O Batman (1)

Título Original

The Batman

Lançamento

3 de março de 2022

Direção

Matt Reeves

Roteiro

Matt Reeves e Peter Craig

Elenco

Robert Pattinson, Zoë Kravitz, Jeffrey Wright, Paul Dano, Colin Farrell, John Turturro, Andy Serkis, Peter Sarsgaard, Barry Keoghan, Rupert Penry-Jones, Alex Ferns, Con O´Neill e Jayme Lawson

Duração

175 minutos

Gênero

Nacionalidade

EUA

Produção

Matt Reeves e Dylan Clark

Distribuidor

Warner Bros.

Sinopse

Batman segue o segundo ano de Bruce Wayne como o herói de Gotham, causando medo nos corações dos criminosos, levando-o para as sombras de Gotham City. Com apenas alguns aliados de confiança – Alfred Pennyworth e o tenente James Gordon – entre a rede corrupta de funcionários e figuras importantes da cidade, o vigilante solitário se estabeleceu como a única personificação da vingança entre seus concidadãos. Mas em uma de suas investigações, Bruce acaba envolvendo o Comissário Gordon e ele mesmo em um jogo de gato e rato ao investigar uma série de maquinações sádicas, uma trilha de pistas enigmáticas, revelando que Charada estava por trás disso tudo. Porém, a investigação acaba o levando a descobrir uma onda de corrupção que envolve o nome de sua família, pondo em risco sua própria integridade e as memórias que tinha sobre seu pai, Thomas Wayne. Conforme as evidências começam a chegar mais perto de casa e a escala dos planos do perpetrador se torna clara, Batman deve forjar novos relacionamentos, desmascarar o culpado e fazer justiça ao abuso de poder e à corrupção que há muito tempo assola Gotham City.

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Batman (2022) | Crítica

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O Batman é um filme de super-herói que já começa colocando o espectador sob o ponto de vista do vilão. Através de um binóculo que observa de longe o prefeito de Gotham City voltar do trabalho e brincar rapidamente com o filho pequeno em sua sala de estar, o Charada identifica ali a presa que fará nos minutos seguintes, dando início a toda a trama que se desenrolará nas quase três horas posteriores. Porém, antes do diretor Matt Reeves (responsável pelo ótimo Cloverfield – Monstro e pelos excepcionais Planeta dos Macacos: O Confronto e Planeta dos Macacos: A Guerra) deixar claro que se trata do vilão, ele cria propositalmente uma dúvida sobre quem é, afinal, o voyeur em questão: naqueles breves minutos iniciais, até deduzimos que o olhar no qual mergulhamos seja o do Charada, mas ainda supondo que possa ser – por que não? – o do Batman.

Não se enganem: esta hesitação, sobre qual é o ponto de vista que abre a projeção de O Batman, não é acidental, mas fruto de uma construção proposital e cuidadosa por parte de Reeves, mostrando-se fundamental para estabelecer Batman e Charada como dois lados da mesma moeda, como efeitos colaterais (pato)lógicos de uma sociedade doente e perdida como Gotham City. Reeves não precisa mostrar nenhum dos personagens em cena para plantar esta dúvida (e, consequentemente, estabelecer o conflito que pautará toda a narrativa), mas as sugestões acerca deles já são capazes de criar uma lógica que cumpre com o propósito de situá-los como figuras análogas, complementares.

Uma lógica que Reeves confirma ao repetir a câmera subjetiva, mas desta vez revelando o ponto de vista do herói, que observa a Mulher-Gato através de um binóculo. Tanto Batman quanto Charada são criações de Gotham City que, ainda assim, a contemplam de fora para dentro, como intrusos.

Escrito por Matt Reeves e por Peter Craig (Jogos Vorazes: A Esperança, Bad Boys para Sempre), O Batman dedica seus 175 minutos de projeção a acompanhar a investigação do herói (em seu segundo ano de atividade) e do comissário Jim Gordon em busca de um serial killer que, identificado apenas como Charada, tem o hábito de deixar cartas ou áudios ao lado de suas vítimas contendo adivinhações cruéis para os policiais que as recolherem. Com isso, através das deduções que fazem a partir dos materiais que coletam (e que guardam como pistas), Batman e Gordon são sempre levados a uma nova etapa do caso, lançando-se em uma busca pelo Charada que passará ainda pela misteriosa Mulher-Gato, pelo mafioso Carmine Falcone (na prática, o verdadeiro líder de Gotham, independente de quem seja o(a) novo(a) prefeito(a) que a assumirá) e por seu braço direito, o Pinguim.

