Love Lies Bleeding

Título Original

Love Lies Bleeding

Lançamento

1º de maio de 2024

Direção

Rose Glass

Roteiro

Rose Glass e Weronika Tofilska

Elenco

Kristen Stewart, Katy O´Brian, Ed Harris, Dave Franco, Anna Baryshnikov, Jena Malone, Eldon Jones, Matthew Blood-Smyth, Orion Carrington e Tait Fletcher

Duração

104 minutos

Gênero

Nacionalidade

EUA

Produção

Andrea Cornwell e Oliver Kassman

Distribuidor

Synapse Distribution

Sinopse

Lou trabalha em uma academia e se apaixona por Jackie, uma ambiciosa fisiculturista que está indo para Las Vegas para perseguir seu sonho. O amor delas logo leva à violência quando elas são puxadas para dentro da teia da família criminosa de Lou.

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Love Lies Bleeding – O Amor Sangra | Crítica

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Love Lies Bleeding é um projeto curioso que, embora situado no mundo real e não lidando com nenhum elemento essencialmente lúdico ou absurdo, parece sempre caminhar na fronteira entre o mundano e o fantasioso, entre o “pé no chão” e a alucinação completa. Nas mãos de um(a) realizador(a) menos habilidosa, poderia facilmente se tornar uma bagunça completa; sob a tutela da cineasta Rose Glass (que ganhou notoriedade após estrear na direção em 2019 com Saint Maud), contudo, acaba se revelando uma das melhores surpresas que o Cinema proporcionou até agora em 2024.

Escrito pela própria Glass ao lado de Weronika Tofilska, o longa se passa em 1989 numa cidadezinha do interior e acompanha Lou, uma funcionária de uma academia que vive solitária e sem contato com o pai Lou Sr., um sujeito poderoso e intimidador que gerencia um campo de tiro nas redondezas. Morando num apertado apartamento de beira de estrada e sucumbindo ao tédio praticamente todos os dias, Lou é surpreendida com a chegada de uma nova cliente à sua academia: Jackie, que passa por uma rápida estadia naquela cidade antes de seguir para Las Vegas a fim de disputar um campeonato de fisiculturismo e, então, seguir uma carreira na área. No entanto, certos aspectos da relação – que não demora a tornar-se amorosa – das duas acabam levando a um caminho inesperadamente macabro e, como indica o próprio título do filme, sangrento.

O interessante é que, ainda que a ambientação nos anos 1980 se faça presente e desempenhe um papel importante (como discutirei a seguir), esta é desenvolvida pela diretora Rose Glass de modo a não chamar ostensivamente a atenção para si: sim, há canções, sintetizadores e menções diretas a obras produzidas naquela época (como Duro de Matar, lançado justamente em 1989), mas estas surgem mais para pontuar/complementar as bordas da atmosfera geral da trama e menos como fins em si mesmas – como costuma ocorrer na maioria dos filmes que exibem tamanho fascínio pelo estilo particular daquela década. Ainda assim, evocar o espírito dos anos 1980 acaba se revelando uma decisão fundamental para o projeto, já que tal período específico, com sua já conhecida propensão à estilização (como se tentasse olhar para o futuro e alcançá-lo através do estilo), ajuda a ancorar a narrativa numa atmosfera quase lírica, que mantém um pé no real e, ao mesmo tempo, deixa ecoando um ar subjacente de fantasia.

Pois esta sensação não seria alcançada se Glass não investisse intensamente na estilização – e ela não economiza neste sentido, utilizando-se desde closes holandeses (que tornam as reações das personagens ainda mais expressivas, como se ilustradas para uma HQ) até os breves, mas importantes interlúdios entre uma cena e outra que se resumem a Lou, Lou Sr. ou Jackie encarando a câmera, cobertos por sombras e tomados por um filtro totalmente vermelho (e não acho que o uso recorrente desta cor seja mera coincidência levando em conta o título do filme, ajudando a ressaltar tanto a paixão ardente quanto o inferno astral que depois passa a tomar conta das personagens). Às vezes, vale dizer, Love Lies Bleeding é meio óbvio demais na maneira com que se constrói visualmente – e, por mais eficientes que sejam as sequências que mostram as alucinações de Jackie (desde os inserts que trazem seus músculos se crescendo/rasgando de forma descomunal até, claro, os cinco minutos finais do longa), algumas delas carecem de imaginação (em particular, aquela que envolve um certo vômito).

