Três Anúncios

Título Original

Three Billboards outside Ebbing, Missouri

Lançamento

15 de fevereiro de 2018

Direção

Martin McDonagh

Roteiro

Martin McDonagh

Elenco

Frances McDormand, Sam Rockwell, Woody Harrelson, Caleb Landry Jones, Clarke Peters, Lucas Hedges, Abbie Cornish, Peter Dinklage, John Hawkes, Amanda Warren, Kerry Condon, Darrell Britt-Gibson, Željko Ivanek e Samara Weaving

Duração

115 minutos

Gênero

Nacionalidade

EUA

Produção

Martin McDonagh, Graham Broadbent e Pete Czernin

Distribuidor

Fox

Sinopse

Inconformada com a ineficácia da polícia em encontrar o culpado pelo brutal assassinato de sua filha, Mildred Hayes (Frances McDormand) decide chamar atenção para o caso não solucionado alugando três outdoors em uma estrada raramente usada. A inesperada atitude repercute em toda a cidade e suas consequências afetam várias pessoas, especialmente a própria Mildred e o Delegado Willoughby (Woody Harrelson), responsável pela investigação.

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Três Anúncios para um Crime | Crítica

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Se eu tivesse que me livrar de todos os policiais com tendências vagamente racistas, iam sobrar apenas três que ainda assim detestariam veados. Então, o que faria?

Estas palavras não são minhas, mas do xerife Bill Willoughby, que, ao dizer isto, resume precisamente as intenções temáticas de Três Anúncios para um Crime. Ambientado num mundo frio e cruel (leia-se: realista), o novo filme de Martin McDonagh é um reflexo perfeito do quão podre, imprevisível e injusta é a sociedade – e mesmo quando tentamos reivindicar alguma dignidade, este esforço pode ser facilmente sabotado pelo caos dos nossos sentimentos, que muitas vezes nos levam a cometer erros crassos. Não há “bem” ou “mal”, somente um monte de seres humanos emocionalmente complexos e falhos situados entre estas duas extremidades maniqueístas.

Roteirizado com brilhantismo por McDonagh (do ótimo Na Mira do Chefe), Três Anúncios para um Crime se passa em Ebbing, no Missouri, e gira em torno de Mildred Hayes, uma mulher que há meses espera ver os responsáveis pelo estupro/assassinato da filha pagando pela atrocidade que praticaram – o que não acontece porque a polícia. Chega um dia, porém, em que sua paciência se esgota e resolve tomar uma atitude drástica: alugar três outdoors nos arredores da cidade e estampar os dizeres “ESTUPRADA ENQUANTO MORRIA”, “E NENHUMA PRISÃO AINDA?” e “COMO ASSIM, CHEFE WILLOUGHBY?”. A partir daí, é claro que uma pressão começa a se formar ao redor de Mildred, que é constantemente julgada pelos outros, discute com o xerife Bill Willoughby e cria uma pequena guerra com o policial Jason Dixon, um completo irresponsável que vive às custas da mãe e ainda é conhecido por torturar negros.

Uns podem dizer que esta é uma história sobre redenção (o que discordo); já outros encararão Três Anúncios para um Crime como uma narrativa de vingança – e, neste sentido, é curioso que McDonagh inspire-se no faroeste sem necessariamente abraçá-lo e transformar o longa num integrante inquestionável do gênero. Situada numa cidade pequena, daquelas que trazem consigo uma aura típica do interior, a trama conta com uma atmosfera que é apropriadamente representada através da trilha de Carter Burwell (de Fargo), que, com seus acordes de violão, atira o espectador no meio daquele universo ainda nos primeiros minutos da projeção. E se o diretor de fotografia Ben Davis (que trabalhou em alguns filmes da Marvel) faz bom proveito das paisagens em torno de Ebbing e enfoca os três outdoors que dão título ao longa de maneira sempre grandiosa, compondo alguns planos memoráveis por conta disso, o montador Jon Gregory confere ritmo a passagens que envolvem narrações em off, que, lendo as cartas deixadas por certo personagem, são acompanhadas de breves flashbacks que o mostram escrevendo tal conteúdo e preparando-se para o que fará a seguir.