Explorando a fundo uma faceta do Batman que sempre foi fundamental nos quadrinhos, mas que até hoje ficara relativamente oculta no Cinema (a de “maior detetive do mundo”), esta versão de Matt Reeves não esconde seu interesse em aludir às tramas de detetive que David Fincher conduziu com maestria em Se7en e Zodíaco, desde a dinâmica entre Batman e Gordon (que remete um pouco à dos policiais de Brad Pitt e Morgan Freeman no longa de 1995) até o ritmo particular conferido à narrativa, que, como naqueles dois filmes, dá tempo para que cada etapa da investigação se desenrole com paciência. Às vezes, por tempo demais – e se há algo de que O Batman definitivamente não precisava, era de três horas para desenvolver uma história de “caçada ao assassino” que, sejamos francos, nem de longe é complexa ou grandiosa como as retratadas por Fincher. Pois em vários momentos, Reeves parece estar prolongando ao máximo possível a duração das cenas (notem a quantidade de vezes em que o Batman se move lentamente em direção à câmera ou de um lado a outro, como se lerdeza o tornasse fisicamente intimidador) e inserindo personagens novos com o intuito somente de fazer seu filme atingir uma duração que o ajude a parecer mais épico e ambicioso do que realmente é, resultando numa obra que certamente soaria mais coesa e menos prolixa se durasse uns 20 minutos a menos.

E, ainda assim, O Batman se apresenta como um exercício de gênero curioso e eficiente, distanciando-se dos padrões dos filmes de super-herói – e abraçando, em vez disso, uma atmosfera mais “pé no chão” que incorpore elementos estilísticos/narrativos do noir, por exemplo – menos com o intuito cínico de negar suas origens fantasiosas e quadrinescas (como várias adaptações da Marvel e da DC tentaram nos últimos anos, influenciadas pelo sucesso da trilogia de Christopher Nolan) e mais com o propósito genuíno de explorar possibilidades novas em um personagem cujo grande atrativo é o fato de ser multifacetado a ponto de permitir infinitas leituras diferentes sobre o mesmo, desde a autoparódia camp da versão de 1966 à abordagem carrancuda e excessivamente escura de Zack Snyder, passando pela fábula gótica de Tim Burton, pelo universo colorido e engraçadinho de Joel Schumacher (que tentava – sem sucesso – recuperar o aspecto camp dos anos 1960) e, claro, pela roupagem sombria e pretensamente “realista” de Nolan.

Aqui, a batcaverna se resume a um enorme galpão escuro com computadores, o Pinguim de Colin Farrell (irreconhecível sob excelente maquiagem) é um mafioso comum que em nada remete à criatura grotesca que Danny DeVito encarnou em Batman – O Retorno (e que funcionava maravilhosamente bem no contexto daquela obra) e o Batman e a Mulher-Gato lutam como seres humanos normais (fantasiados e bem equipados) lutariam, sem as coreografias pirotécnicas que costumamos ver nestes filmes. Porém, nada disso faz Matt Reeves se sentir obrigado a perder tempo explicando como Bruce Wayne ou Selina Kyle aprenderam a lutar, descolaram seus uniformes e adquiriram seus gadgets ultratecnológicos. Da mesma forma, nada na abordagem “pé no chão” do cineasta o impede de trazer a Mulher-Gato descendo pelas escadarias na fachada de um prédio com uma maleabilidade excêntrica e de apresentar o batmóvel menos como um veículo e mais como um monstro que sairá destruindo tudo à sua frente, exalando um ronco que soa como rugido e inspirando medo nos bandidos ao simplesmente aparecer em cena. É um universo que pode até ser descrito como “realista”, mas que não se julga superior pelo simples fato de sê-lo e nem se envergonha de seus inevitáveis elementos fabulescos.

Do ponto de vista de ambientação, aliás, Reeves se revela o melhor cineasta a lidar com o universo do Homem-Morcego desde Tim Burton (que concebeu sua versão de Gotham como um pesadelo gótico em meio a uma fábula sobre aberrações). Estabelecendo a cidade que abrigará as três horas da projeção através de uma narração em off na qual o protagonista resume toda a degradação física, moral e sociopolítica de Gotham City (num discurso pessimista e até meio simplório que lembra muito as narrações de Travis Bickle em Taxi Driver e do Rorschach em Watchmen, tão perturbados quanto o Bruce Wayne deste filme), o diretor introduz aquela metrópole como uma terra perdida e pela qual não vale mais a pena lutar, sendo interessante a complexidade interna do herói ao reconhecer que talvez esteja piorando a situação da cidade ao enfrentar o crime organizado sem nem saber por quê. O sentimento de desesperança que o protagonista e o diretor têm pelas estruturas de Gotham, por sinal, é apropriadamente refletido pelo designer de produção James Chinlund, que imagina aquele território como um caos absoluto, aglomerando telões uns sobre os outros, estátuas assustadoras de gárgulas nos topos dos prédios e ruas tomadas pelo lixo atirado pela sociedade e devolvido a esta pelas chuvas constantes que entopem os bueiros.

