Belfast (2)

Título Original

Belfast

Lançamento

10 de março de 2022

Direção

Kenneth Branagh

Roteiro

Kenneth Branagh

Elenco

Jude Hill, Caitríona Balfe, Jamie Dornan, Judi Dench, Ciarán Hinds, Lewis McAskie, Colin Morgan, Lara McDonnell, Olive Tennant, Gerard Horan, Josie Walker, Turlough Convery, Vanessa Ifediora, Conor MacNeill, Drew Dillon, Victor Alli, Gerard McCarthy e John Sessions

Duração

98 minutos

Gênero

Nacionalidade

Inglaterra

Produção

Kenneth Branagh, Laura Berwick, Becca Kovacik e Tamar Thomas

Distribuidor

Universal Pictures

Sinopse

Na Irlanda do Norte dos anos 1960, um menino de 9 anos experimenta o amor, a alegria e a perda. Em meio a conflitos políticos e sociais, o garoto tenta encontrar um lugar seguro para sonhar enquanto sua família busca uma vida melhor.

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Belfast | Crítica

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Belfast é o que acontece quando criamos uma cultura de idolatria a premiações que supostamente se propõem a celebrar os méritos (artísticos e técnicos) das melhores obras concebidas nos 12 meses anteriores, mas que, sob sua fachada glamorosa e exuberante de “festa do Cinema”, nada mais é do que uma máquina multimilionária de informes publicitários – algo que tem ficado mais claro com o passar dos últimos anos e, principalmente, após Bob e Harvey Weinstein reinventarem o modelo de campanhas para o Oscar com a Miramax nos anos 1990. O resultado disso não poderia ser diferente: todos os anos, são despejadas de forma massiva nos cinemas uma penca de filmes milimetricamente planejados para parecerem “íntimos”, “autorais” e “sensíveis” de alguma forma, mas que na prática são enlatados industriais criados sob demanda para abocanharem indicações ao Oscar e renderem dinheiro e visibilidade aos engenheiros que as arquitetaram.

Escrito e dirigido pelo britânico Kenneth Branagh, Belfast se passa na cidade que dá título ao filme e que é capital da Irlanda do Norte. Ambientado em Agosto de 1969 durante os conflitos entre católicos e protestantes, o longa se concentra na família do pequeno Buddy, um menino de nove anos que obviamente serve como avatar do próprio Branagh e observa todo aquele derramamento de sangue com os olhos ingênuos de uma criança, sem entender absolutamente nada do que está ocorrendo – e, com isso, o olhar de Buddy passa a ser o do filme, estendendo a ingenuidade do garoto a toda a maneira com que Branagh encara e revisita aqueles eventos históricos (parte dos problemas do longa já começam aí, mas discutirei isso adiante). Assim, a narrativa passa a acompanhar não só fragmentos da infância de Buddy (leia-se: Branagh), como também a escalada da tensão em Belfast e a decisão cada vez mais inevitável daquela família de… abandonar a cidade.

Aliás, para um filme que teoricamente se apresenta como uma recordação íntima, nostálgica e emocional das memórias do próprio autor por trás da obra, Belfast se revela surpreendentemente frio e impessoal – o que diz muito sobre toda a natureza do projeto e sobre as ambições gerais de Kenneth Branagh: durante 97 minutos de projeção, há cerca de duas ou três sequências nos quais o longa consegue despertar alguma emoção que soe remotamente real (todos girando em torno de Judi Dench ou Ciarán Hinds, com este último estrelando aquele que é de longe o meu momento favorito do filme, num hospital). Fora isso, não há uma única passagem em Belfast que não pareça dramaticamente vazia e distante, que não provoquem no espectador a absoluta apatia – e mesmo nos instantes em que Branagh tenta arrancar o riso ou o choro, a condução é tão friamente calculada que torna-se impossível envolver-se emocionalmente com o que vemos, como se o diretor seguisse à risca uma lista de “coisas obrigatórias para criar uma cena emocionante” sem perceber que o aspecto emocional de uma cena é impossível de ser alcançado quando o realizador segue um passo a passo com a frieza de um robô.

