Barbie

Título Original

Barbie

Lançamento

20 de julho de 2023

Direção

Greta Gerwig

Roteiro

Greta Gerwig e Noah Baumbach

Elenco

Margot Robbie, Ryan Gosling, America Ferrera, Ariana Greenblatt, Kate McKinnon, Rhea Perlman, Will Ferrell, Michael Cera, Simu Liu, Issa Rae, Hari Nef, Alexandra Shipp, Emma Mackey, Sharon Rooney, Ana Cruz Kayne, Dua Lipa, Nicola Coughlan, Ritu Arya, Marisa Abela, Scott Evans, John Cena, Emerald Fennell, Jamie Demetriou, Connor Swindells, Ann Roth e a voz de Helen Mirren

Duração

114 minutos

Gênero

Nacionalidade

EUA

Produção

Margot Robbie, David Heyman, Tom Ackerley w Robbie Brenner

Distribuidor

Warner Bros.

Sinopse

Depois de ser expulsa da Barbieland por ser uma boneca de aparência menos do que perfeita, Barbie parte para o mundo humano em busca da verdadeira felicidade.

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Barbie | Crítica

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Antes de falar sobre Barbie, é preciso falar sobre a diretora por trás do projeto: Greta Gerwig. Cineasta que estreou em 2008 quando co-dirigiu, ao lado de Joe Swanberg, o pouco visto Nights and Weekends, a realizadora aos poucos foi conquistando seu espaço ao atuar em uma série de produções (e a lista de trabalhos de Gerwig como atriz é bem extensa) e, mais recentemente, ao escrever e protagonizar dois longas do marido Noah Baumbach (Frances Ha e Mistress America), pavimentando um caminho que culminaria, em 2017, na sua estreia solo na função de diretora, com o ótimo Lady Bird – uma estreia que não poderia ser mais feliz e na qual Gerwig já exibia perspicácia e sensibilidade notáveis ao revisitar e refletir sobre particularidades de seu próprio repertório (afinal, a protagonista era obviamente um avatar da cineasta) que, no fim, acabavam sendo as de tantas outras mulheres mundo afora. Foi isso que a qualificou para comandar na sequência sua própria adaptação de Adoráveis Mulheres, um projeto bem mais ambicioso que, por isso mesmo, se beneficiou do estilo pessoal da cineasta.

Pois se a princípio a escolha de Gerwig para dirigir um filme como Barbie pode soar inusitada, na prática não é preciso muito para perceber que, na verdade, se trata de uma decisão perfeita, já que, além de permitir que a diretora conclua a trajetória de ascensão que vem percorrendo em termos de escala (começando com um projeto de baixo orçamento e escalando para uma produção de médio porte até alcançar um blockbuster de verão), é também uma oportunidade para contrapor a sensibilidade particular da diretora ao papel que as bonecas da Mattel exerceram no imaginário coletivo, revisando o impacto destas a ponto de escancarar suas problemáticas.

Escrito pela própria Gerwig em parceria com Baumbach, o roteiro começa apresentando o mundo de Barbieland, uma terra na qual as mulheres, todas chamadas Barbie (em suas infinitas variações), governam e regem as leis enquanto os homens, todos chamados Ken (com exceção do desajustado Allan), estão ali mais para fazer companhia do que qualquer outra coisa. A partir daí, passamos a nos concentrar no drama da Barbie padrão, que, interpretada por Margot Robbie (que parece ter nascido para o papel), reúne todos os estereótipos que definem a versão principal da boneca da Mattel: é branca, loira, anda na ponta dos pés (mesmo quando não está calçando saltos-altos), jamais deixa de esbanjar um sorriso de orelha a orelha e, claro, não parece ter problema algum com sua rotina, que se repete dia após dia sem muita ambição. Tudo muda, porém, quando Barbie se vê com “defeito” por começar a… pensar no fim da vida (algo que lhe é proibido) e andar com os calcanhares na altura do chão (o que, aparentemente, é “antinatural”). Com isso, a personagem-título decide partir rumo ao mundo real para encontrar sua dona e/ou os altos executivos da Mattel, buscando conserto para suas “falhas” – uma missão que, no entanto, se complicará graças ao Ken estereotipado, que resolve embarcar junto a Barbie.

Entendendo a natureza do material-fonte como alguém que obviamente sabe bem do que se trata, Greta Gerwig compreende Barbie como o que é: uma obra cartunesca, que se passa num mundo plástico e que não teme elevar seus excessos até o limite – e só não digo que o que vemos aqui faz jus ao famoso ensaio da autora Susan Sontag sobre o camp (no qual o descreveu como uma sensibilidade que se define “não pela beleza, mas pelo grau de artifício, de estilização”) porque esta também definiu o estilo como algo que “menospreza ou introduz uma postura neutra quanto ao conteúdo” e que, portanto, seria “apolítico”; coisas que Barbie definitivamente não é. Ainda assim, Gerwig não hesita em abraçar o absurdo e o exagero ao assumir, por exemplo, que Barbieland é uma criação artificial que reflete, em seu funcionamento, toda a lógica com que enxergamos (e brincamos com) bonecas reais: quando Barbie acorda, ela desce até o quintal levitando em vez de usando escadas, já que sua “dona” (leia-se: consumidora) não precisaria manualmente conduzir sua boneca pelos degraus; quando as personagens bebem algo, as vemos apenas levando copos vazios à boca (o que não as impede de sentirem um gosto… sabe-se lá com o quê); quando as Barbies acordam, estas imediatamente estrelam um número musical (com uma letra que expressa literalmente quem elas são, o que sentem, o que farão no dia e por quê). E, se a princípio a decisão de mover a história de Barbieland para Los Angeles soa frustrante (por trocar a fantasia pela realidade), logo o desapontamento é substituído pela satisfação em ver que até mesmo o nosso mundo é retratado com um toque de insanidade, mantendo o tom farsesco.

Neste aspecto, é claro que toda a abordagem formal/estética de Barbie desempenha um papel indispensável, criando um universo tão lúdico que seria ridículo tentar lhe impor as “regras” do realismo (aqui, as falas dos personagens verbalizam exatamente o que eles sentem, sem rodeios ou disfarces, e o trajeto que Barbie e Ken percorrem de Barbieland ao mundo real envolve não um portal interdimensional, mas… uma viagem de carros, lanchas, foguetes, etc). Esta fantasia da Barbieland, aliás, é materializada pela diretora de arte Sarah Greenwood e pela figurinista Jacqueline Durran, que só não serão indicadas a todos os prêmios de suas categorias caso não haja mais justiça no mundo: ajudando a criar um universo visualmente coeso e vibrante (posso garantir que, em toda a minha vida, nunca assisti a um filme que trouxesse tantos tons de rosa ao mesmo tempo), Greenwood e Durran concebem algo que parece uma versão ampliada dos carros, prédios, cômodos e artefatos de plástico das Barbies (com direito a praias/areias/ondas estáticas e a uma ambulância em tamanho real que, como a de brinquedo, se abre para os lados), recapturando a exuberância impossível daqueles produtos, ao passo que a fotografia de Rodrigo Prieto (a caminho de sua quarta indicação ao Oscar) faz jus à paleta multicolorida ao intensificar ainda mais suas variações.

Mas tão acertada quanto a escolha de Greta Gerwig para comandar Barbie é a de Margot Robbie para estrelá-lo – e, se antes comentei que a atriz parece ter nascido para interpretar a personagem, isto se deve não só à sua aparência (branca, loira, de olhos claros, com corpo repleto de curvas e correspondente aos traços que a boneca da Mattel estabeleceu como “padrões de beleza”), mas ao fato de Robbie já ter construído uma carreira inteira na qual provou ser, sim, uma atriz fabulosa (como se dizia antigamente, “muito mais que apenas um rostinho bonito”), alternando entre projetos nos quais conseguiu trazer peso dramático a papeis obviamente realistas e produções escapistas nas quais conferiu graça e carisma a tipos propositalmente caricatos, fantasiosos. Em Barbie, contudo, Robbie é bem-sucedida na difícil tarefa de encarnar os excessos e os artifícios de uma personagem essencialmente cartunesca sem que pareça estar rindo de si mesma (ou do filme ao seu redor) – e, assim, ao mesmo tempo em que rimos das piadas e das caras e bocas da atriz, somos pegos de surpresa pelos momentos nos quais transmite uma dimensão emocional que talvez não esperássemos (em especial, no clímax).

O mais interessante (e eficiente), porém, é perceber como a abordagem de Gerwig mostra-se útil, também, para fortalecer o impacto do discurso de Barbie, que é, claro, uma obra indiscutivelmente política e interessada em surtir um efeito social – e, neste sentido, a ideia de abraçar o exagero e dispensar qualquer grau de sutileza acaba se revelando a melhor decisão possível, pois possibilita que as ideias/mensagens da diretora sejam comunicadas de forma escancarada, com todas as palavras, sem soarem incômodas (afinal, qualquer acusação de o filme ser “óbvio” e “artificial” pode ser respondida com um simples “… sim, é mesmo; e daí?”). É uma escolha eficiente não só por causar uma catarse (ou uma reflexão mais direta) num público já crescido, mas também para envolver toda uma geração de crianças que, pequenas demais para absorverem tudo que é discutido pelo longa, poderão crescer já tendo entendido o que Gerwig quis dizer com Barbie (ou seja: o que significa ser mulher na sociedade em que vivemos). Às vezes, encarar a audiência de frente e verbalizar os discursos do modo mais claro possível (até desenhando, caso necessário) talvez seja o melhor jeito de se fazer entender.

Isto, é claro, de nada adiantaria se Gerwig limitasse toda a força de seu discurso à mera superfície do problema que aborda – e Barbie pode até ser direto ao ponto em seu jeito de comunicar suas ideias, mas nunca é raso ou leviano ao elaborar o conteúdo destas. Desta maneira, confesso ter ficado absolutamente surpreso pela ousadia do projeto, que não teme, por exemplo, mostrar a protagonista sendo assediada por um babaca que lhe dá um tapa na bunda e por pedreiros que a chamam de “gostosa” no primeiro minuto em que chega ao mundo real, ao passo que os executivos da Mattel (voltarei a eles já, já) são retratados como perfeitos imbecis que, mesmo vendendo a ideia de inclusão e representatividade feminina, não se preocupam em trazer uma única mulher à mesa de negociações. Enquanto isso, o Ken de Ryan Gosling se define como um ser tão obtuso (sua profissão: “praia”) que, após descobrir que os homens podem dominar o mundo mesmo fazendo tão pouco, reage com total empolgação e logo elabora um plano para levar o patriarcado (palavra que o próprio filme usa várias vezes) a Barbieland. E, se as Barbies têm uma sororidade que lhes faz ajudar umas às outras, torcer umas pelas outras e celebrar os sucessos de cada uma, os Kens se mostram competitivos a ponto de partirem para a briga por pouco ou nada.

Dito isso, há algumas questões em Barbie que me incomodam (menos por serem problemas do filme e mais por discordâncias minhas) – e a principal delas está na suposta “crítica” ao consumismo e aos chefões da Mattel: ora, uma das coisas mais perversas do capitalismo após o advento da indústria cultural está em posar de “consciente” ou “autocrítico” apenas para que o consumidor lhe enxergue como tais, comprando ainda mais o que lhe é vendido e ficando satisfeito com um “levante” contra os poderosos que, na verdade, é totalmente domesticado por estes (ou seja: se há uma demanda por conteúdos “anticapitalistas”, logo o próprio capitalismo se prontificará a fabricá-los e vendê-los). Assim, por mais que Barbie tire sarro da empresa que o bancou e exponha um problema endêmico ao mostrar como a indústria promove a exclusão e impõe um padrão de “beleza” tóxico, na prática tudo isso termina a serviço… da imagem de “empresa legal” da Mattel e dos próximos produtos que esta colocará no mercado, mantendo a estrutura que o filme tanto critica (ou “critica”).

A sorte é que Greta Gerwig (tal qual Lana Wachowski em seu curioso Matrix Resurrections) é uma cineasta com voz forte e autônoma que, mesmo num conglomerado que já tomou todas as precauções para permitir que seus próprios produtos o “sacaneiem” sem de fato perderem nada com isso, ainda assim consegue imprimir verdade, convicção e embasamento ao que expressa. Sim, o motivo que levou à realização do filme pode até ser estritamente comercial, mas a autoria da diretora que topou trazê-lo à vida, no fim das contas, é o que faz toda a diferença – e, seja como for, é difícil questionar a força dos argumentos por ela utilizados para satirizar/questionar/contestar as origens do projeto.

E é por isso que fico feliz em presenciar a catarse, a alegria e o choro emocionado de mulheres que, identificando-se com as palavras discursadas por certa personagem nos minutos finais de Barbie, são lembradas de que podem envelhecer, ter celulites, conversar sobre a última ida ao ginecologista, refletir sobre a morte, ocupar cargos de importância e, claro, andar com os calcanhares ao chão. Afinal, ao contrário do que a boneca Barbie pregou por décadas, os pés femininos não foram projetados para se encaixarem somente em saltos-altos.

Assista também ao vídeo que gravei sobre o filme:

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