Tudo isso está a serviço da assinatura de Martin McDonagh, que mais uma vez mostra-se capaz de estabelecer um tom cuidadosamente equilibrado entre a graça do absurdo e o peso da realidade. Quem assistiu a Na Mira do Chefe, inclusive, sabe que o cineasta tem uma habilidade especial para desenvolver o bom humor, saindo-se muitíssimo bem ao explorar tanto o naturalmente insano quanto o politicamente incorreto (e quando o personagem de Colin Farrell fazia piadas maldosas a respeito de mulheres, homossexuais, anões e negros, o espectador era levado a rir não das minorias atacadas, mas da ignorância do personagem). Em Três Anúncios para um Crime, McDonagh volta a pôr em prática seu talento particular (como diretor e como roteirista), surpreendendo ao investir em diálogos que divertem pela espontaneidade de algumas respostas/trocas de ofensas e criando momentos hilários como a que traz Mildred negando uma visita ao dentista mesmo estando com a gengiva anestesiada, sem contar as gracinhas feitas por Dixon (até certo ponto), alguns comentários ditos por Willoughby e o desprezo com que a protagonista se refere ao fedor da namorada do ex-marido.

A eficácia dos diálogos é um dos pontos mais fortes do brilhante roteiro escrito por McDonagh, que, como se não bastasse, ainda demonstra uma aptidão digna de nota na hora de construir as relações entre os personagens: quando Mildred e Willoughby conversam e ficam trocando respostas afiadas, isto é o suficiente para que possamos entender a forma respeitosa como os dois se enxergam (mesmo que os interesses de um estejam em conflito com as ações de outro); quando Willoughby intimida Dixon através de uma frase curta e casual, podemos perceber que trata-se de uma versão um pouco mais descontraída daquela velha dinâmica entre mentor e aprendiz; quando Dixon e Mildred batem boca, fica a impressão de que a mulher encara o policial com menosprezo ao passo que o sujeito fica revoltadinho diante disso; e quando Mildred joga um cereal no rosto do filho, diz um “Ops!” irreverente, escuta o garoto chamando-a de “puta velha” e simplesmente responde “Eu não sou velha“, com um sorrisinho no canto da boca, torna-se evidente o modo inesperadamente jocoso e brincalhão com que os dois costumam conviver.

O mais curioso, no entanto, é que estamos falando sobre o bom humor de um filme protagonizado pela mãe de uma vítima de estupro/homicídio que está farta da ineficiência da polícia local – e que McDonagh consiga transformar esta premissa numa experiência tão divertida é uma proeza e tanto. Mas isso não significa que Três Anúncios para um Crime esterilize o peso de seu discurso em prol da galhofa desenfreada, encontrando espaço para acontecimentos absolutamente revoltantes como aquele que mostra Dixon espancando outro personagem e momentos chocantes como o flashback que mostra a última conversa entre Mildred e sua filha (que, por sinal, termina com uma ofensa específica que torna a situação ainda mais desagradável).

Mas é claro que o discurso ao qual me refiro é aquele que comentei brevemente no início deste texto: esta não é uma história sobre bandidos ou mocinhos, mas um monte de seres humanos imperfeitos e corrompíveis que, motivados pela vontade de exorcizar seus demônios particulares, são levados a atos inegavelmente vingativos e – por consequência – condenáveis. Podemos dizer, portanto, que Três Anúncios para um Crime faz jus àquela velha máxima de que violência só gera mais violência, nos apresentando a figuras que imbuem frustrações e necessidades de corrigir as injustiças que lhes afligem; aliás, é por conta disso que o filme soa imprevisível e disposto a surpreender o espectador a qualquer momento, pois jamais conseguimos antever ao certo o que Mildred, Willoughby e Dixon farão com base no aborrecimento, no ego, no desespero ou mesmo no sentimento de completude (as emoções experimentadas pelos personagens são bastante variadas).

