John Wick 4 (1)

Título Original

John Wick: Chapter Four

Lançamento

23 de março de 2023

Direção

Chad Stahelski

Roteiro

Shay Hatten e Michael Finch

Elenco

Keanu Reeves, Donnie Yen, Bill Skarsgård, Ian McShane, Laurence Fishburne, Hiroyuki Sanada, Shamier Anderson, Lance Reddick, Rina Sawayama, Scott Adkins, Clancy Brown, Natalia Tena e Marko Zaror

Duração

169 minutos

Gênero

Nacionalidade

EUA

Produção

Chad Stahelski, Basil Iwanyk e Erica Lee

Distribuidor

Paris Filmes

Sinopse

Com o preço por sua cabeça cada vez maior, o lendário assassino de aluguel John Wick leva sua luta contra a Alta Cúpula global enquanto procura os jogadores mais poderosos do submundo, de Nova York a Paris, do Japão a Berlim.

Publicidade

John Wick 4: Baba Yaga | Crítica

Facebook
Twitter
Pinterest
WhatsApp
Telegram

Como pode uma série aparentemente tão despretensiosa como John Wick chegar ao quarto capítulo sem apresentar qualquer sinal de esgotamento (ao contrário: só demonstrar mais e mais vigor a cada novo exemplar)? Como pode uma franquia tão simples em sua premissa (e pertencente a um gênero que infelizmente continua a ser enxergado com preconceito por parte da Crítica e pela própria indústria, como discuti ao escrever sobre John Wick 3) render obras tão ricas e fascinantes em sua execução? E mais: como é possível que um filme seja capaz de sustentar esta base por quase três horas sem jamais tornar-se excessivo em sua duração, soando, na verdade, perfeitamente apropriado em seus 169 minutos?

A resposta para estas perguntas é John Wick 4: Baba Yaga.

Quarta incursão de Chad Stahelski à franquia que ele mesmo criou em 2014 (ao lado de David Leitch), este novo capítulo reencontra o protagonista no meio de uma situação tão insana que mal há tempo de parar para respirar e processar o que está acontecendo – e, quando escrevi sobre o terceiro, terminei comentando que “o filme termina preparando terreno para um eventual Capítulo 4 que, ao que tudo indica, mostrará o personagem-título ainda mais furioso, potente e implacável do que nunca”; uma promessa que, felizmente, é cumprida com louvor aqui. Basta dizer que, depois de romper com a sociedade milenar de assassinos da Alta Cúpula, John Wick continua a ter sua cabeça posta a prêmio na casa das dezenas de milhões de dólares, lançando o anti-herói em uma aventura que o fará cruzar Nova York, Berlim, Japão e Paris e que envolverá uma quantidade tão exorbitante de mortes, rituais e hordas de assassinos profissionais saídas dos bueiros que chega a ser loucura que tudo tenha começado com a execução do cãozinho recebido de presente da falecida esposa lá atrás, evidenciando o interesse cada vez maior da série em abraçar o absurdo.

E que bom que o abraça! Afinal, se recapitularmos um pouco a trajetória do Cinema de ação hollywoodiano no século 21, não demoraremos a perceber que este se tornou mais cínico e menos confortável com relação às escapadas fantasiosas que eventualmente permeassem suas narrativas, como se sentisse vergonha em assumir a “tolice” de suas premissas e, com isso, se obrigasse a ancorar suas mitologias em abordagens pretensamente “realistas”, fazendo questão de se explicar para o espectador através de complicações excessivas ou, pior, de piadinhas autodepreciativas cínicas (se um super-herói veste capa e orelhinhas pontudas, o faz não por estilo, mas por razões táticas; se alguém despenca de uma altura impossível e sobrevive, este comenta “Nossa, que ridículo eu ter sobrevivido”; etc). Em outras palavras: o Cinema de ação norte-americano ainda tem muito a aprender com o chinês e o indiano – e, neste sentido, uma obra como John Wick 4 se apresenta quase como um ato de rebeldia contra esta norma conterrânea: seus heróis/vilões vestem ternos à prova de balas/facas e não há tempo a perder com explicações para isso; homens caem de alturas consideráveis em posições que obviamente deveriam matá-los de imediato e, mesmo assim, levantam-se, saem andando e… continuam a se estapear ferozmente (muitas vezes, no meio de ambientes públicos, como uma boate, no qual as pessoas ao redor continuam a dançar como se não houvesse um conflito bárbaro ocorrendo a poucos metros).