Não menos importante, contudo, é a decisão de Reeves de fazer jus à natureza sombria e lúgubre do personagem-título, que logo no início diz “Eles (os criminosos) pensam que estou escondido nas sombras, mas eu sou as sombras”. Mais do que um filme que investe numa paleta escura e cinzenta apenas por acreditar que isso o fará soar “sério”, “adulto” ou o que quer que seja (como Zack Snyder acreditou em Batman vs Superman), O Batman é uma obra que demonstra verdadeira ojeriza à claridade – uma ojeriza que não é inesperada em um super-herói identificado como Homem-Morcego: a maior parte da trama se passa em ambientes fechados e escuros; há pouquíssimas cenas durante o dia e, quando há, os personagens evitam a luz do sol como se esta os incomodasse (ao acordar de manhã, Bruce imediatamente põe óculos escuros); até as roupas que os indivíduos usam se resumem basicamente a preto ou cinza. Neste sentido, é provável que Matt Reeves e o diretor de fotografia Greig Fraser (Duna) sejam os realizadores que melhor souberam lidar (ao menos, no Cinema) com a relação entre Batman e as sombras que o encobrem, mergulhando a maior parte da projeção numa escuridão quase absoluta que frequentemente deixa os personagens isolados em quadro (o fato de eles constantemente estarem em cenários estreitos, fechados, ajuda a intensificar esta claustrofobia) e que provoca tensão/pavor/ansiedade a partir não do que vemos, mas, principalmente, do que não vemos. O Batman pode surgir de literalmente qualquer ponto do quadro que esteja minimamente sombreado, escuro.

Em outras palavras: o Batman de Matt Reeves é um longa que joga muito bem com as sugestões, fazendo o espectador captar o sentido e/ou o propósito (narrativo/dramático/temático) das cenas através de como estas se constroem imageticamente, sem que nada precise ser dito (o que não significa que o roteiro não traga uns diálogos mais expositivos aqui e ali). O melhor exemplo disso, aliás, encontra-se na maneira do filme de explorar o passado e as motivações do protagonista: não precisamos testemunhar pela milionésima vez o casal Wayne ser assassinado num beco diante do pequeno Bruce; basta trazer Batman na cena do crime, observando de longe o filho pequeno do prefeito traumatizado pela morte do pai, para entendermos o que se passa na cabeça do herói e como aquela imagem lhe é familiar. Não é à toa que, embora jamais vejamos o trauma que motivou a concepção do Homem-Morcego, este talvez seja o filme que mais nos leva a senti-lo, que mais consegue adentrar nas feridas (jamais cicatrizadas) que transformaram Bruce Wayne num maníaco.

Porque, sim, Bruce Wayne é um maníaco; um lunático cuja “causa” provém de uma série de distúrbios particulares e que, nesta encarnação de Robert Pattinson, é retratado pelo (ótimo) ator como um jovem tão distante e perturbado que jamais conseguiria socializar minimamente ou ser recebido como “normal” pela sociedade – não à toa, sua dinâmica amorosa/sexual com a Mulher-Gato de Zoë Kravitz se dá por iniciativa/esforço dela, não dele. Com isso, o que Matt Reeves compreende é que um indivíduo que adota o trauma que sofreu quando criança como pretexto para vestir-se de morcego e caçar criminosos nas ruas é, por definição, um insano construído (ou destruído?) por aqueles traumas e que deveria ser prontamente internado e assistido. O que, por outro lado, não elimina o fato de que Bruce Wayne, como indivíduo, nada mais é que uma criação de Gotham City, uma cidade cuja (de)composição facilita o surgimento de anomalias como Charada, Pinguim, Coringa, Duas Caras, Espantalho, Mulher-Gato e, sim, Batman – e a desesperança que Bruce tem pela Gotham que o criou se converte na performance depressiva de Pattinson, que surge sempre arqueado, com um olhar que oscila entre cansaço e raiva e com um tom de voz que sussurra como se custasse a externar cada palavra.