Dito isso, é lógico que a abordagem anti-maniqueísta do filme não funcionaria se os personagens fossem figuras unidimensionais e divididas entre o bem e o mal – assim, é um alívio (e uma conquista) que o roteiro de McDonagh consiga criar personalidades complexas e multifacetadas, algo que ganha uma força ainda maior graças à excelente escolha do elenco. Em primeiro lugar, falemos sobre Frances McDormand, que, se houver justiça no mundo, ganhará o segundo Oscar de sua carreira (o primeiro foi por Fargo): vivida pela atriz com uma expressão sempre exaurida que sugere uma falta de paciência constante (deixando claro que está cansada de tolerar o desinteresse da polícia), Mildred Hayes é, em essência, uma badass que o tempo todo toma atitudes ousadas, daquelas que frequentemente levam boa parte do público à catarse – o que não quer dizer, por outro lado, que a protagonista seja uma caricatura movida pela vontade de mostrar sua virilidade: logo na cena em que vai alugar os três outdoors, Hayes vê um inseto de ponta-cabeça na beira de uma janela e, em vez de esmagá-lo, simplesmente o ajuda a se colocar sob as quatro patas, indicando uma empatia sutil e inesperada.

Mesmo nutrindo uma personalidade casca-grossa, Mildred nunca esconde seus sentimentos, como pode ser observado numa sequência em que ela se senta ao lado de um dos outdoors e avista um cervo no meio do campo (relevem o fato de que o animal foi pavorosamente concebido através de efeitos digitais): trata-se de um instante em que Hayes tenta estabelecer um contato amigável com a Natureza a fim de preencher o vácuo deixado pela perda de sua filha, o que em seguida a leva às lágrimas – e isso vai de encontro com outro momento onde Mildred brinca com pantufas em formas de bichinhos e diz coisas como “Vou matar esses filhos da puta” num tom de voz ironicamente fofo. Além disso, é ao mesmo tempo triste e intrigante que, embora dedique-se a bater de frente com qualquer obstáculo/inconveniente que mantenha-se em seu caminho (vide a polícia local, o dentista e os dois adolescentes babacas de um colégio), a protagonista surja vulnerável diante do ex-marido abusivo: quando ela é brutalmente ameaçada pelo sujeito e McDormand mantém uma expressão fria e inalterada (como se aquele quase soco não representasse nada), isto ocorre mais por condicionamento do que por qualquer imponência que Mildred pudesse exibir numa situação dessas – e é por isso, inclusive, que a resolução deste conflito específico (ocorrida na virada do segundo para o terceiro ato) soa adequada, demonstrando que a mulher tornou-se ainda mais forte ao longo da narrativa.

(Sinto-me na obrigação de alertar que, a partir daqui, terei que envolver possíveis SPOILERS de Três Anúncios para um Crime. Sendo assim, se você ainda não assistiu ao filme, recomendo que interrompa a leitura desse texto e retorne a ela só após conferir o longa.)

Mas Mildred Hayes não é a única personagem de Três Anúncios para um Crime, que (como já foi dito) se passa numa cidade pequena onde todos se conhecem e já têm interações bem estabelecidas pelo passado. Transformando-se numa das figuras mais centradas e emocionalmente consistentes do longa, o xerife Bill Willoughby é interpretado pelo ótimo Woody Harrelson como um sujeito que, mesmo tentando justificar a incompetência da polícia, exibe um senso de humor incontido que sempre conquista o espectador e mantém um otimismo que contraria a desesperança de todos ao seu redor, soando como um ser humano de boa índole sem sacrificar sua persona divertida – e, por conta disso, sua saída do filme assume um papel quase redentor, servindo como um esforço para colocar algumas pessoas no lugar certo. Willoughby é, portanto, uma peça fundamental numa galeria de personagens impecáveis (a única ressalva que faço é àquele vivido por Peter Dinklage, que pouco tem a oferecer ao ator e poderia ser descartado do roteiro sem grandes prejuízos).