Não há o que explicar; esta é a lógica do universo de John Wick, que se assume totalmente como uma criação cartunesca, sem qualquer prendimento com a física do mundo real e que conta com a capacidade do espectador em entender tal proposta – e, se possível, curtir o exagero das coisas que vê em tela. Claro que isso não impede o filme de perceber o próprio ridículo e usá-lo para provocar risadas, porém o roteiro de Shay Hatten e Michael Finch se certifica de incluir as piadas, as frases de efeito tolas e os momentos de humor físico não para desmentir a proposta absurda do longa, mas, sim, para reforçá-la ao escancarar, de forma constantemente engraçada, a que ponto aqueles personagens podem chegar (como atesta a longa – e brilhante – sequência nas Escadarias da Sacré Coeur, por exemplo). De certa maneira, isto é algo que foi prenunciado lá na abertura do segundo capítulo da série, que começava com imagens de Buster Keaton em Bancando o Águia projetadas na fachada de um prédio e, com isso, indicava que a tônica de tudo que veríamos pela frente seria a fisicalidade e, não menos importante, a graça.

Aqui, contudo, Stahelski se aproveita do fato de que, a esta altura, a mitologia do universo que criou já foi longe demais, permitindo que o diretor de arte Kevin Kavanaugh e o figurinista Paco Delgado abracem a caricatura, o exagero e as cores berrantes a fim de exercitar suas imaginações – e sempre podendo chegar aos resultados mais elaborados possíveis. Assim, John Wick 4 atira seu protagonista em uma narrativa que envolverá ninjas, rituais em latim, moedas de ouro, cenários que alternam entre igrejas milenares e boates/hotéis/fortalezas esplendorosas, variadas facções de assassinos, soldados da Alta Cúpula (que parecem atiradores da SWAT, mas trajando máscaras com feições quase demoníacas) e, claro, um subvilão interpretado por Scott Adkins que, apresentado como uma figura imensa que fala num sotaque caricato e surge com terno roxo e dentes de prata, parece uma soma do Le Chiffre de Cassino Royale com algo saído dos Batmans de Joel Schumacher, chegando a um resultado que, de alguma forma, também estaria à vontade num anime. Ou seja: uma miscelânia de ideias que, sabe-se lá como, funciona maravilhosamente bem em conjunto e que, ainda por cima, é arrematada com uma referência à icônica radialista de The Warriors – Os Selvagens da Noite, de Walter Hill.

Porém, um dos aspectos que mais me fascinam em John Wick 4 é sua lógica de videogame: da maneira com que a narrativa é estruturada (em set pieces que parecem enormes “fases”) até a forma com que vários momentos são enfocados por Stahelski, o filme representa uma experiência que volta e meia provoca algo que remete ao senso de atividade e “liberdade” (ilusória ou não) que temos num jogo de “mundo aberto” – e quem conhece Grand Theft Auto sabe do que estou falando quando digo que a sequência envolvendo carros, motos e atropelamentos ao redor do Arco do Triunfo me remeteu a um mod que orienta todos os NPCs a se voltarem violentamente contra o protagonista (ou seja: contra você). Pois parte da graça (tanto de John Wick 4 quanto de GTA) está no fato de o espectador estar imerso não em uma realidade, mas em uma simulação de tal: os cenários são reais e seus habitantes não dispõem de poderes sobre-humanos, mas as ações por estes executadas são tão absurdas e fantasiosas que a graça acaba surgindo daí, desta sobreposição entre a aparência mundana e a liberdade fictícia.