De todo modo, Love Lies Bleeding é, sim, hábil ao aproveitar-se de seus recursos gráficos para ilustrar como o amor, em alguns casos, pode ser corrosivo a ponto de explodi-lo e fazê-lo literalmente sangrar. Neste sentido, o filme é bem-sucedido ao apresentar a personalidade de Lou e Jackie de forma sucinta, mas inteligível, e os porquês de uma interessar-se pela outra – e é interessante perceber como as cenas de sexo ajudam sempre a mover a dinâmica entre as duas personagens, tornando-se essenciais por pontuarem o avanço da intimidade do casal (e Glass demonstra uma sensibilidade fundamental em sua maneira de filmá-las, evocando não só o tesão, mas o carinho trocado pelas moças nestas sequências). Além disso, até mesmo as inconsistências e os absurdos das ações tomadas por ambas as mulheres (especialmente quando começam a envolver assassinatos e ocultação de cadáveres) soam compreensíveis, pois são resultantes justamente do amor que uma nutre pela outra e que é cego a ponto de tolhê-las de bom senso.

E se compramos as ações mais insanas de Lou e Jackie, isso se deve, em grande parte, à eficácia das duas atrizes que as interpretam – que, por sua vez, conferem densidade e tridimensionalidade às personagens a ponto de torná-las compreensíveis até em seus momentos mais delirantes. Katy M. O’Brian, em especial, realiza uma proeza que parece simples, mas que exige extrema habilidade: conseguir estabelecer Jackie como uma mulher simultaneamente indestrutível e vulnerável; como uma fortaleza de músculos que nos impede de temer que algum mal possa destrui-la fisicamente, mas que, ao mesmo tempo, pode ser internamente despedaçada por algo que aconteça a Lou ou que esta faça/diga – e a capacidade de O’Brien de projetar simpatia aqui (através de um sorriso), desolação/melancolia ali e intimidação física acolá (ao subitamente tomar uma atitude mais extrema) é digna de aplausos. Já Kristen Stewart é bem-sucedida ao ilustrar o tédio e a resignação de Lou antes de seu caminho cruzar-se com o de Jackie – e, embora completamente iluminada pela entrada da companheira em sua vida, a jovem volta a sucumbir ao desalento depois que as coisas começam a se complicar mais à frente, sendo brilhante como Stewart equilibra a desesperança de Lou à medida que a situação vai se apertando e, ao mesmo tempo, a incapacidade da personagem de distanciar-se da parceira, já que algo dentro dela a induz a continuar ativamente do seu lado.

Para completar, Ed Harris encarna Lou Sr. como um sujeito imprevisível e, também, complexo à sua maneira, com suas próprias nuances, contradições e surpresas. Se o visual, a aparência e a postura física do sujeito tendem a torná-lo uma figura inevitavelmente intimidadora (isso sem contar seu status de “chefão” de um mercado perigoso por si só), Harris surpreende ao contrastar tudo isso a um tom de voz sereno e, mais importante, sincero ao manifestar preocupação com a filha e sua parceira, movimentando-se para ajudá-las sem que pareça fazê-lo por interesse e benefício próprios – isso até voltar a pegar o espectador no contrapé e se revelar um pai ainda mais monstruoso do que poderíamos supôr. Assim, Lou Sr. se converte, para a filha, numa presença onipresente mesmo quando não está presente, sendo notável, portanto, a agonia da protagonista ao escutar as ordens dadas pelo pai no telefone e enfim criar autonomia para respondê-las com um “Não!” seguido de um insulto, numa libertação definitiva.

Conseguindo encaixar brevíssimos momentos de humor, através de uma ou outra frase rápida que surge no meio de uma passagem mais tensa (e que, por isso mesmo, tornam-se surpreendentes por funcionarem tão bem), Love Lies Bleeding é a comprovação de que, depois de Saint Maud, Rose Glass veio mesmo para ficar.

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