Fechando o trio principal, há a performance também fabulosa de Sam Rockwell, que talvez conte com o arco dramático mais significativo do roteiro (o Jason Dixon do início não é o mesmo do final): dono de uma conduta obviamente reprovável e criminosa, este é o tipo de policial que poderia perfeitamente estar em documentários sobre a violência policial e o racismo, sendo um exemplo bem preciso do que é um ser humano degradante. (Um gesto menor, porém igualmente revelador, é quando ele tenta intimidar um rapaz afirmando que homossexuais são executados em Cuba apenas para, no instante seguinte, dizer que não concorda com esta prática – mas se ele é contra a homofobia, por que usaria isso como ameaça em primeiro lugar? Hum.) Em compensação, mesmo representando algo tão nojento, Dixon é uma figura patética, despertando gargalhadas ao revelar-se um filhinho de mamãe, ao falhar tentando pegar uma comida com a boca e até ao lançar um “You have got to be fucking kidding me” quando vê um negro assumir um cargo superior.

Isto, diga-se de passagem, vem logo depois dele estrelar o momento mais agressivo do filme, quando – mais uma vez: spoilers liberados! – enxerga os três anúncios do título como a razão de Willoughby ter se matado e resolve descontar sua frustração no jovem que foi pago para pôr os outdoors onde estão (e ainda completa a ação dizendo “Viu? Não tenho problemas somente com negros!“). Dali em diante, fica mais claro que nunca que Jason Dixon não é só um imbecil ridículo (embora também o seja); é, acima de tudo, um monstro que precisa detido em vez de seguir cometendo atrocidades impulsivas no meio da rua. E ainda que seu arco dramático inclua um ponto de virada positivo (sem ser necessariamente uma redenção), sua atitude final está longe de ser moralmente correta ou mesmo tolerável.

É por isso que não vejo muita procedência nas alegações de que Três Anúncios para um Crime “passa pano para um racista” (e mais: quem diz que Jason Dixon foi transformado em herói está exagerando e perdendo o controle de sua própria leitura do filme): ora, o que o (ex-)policial faz no desfecho é conceder a Mildred uma oportunidade não de se vingar, mas de preencher uma lacuna castigando um estuprador que, mesmo merecendo uma punição legal, não teve nada a ver com a filha da protagonista. O que vemos é Dixon tentando evoluir como pessoa, falhando ao solucionar o problema que desencadeou uma guerra e oferecendo a Mildred uma catarse questionável.

No fim, o objetivo de Três Anúncios para um Crime não é levantar uma bandeira específica ou sugerir uma maneira de erradicar as mazelas da sociedade; o que Martin McDonagh quer de fato é mostrar uma realidade e permitir que o espectador tire suas próprias conclusões. Num mundo e num Brasil como os de hoje, uma obra como esta tem potencial para ser usada como exemplo tanto pelos que encaram a criminalidade como o sintoma de uma doença maior quanto pelos devotos da filosofia do “bandido bom é bandido morto”.

E mais: é por causa desta lógica que sim, faz todo o sentido que o filme se encerre subitamente sem dar respostas conclusivas ao espectador. Afinal, Mildred e Dixon executaram o tal estuprador ou puseram a mão na consciência e perceberam que aquilo não resultaria em nada, esforçando-se, em vez disso, para coletar provas contra o canalha e garantir sua prisão?

De minha parte, gostaria de completar a experiência com a segunda opção. Mas honestamente não sei se, no mundo pessimista e rancoroso em que vivemos, a ordem dos fatos estaria de acordo comigo.

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