos os trabalhos de ficção – curtas e longas – da carreira deste), Valor Sentimental gira em torno da irmã mais velha Nora, uma atriz que segue ativa no teatro, e da caçula Agnes, que há muito largou as artes cênicas para dedicar-se à psicanálise, mesmo que, na infância, tenha estrelado o filme mais prestigiado de seu pai, o cineasta Gustav Borg. Eis que, quando a mãe da família morre, o pai (então divorciado e residente na Suécia) volta para reencontrar as filhas e, de quebra, rodar um longa com tons autobiográficos (por mais que ele recuse a admiti-los). Para o papel principal, Gustav convida Nora, mas esta declina por ainda guardar mágoas por todos os anos de má relação que dividiu com o sujeito – e, para substituir a filha, o diretor contrata a estadunidense Rachel Kemp, que já vem ganhando certa notoriedade e vê no papel a chance de deslanchar sua carreira de vez.

Antes de introduzir qualquer um dos membros dos Borg, porém, Valor Sentimental tem início se concentrando na tal casa que citei anteriormente e que abrigou aquela família por gerações. Tanto pela narração em off (que, em tom melancólico e quase deprimido, relembra a história daquela morada, dos antepassados que por ela passaram e do significado emocional de cada mínimo detalhe do imóvel) quanto pela maneira com que a câmera de Joachim Trier e do diretor de fotografia Kasper Tuxen percorre a casa (dando atenção à textura de cada parede, janela, espelho, degrau de escada e centímetro de assoalho, com movimentos suaves e pacientes que em alguns pontos me remeteram à cena final de Ainda Estou Aqui), o filme já começa estabelecendo aquela casa não como um ambiente puro e simples, mas como uma entidade viva que reflete e define as personagens que viremos a seguir nas duas horas seguintes, manifestando alegria (nos melhores momentos) ou desalento (nos piores) à medida ou que a luz do sol entra pela janela, ou que as sombras tomam conta do recinto.

A casa de Valor Sentimental, portanto, é uma incubadora de memórias afetivas tanto quanto as personagens que a ocupam, respirando, empolgando-se ou deprimindo-se junto a elas. Pois o roteiro de Trier e Vogt começa em um ponto de angústia e melancolia óbvias, não sendo coincidência que a primeira personagem que passe a enfocar em seguida seja Nora – e, não à toa, num momento de agonia e ansiedade totais, quando ela está prestes a entrar em cena (numa peça apropriadamente embalada pela música-tema de O Iluminado). Ela é atriz, mas segue com medo do palco – o que talvez soe inusitado, levando em conta que ela vem de uma família de artistas, mas na verdade se torna perfeitamente plausível (e até natural) quando avaliamos a relação dela com o pai. O interessante, no entanto, é que embora Renate Reinsve (que também estrelou A Pior Pessoa do Mundo) atravesse a projeção com um olhar sempre deprimido e sobrecarregado, a atriz retrata os confrontos entre Nora e o pai não em tom de ataque, mas com um jeito tolhido de quem não consegue mais segurar uns ressentimentos há muito entalados na garganta.

Por outro lado, a caçula Agnes, uma personagem cuja presença poderia facilmente se dissipar em meio às tensões entre a irmã Nora e o pai Gustav, se firma como uma figura intrigante em função do fato de ser a única do trio que não se dedica às artes (ela já foi atriz, mas há muito virou psicanalista), o que a leva a adotar posturas distintas dos demais. Vivida por Inga Ibsdotter Lilleaas, Agnes acaba se tornando a integrante da família mais adequada para “mediar” os problemas entre Nora e Gustav sem que isso a distancie de um dos dois a ponto de se importar mais com um(a) do que com outro, percorrendo a narrativa como fiel da balança mesmo que não deixe de sentir na pele os conflitos entre os familiares (o que rende um dos planos mais memoráveis do filme, que a traz chorando abraçada à irmã).

O que nos traz a Gustav, que, encarnado por Stellan Skarsgård em uma das melhores performances de sua carreira, é um cara que vê na arte uma forma de disfarçar e “maquiar” certos aspectos de sua trajetória pessoal (o longa que quer realizar é autobiográfico – por mais que se recuse a admiti-lo como tal – sem fazer questão de ser fidedigno ao extremo a cada detalhe em que tocar) não para fingir ser quem não é, mas para não sucumbir ao peso traumático do real. Distante do papel familiar a ponto de perder qualquer tato social ao lidar com os parentes (ele simplesmente presenteia o neto com DVDs de Irreversível e A Professora de Piano), Gustav é um homem orgulhoso pelo papel de artista que representa, mas jamais consegue esconder, em sua expressão e postura corporal, o fardo que carrega pelo pai imperfeito que sabe ter sido – e, se por um lado ele encara a autoridade que assume no set de filmagem como se fosse a de um pai, por outro não deixa de encarar a atriz Rachel Kemp como avatar da filha real e como uma chance de recomeçar uma relação com outra versão da mesma. (Aliás, Elle Fanning se sai muitíssimo bem ao ilustrar o apego que Rachel recebe pelo papel que interpreta e, ao mesmo tempo, o desconforto por não ser parte daquela família e, assim, ter de interpretar algo que reconhece ser tão íntimo – e verídico – para terceiros).

É esse papel transformador da arte, de permitir que o artista faça as pazes com o passado (ou consigo próprio), se engrandeça ou se redima e compense (ou tente compensar) o que perdeu ou deixou de viver, que torna o desfecho de Valor Sentimental um dos mais lindos, catárticos e emocionalmente sólidos finais de filmes que vi em 2025. Não, Joachim Trier não passa a acreditar, com isso, que todo sofrimento seja válido ou digno de ser vivido – só por poder tornar-se belo a partir da arte – nem vê o processo artístico como refúgio escapista em que todas as consequências do real desaparecerão num passe de mágica.

Apenas acredita que a arte em si, neste meio-campo entre o registro fiel do real e os floreios da imaginação – e até da farsa, por que não? –, é um terreno propício para se resolver e/ou aprender a lidar com fantasmas do passado. Uma coisa não precisa eliminar a outra, afinal.

Visto no MUBI Fest.

Assista também ao vídeo que gravei sobre o filme:

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