O que nos devolve àquilo que apontei na introdução: como Batman e Charada são forças de Gotham City que representam faces opostas da mesma moeda – e, a partir daqui, recomendo que só prossiga com a leitura quem já tiver assistido ao filme, pois haverá spoilers à frente.

Que o Batman é um super-herói fundamentado por sua posição confortável no topo de uma pirâmide socioeconômica, isto é inquestionável. O objetivo de suas ações pode até não ser necessariamente “espancar os mais pobres”, mas o método que Bruce Wayne escolheu adotar como forma de lidar com seus traumas (adquirir um uniforme de morcego, veículos estilizados e bugigangas ultratecnológicas para caçar criminosos) é obviamente fruto dos privilégios de um sujeito que pode levar uma vida assim, que tem condições financeiras seguras o bastante para encarar o assassinato brutal dos pais como um chamado ao vigilantismo – algo que a própria Mulher-Gato reconhece quando, em certo momento deste filme, diz ao protagonista: “Dá para ver que você cresceu rico”.

Difícil mesmo é tornar-se órfão sem ter condições para seguir em frente de maneira minimamente digna – como é o caso do Charada, apresentado pelo roteiro e interpretado por Paul Dano como um verdadeiro incel, como um moleque que cresceu perturbado o suficiente para, na vida adulta, usar os (poucos) recursos que têm à disposição para se “vingar” da sociedade que o abandonou, encontrando na Internet vários outros indivíduos iguais a ele e, com isso, coordenando um ataque contra o mundo que o largou na sarjeta.

E é percebendo que as similaridades que divide com o Charada são bem maiores do que gostaria de admitir (ambos tornaram-se órfãos de maneira traumática na infância e, a partir daí, desenvolveram notórios problemas psiquiátricos e de socialização) que Bruce Wayne finalmente percebe e toma consciência de sua posição em Gotham, já que ele certamente poderia ter se tornado uma criatura tão vilanesca quanto o do Charada se não fosse… a diferença entre as contas bancárias de um e outro. Neste sentido, o Batman de Matt Reeves representa um contraponto ideal para O Cavaleiro das Trevas Ressurge, no qual Nolan basicamente situava o herói (ricaço) como um símbolo da luta pela propriedade privada e pela polícia perfeitinha de Gotham, enfrentando vilões que, naquele filme, vinham para abalar as estruturas da cidade se voltando contra os poderosos e tomando deles seus bens materiais (lembrem-se do discurso de Bane às portas da penitenciária Blackgate).

Assim, é justamente por estabelecer o Charada como uma contraparte perfeita para o Batman e finalmente conseguir compor uma narrativa sobre o personagem que não dependa da presença do Coringa para situar herói e vilão como “duas faces da mesma moeda” que, no fim das contas, é decepcionante que Matt Reeves ainda assim se sinta obrigado a incluir, nos minutos finais da projeção, uma cena absolutamente descartável envolvendo um certo paciente do Asilo Arkham (cof-cof-Coringa-cof-cof) e que soa como mera imposição contratual, forçando um fan-service que destoa completamente da atmosfera particular que o diretor vinha mantendo até então (sério, nós nunca mais veremos um filme do Batman que não sinta a obrigação de mencionar o Coringa em algum momento?).

Menos corajoso do que acredita ser em seus esforços de desconstruir o cânone do Homem-Morcego (quando há a sugestão de Thomas Wayne ser um canalha, o filme logo corre para desfazê-la; quando Alfred parece prestes a morrer, deixando Bruce Wayne sozinho pela primeira vez no Cinema, o roteiro imediatamente trata de salvá-lo), o Batman de Matt Reeves ainda assim é um longa que soa singular dentro de um subgênero já abarrotado de lugares-comuns. Que os próximos filmes de super-heróis por aí também arrisquem ter voz própria.

Assista também ao vídeo que gravei sobre o filme:

 

***

(Lembre-se: a pandemia não acabou. Se for sair de casa e ir ao cinema, siga todos os cuidados sugeridos pelas organizações sérias de Saúde: use máscara, mantenha uma distância segura dos demais espectadores, evite se aglomerar e – o mais importante – vá ao posto tomar sua vacina. Se já tomou a primeira dose, tome a segunda. Se já tomou a segunda e já chegou a vez de tomar a terceira, tome a terceira – se ainda não chegou, espere e vá assim que ela estiver disponível. É triste ter que escrever isto, mas… não escute o atual presidente da República (ou mesmo seu ministro da Saúde): vacine-se e proteja-se. #ForaBolsonaro)

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