Pois tudo no longa opera assim, como se cada passo de Branagh tivesse como objetivo criar uma ponte para levá-lo ao Oscar – o que automaticamente confere a Belfast um rótulo do qual muitos tentam fugir, mas que aqui é inevitável: o de “Oscar bait” (ou, em tradução livre, “caça-Oscars”). De que adianta compor uma narrativa que revisita a infância de seu autor se, no fim das contas, o resultado soará menos como um relato nostálgico e mais como a simulação de um relato nostálgico (saudosismo in vitro)? Até a decisão de Branagh e do diretor de fotografia Haris Zambarloukos de rodar o longa em preto-e-branco parece tomada de acordo com uma cartilha (afinal, a Academia gosta de obras em preto-e-branco) – e, por mais que eu admire algumas escolhas de Zambarloukos (gosto de como a movimentação de câmera busca um dinamismo que foge à obviedade de acompanhar as cenas mais pacatas com lentidão e passividade absolutas), tudo em Belfast se limita a um exibicionismo barato e previsível, como atestam as cenas passadas em teatros/cinemas e que demarcam as obras apresentadas nestes como representações coloridas (ou seja: o mundo real é preto-e-branco, mas as peças e os filmes são coloridos).

Naqueles momentos, quase consigo enxergar Kenneth Branagh piscando para o público e dizendo: “Entenderam? É porque a Arte é fundamental na vida daqueles personagens e influente para Buddy. Por isso, ela é colorida enquanto o mundo real ao redor é todo preto-e-branco!” – uma obviedade que talvez me incomodasse menos se o assunto em si (como a Arte é transformadora para o protagonista) não parecesse tão deslocado dentro do filme. O que me traz a um dos grandes problemas de Belfast – e um dos principais responsáveis por tornarem-no tão inócuo e superficial: a completa confusão que cria com relação aos temas que pretende abordar e aos propósitos que motivam sua existência. Dividindo-se entre o contexto político do momento (a tensão entre católicos e protestantes) e cenas da infância alegre de Buddy/Branagh, o filme se obriga a dividir atenção entre um núcleo e outro, não conseguindo trazer foco ou profundidade a nenhum dos dois e enfraquecendo o impacto emocional/temático de ambos – afinal, temos pouco espaço para mergulhar no panorama histórico retratado e pouco tempo para nos afeiçoarmos emocionalmente aos dilemas de Buddy e sua família (até a relação do garoto com Cinema é construída de forma passageira demais, saindo-se um pouco melhor nas ocasiões mais sutis, como ao mostrá-lo em dado momento lendo despretensiosamente uma revista do Thor (sobre o qual Branagh viria a dirigir um longa 50 anos depois) na beira de uma calçada).

Ora, por mais que muitos critiquem (com certa razão?) a moralidade do mexicano Alfonso Cuarón ao relembrar tangencialmente o massacre de Corpus Christi em certo momento de Roma apenas para mover a história (convertendo um fato histórico brutal em mero recurso narrativo), ao menos lá havia a desculpa de que a maneira com que aquela situação se encaixava na trama ainda prezava por uma coesão estrutural, não soando deslocado do todo. Em Belfast, contudo, não só a moralidade de Branagh ao inserir os conflitos entre católicos e protestantes na história é facilmente contestável, como ainda parece enfiada à força no meio da narrativa, roubando a atenção dos outros assuntos que o cineasta busca discutir. E mais: a decisão de refletir a inocência do olhar de Buddy em praticamente todos os outros personagens (adultos) do longa e na própria forma com que Branagh aborda (e encena) o cenário sociopolítico daquele período mostra-se problemática, esvaziando completamente o peso de uma situação brutal (será que todo ano teremos um novo Jojo Rabbit?).

Esbanjando sua natureza “caça-Oscars” em cada canto das imagens que projeta, Belfast ao menos é favorecido pela presença do pequeno e fofo Jude Hill, uma revelação que transparece não só a inquietação e a inocência de Buddy, mas também a intensidade do medo de perder aquilo que mais ama em seu pequeno universo de nove anos de idade: a cidade na qual cresceu e pela qual é apaixonado.

Pena que o filme ao seu redor lhe conceda tão pouco espaço para brilhar.

***

(Lembre-se: a pandemia não acabou. Se for sair de casa e ir ao cinema, siga todos os cuidados sugeridos pelas organizações sérias de Saúde: use máscara, mantenha uma distância segura dos demais espectadores, evite se aglomerar e – o mais importante – vá ao posto tomar sua vacina. Se já tomou a primeira dose, tome a segunda. Se já tomou a segunda e já chegou a vez de tomar a terceira, tome a terceira – se ainda não chegou, espere e vá assim que ela estiver disponível. É triste ter que escrever isto, mas… não escute o atual presidente da República (ou mesmo seu ministro da Saúde): vacine-se e proteja-se. Só assim conseguiremos construir um caminho para finalmente vencermos a COVID-19 e sairmos desta crise que ninguém aguenta mais. #ForaBolsonaro)

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