Nada mais justo do que coroar este processo de gameficação com uma longa (e inesquecível) sequência ambientada num andar abandonado e que é registrada através de um plano plongé que dura uns cinco minutos (sem cortes!), representando o auge da decupagem organizada por Stahelski e pelo diretor de fotografia Dan Laustsen (A Forma da Água). Aliás, as cenas de ação vistas em John Wick 4 impressionam não só pela brilhante coreografia, mas, principalmente, pelo fato de Stahelski, Laustsen e o montador Nathan Orloff permitirem que o espectador as contemple claramente – e, assim, os confrontos (que envolvem socos, chutes, facadas, golpes de nunchaku, tiros de pistolas/metralhadoras ou tudo isso ao mesmo tempo) são sempre mostrados através de planos abertos (que nos permitem enxergar os atores da cabeça aos pés) e que duram o tempo necessário para que os compreendamos (em vez de retalhar a ação com cortes a cada milésimo de segundo). Ainda assim, não deixa de ser surpreendente – e, ao mesmo tempo, apropriado – que o clímax de John Wick 4 seja retratado através de uma óbvia alusão ao western spaghetti, revelando-se bem mais sofisticado em termos de referências do que poderíamos supor.

Encarnando pela quarta vez um anti-herói que, depois de nove anos, já se estabeleceu como um ícone inquestionável do gênero, Keanu Reeves investe numa intensidade que muitas vezes leva o espectador mais ao riso do que à intimidação – o que, no entanto, não é um erro, mas uma escolha consciente por parte do ator, que obviamente entende a proposta absurda do personagem a ponto de brincar com seus excessos. Outro que se destaca por razões similares é Bill Skarsgård, que interpreta um vilão que usufrui ao máximo possível da permissão que seus status lhe dá para ser… uma criatura soberba, arrogante e distante do mundo real, ao passo que Ian McShane atravessa a narrativa como uma das figuras mais curiosas de toda a franquia ao situar Winston como um sujeito ambíguo que, embora suspeito e interesseiro, não consegue ocultar o apreço e a torcida que tem pelo protagonista (o mesmo se aplica a Laurence Fishburne, que tem mais a fazer aqui do que nos capítulos anteriores). Para completar, não há como não admirar um filme de ação que faz bom proveito da dádiva que é ter Donnie Yen em seu elenco, trazendo o mestre do Cinema de ação chinês em um papel que, remetendo àquele que viveu em Rogue One, impressiona em sua fisicalidade (ainda mais se considerarmos o fato de o personagem ser cego), mas também conquista em função de sua densidade emocional.

Conectando bem várias pontas distintas da franquia (é divertida, por exemplo, a ideia de certo assassino desistir de caçar o protagonista porque este salvou seu cachorro, num aceno inteligente à motivação da franquia inteira), John Wick 4 ainda é um exemplo fabuloso de como deixar pistas para futuros projetos de uma saga (que, neste caso, incluem um spin-off sobre uma bailarina e uma série sobre o Hotel Continental) sem cair na armadilha de parecer mais um trailer do que um trabalho com vida própria, amarrando sua narrativa de forma coesa até chegar a seu desfecho.

Um desfecho que, sinceramente, eu jamais esperaria encontrar num projeto como este e que reforça ainda mais a coragem de uma série aparentemente tão simples como John Wick.

Assista também ao vídeo que gravei sobre o filme:

Mais para explorar

Gladiador II | Crítica

Mesmo contado com momentos divertidos e ideias interessantes aqui e ali, estas quase sempre terminam sobrecarregadas pelo tanto de elementos simplesmente recauchutados do original – mas sem jamais atingirem a mesma força.

Wicked | Crítica

Me surpreendeu ao revelar detalhes sobre o passado das personagens de O Mágico de Oz que eu sinceramente não esperava que valessem a pena descobrir, enriquecendo a obra original em vez de enfraquecê-la.

Ainda Estou Aqui | Crítica

Machuca como uma ferida que se abriu de repente, sem sabermos exatamente de onde veio ou o que a provocou, e cujo sofrimento continua a se prolongar por décadas sem jamais cicatrizar.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *