Guardiões da Galáxia Vol 3 (4)

Título Original

Guardians of the Galaxy Vol. 3

Lançamento

4 de maio de 2023

Direção

James Gunn

Roteiro

James Gunn

Elenco

Chris Pratt, Zoë Saldaña, Dave Bautista, Karen Gillan, Pom Klementieff, Chukwudi Iwuji, Sean Gunn, Will Poulter, Elizabeth Debicki, Sylvester Stallone e as vozes de Bradley Cooper, Vin Diesel e Maria Bakalova

Duração

149 minutos

Gênero

Nacionalidade

EUA

Produção

Kevin Feige

Distribuidor

Disney

Sinopse

O nosso amado grupo de desajustados está bastante diferente nos dias de hoje. Peter Quill, que ainda está a recuperar da perda de Gamora, tem que reunir a sua equipa para defender o universo e proteger um dos seus. Uma missão que, se não for concluída com sucesso, pode levar ao fim dos Guardiões como os conhecemos.

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Guardiões da Galáxia Vol. 3 | Crítica

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Se alguém dissesse em 2013 que, uma década depois, os Guardiões da Galáxia estariam entre os personagens mais queridos do MCU (Marvel Cinematic Universe) e o diretor James Gunn (quem?) se tornaria um nome de grife no Cinema pop contemporâneo, chamando atenção até mesmo da concorrente DC/Warner (que, não à toa, o contratou para dirigir sua própria versão de O Esquadrão Suicida), este alguém provavelmente seria chamado de louco. Porém, o que a princípio parecia apenas uma tentativa despretensiosa de complementar as aventuras estreladas pelos demais (e já conhecidos) heróis da Marvel acabou se revelando uma das maiores surpresas do estúdio, basicamente repetindo a façanha de Barry Sonnenfeld em MIB – Homens de Preto ao levar às telonas uma história em quadrinhos obscura que, ambientada num mundo povoado por figuras excêntricas e cartunescas, se ancorava principalmente no carisma e no bom humor de seus protagonistas.

Dito isso, não há como negar que, embora a maior parte dos dois primeiros “volumes” da série tenham buscado mais o riso e a irreverência do que qualquer outra coisa, James Gunn sempre demonstrou interesse em calcar aquelas narrativas em uma dimensão emocional considerável – algo que já ficava claro na primeira cena do primeiro filme (que trazia o pequeno Peter Quill presenciando a perda da mãe para o câncer num leito de hospital) e se expandiu ainda mais no segundo (que se aprofundou na dolorosa busca do protagonista por uma figura paterna). Ainda assim, quando comparamos aqueles filmes com o que Gunn apresenta neste Guardiões da Galáxia Vol. 3, fica impossível ignorar o salto que a franquia deu em direção a uma abordagem mais dramática e sombria – uma diferença que é exemplificada até pela escolha das canções que embalam as sequências de créditos iniciais de cada capítulo: se os dois primeiros começavam ao som das divertidas “Come and Get Your Love” e “Mr. Blue Sky”, este terceiro pega o espectador desprevenido ao abrir com a melancólica “Creep”, do Radiohead.

É uma mudança drástica, de fato, mas que não deixa de ser perfeitamente apropriada em um filme que, afinal, se apresenta como o encerramento de uma saga que, nos últimos nove anos, angariou a paixão de uma fatia numerosa da audiência. Assim, praticamente tudo em Guardiões 3 surge envolto num clima de despedida, abordando a maioria de seus elementos com a consciência de que talvez esteja visitando-os pela última vez – e até os flashbacks que desmistificam certos detalhes sobre o passado daqueles personagens (em especial, Rocket) são introduzidos com o intuito de fornecer ao espectador apenas as informações finais de que precisava antes de, então, arrematá-las de uma vez por todas. Não é à toa que, de todas as produções recentes da Marvel, esta talvez seja a que conta com a trama menos complexa: sim, há os habituais vilões megalomaníacos, as destruições cataclísmicas e os artefatos poderosos que os heróis perseguem para fazer a história andar, mas, antes de tudo isso, o objetivo dos Guardiões aqui é… salvar a vida de um integrante (gravemente ferido num combate). Se antes as relações sentimentais entre os personagens surgiam a partir das aventuras que estrelavam, desta vez a ordem é invertida; é a preocupação que os heróis nutrem uns pelos outros que os leva a mais uma missão.

Pois ao trazer para o centro das atenções aquele que se tornou o tema principal da saga (o valor das amizades e o fato de que estas são – ou podem ser – a família que escolhemos fazer), este Vol. 3 revela algo que falta à maioria das produções da Marvel e que torna toda a trilogia de Gunn um ponto fora da curva na filmografia do estúdio: um coração – e dos grandes. Ora, não é qualquer diretor que seria capaz de incutir tamanha voz particular a um projeto do MCU (a ponto de incluir e se aprofundar em assuntos que lhe são caros numa esfera pessoal) e de levar o espectador a se comover diante da relação entre um guaxinim, uma morsa, uma lontra e um coelho de aparências deformadas (a crueldade animal, aliás, parece ser mais uma preocupação constante para o cineasta). Mas é esta visão própria de James Gunn que sempre diferenciou Guardiões da Galáxia de seus colegas de franquia – e, se levarmos em conta o quanto estes filmes têm se tornado cada vez piores, mais genéricos e menos distinguíveis entre si, o feito de Gunn soa ainda mais louvável.

Em contrapartida, isso não significa que Guardiões da Galáxia Vol. 3 abra mão do humor irreverente pelo qual a série se notabilizou até aqui: fugindo do padrão da Marvel de forçar tiradinhas bobas e burocráticas nos instantes mais inconvenientes possíveis (criando um desequilíbrio constante que quase sempre dilui o peso destas obras), as gags imaginadas por Gunn aqui funcionam por 1) saberem a hora de começar e terminar, complementando a construção dramática do longa em vez de cortá-la pela metade, e 2) apresentarem-se autorais, como piadas que só poderiam sair da mente de um cineasta com estilo e senso de humor próprios (quantos outros filmes do MCU teriam coragem de trazer Drax arremessando uma bola no rosto de uma criança ou um capanga dos vilões sendo induzido a flertar com um dos heróis?).

Igualmente particular – e eficiente – é a maneira com que Gunn coordena as sequências de ação, que, em vez de surgirem padronizadas como se previamente decupadas por uma inteligência artificial da Marvel, revelam-se cuidadosas ao combinarem estilo e clareza visual, permitindo ao espectador compreendê-las ao mesmo tempo em que mostram-se plasticamente belíssimas e, mais inesperado, dispostas a explorar a violência gráfica até o limite permitido pela classificação indicativa (e é exatamente por isso que a piada que Quill faz relacionando a aparência grotesca do vilão a RoboCop soa tão apropriada). Aliás, Gunn revive intensamente sua origem em produções B ao assumir um lado podreira em boa parte dos figurinos e da direção de arte (os uniformes dos soldados do vilão, por exemplo, parecem uns… crustáceos de espuma?), sendo retratadas com orgulho pelo cineasta e pela fotografia de Henry Braham, que fazem questão de realçar suas cores e iluminá-las claramente em vez de sufocá-las com a mesma paleta cinzenta de sempre.

Conseguindo a proeza de reunir os atores dos volumes anteriores numa sintonia ainda maior do que víramos antes (eles nunca estiveram tão afinados quanto agora), Guardiões 3 é uma obra que surpreende ao trazer vários arcos ambiciosos – e se Chris Pratt ganha a oportunidade de revigorar sua interpretação de Peter Quill ao incutir peso e maturidade a um herói que obviamente cresceu com as perdas e desilusões que sofreu nos filmes passados, Zoë Saldaña aproveita a chance de compor uma Gamora bastante diferente daquela que conhecemos (e se o fato de a heroína ter morrido em Guerra Infinita para ser revivida – ou melhor: trazida de outra realidade – em Ultimato poderia soar como uma trapaça, na prática acaba se mostrando fundamental ao revitalizar a personagem e acentuar a distância entre dois indivíduos que, em outra vida, formaram um casal e que agora não tem mais como replicar o que viveram antes, o que, claro, dói muito em Quill). Já o trio formado por Mantis, Drax e Nebulosa extrai o melhor que cada personagem – e cada ator/atriz – tem a oferecer, contrapondo a ingenuidade (para usar um eufemismo) dos dois primeiros à secura truculenta da terceira e usando os traços em comum de Mantis e Drax para torná-los uma dupla apropriadamente harmoniosa, ao passo que Groot… bom, é Groot – e isso já é o bastante.

Enquanto isso, Rocket (que sempre foi tido somente como um coadjuvante engraçado; uma espécie de Han Solo dos Guardiões) é alçado ao status de figura central da narrativa, já que a projeção começa e termina focada nele, todo o conflito com o vilão Alto Evolucionário é baseado nas barbaridades que este cometeu contra o guaxinim no passado e os diversos flashbacks que relembram seu passado traumático cumprem a função simultânea de torná-lo mais dramaticamente complexo e, ao mesmo tempo, explicar de onde vem o sarcasmo e o cinismo que tanto marcaram sua personalidade. Para completar, se Chukwudi Iwuji traz intensidade ao Alto Evolucionário e o transforma num vilão bem mais interessante do que apenas “um megalomaníaco que quer brincar de deus”, Will Poulter aproveita bem o pouco que pode fazer com Adam Warlock, que, mesmo soando deslocado na maior parte da história, ao menos tem a oportunidade de estrelar uma das melhores piadas do filme.

Mas, no fim das contas, acho que o maior sinal a favor deste Vol. 3 (e da trilogia como um todo) reside no fato de que, mesmo sabendo que se trataria do encerramento da saga dos Guardiões, eu atravessei as quase duas horas e meia de projeção sentindo absoluto medo que qualquer um daqueles personagens morresse – algo que jamais acontecera na série, que sempre deixou sua natureza descompromissada bem clara e que nunca nos levou a de fato temer pelo destino de seus protagonistas. Aqui, porém, cada tiro que acerta os heróis e/ou cada golpe que os atinge de forma brutal leva o espectador à total apreensão – e, se isso acontece, é porque toda a construção daqueles personagens até aqui foi eficaz o suficiente para nos fazer apegar profundamente a eles.

É um indicativo perfeito do que fez a série Guardiões da Galáxia tão bem-sucedida de modo geral: o fato de ser comandada por um cineasta que, ao seu próprio modo, olhou para aqueles personagens excluídos e esquisitões (nos quais ninguém apostaria muito) e os recebeu com um carinho surpreendente, como se fossem seus próprios amigos íntimos e, principalmente, se orgulhasse em tê-los.

Assista também ao vídeo que gravei sobre o filme:

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