Judas e o Messias Negro
Judas e o Messias Negro (1)

Título Original

Judas and the Black Messiah

Lançamento

25 de fevereiro de 2021

Direção

Shaka King

Roteiro

Shaka King e Will Berson

Elenco

Lakeith Stanfield, Daniel Kaluuya, Jesse Plemons, Dominique Fishback, Ashton Sanders, Darrell Britt-Gibson, Dominique Thorne, Algee Smith, Jermaine Fowler, Martin Sheen, Lil Rel Howery, Robert Longstreet, Terayle Hill, Nicholas Velez, Amari Cheatom e Caleb Eberhardt

Duração

126 minutos

Gênero

Nacionalidade

EUA

Produção

Shaka King, Ryan Coogler e Charles D. King

Distribuidor

Warner Bros.

Sinopse

A história de ascensão e queda de Fred Hampton, o ativista dos direitos dos negros e revolucionário líder do partido dos Panteras Negras. Um jovem proeminente na política, ele atrai a atenção do FBI, que, com a ajuda de William O’Neal, acaba infiltrando os Panteras Negras e causando o assassinato de Hampton.

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Judas e o Messias Negro | Crítica

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A conjuntura da sociedade dos Estados Unidos – e do Brasil – é tão racista que a eventual criação de um grupo como o Partido dos Panteras Negras (na década de 1960) é não só natural, mas necessária. Num mundo em que a barbárie é instrumentalizada, em que uma pessoa (criança, adulta ou idosa) pode ser presa ou morta pela polícia que deveria protegê-la, em que o sistema judiciário é moldado para absolver estes carrascos enquanto atira inocentes na prisão perpétua a troco de nada, em que supremacistas se juntam (no século 19 e ainda no 21) para pregar o ódio e a violência e em que as oportunidades sociais, profissionais, acadêmicas e etc são separadas por cor de pele, o simples ato de acordar, levantar da cama e sair às ruas torna-se motivo de apreensão – e é apenas natural que, em Judas e o Messias Negro, o diretor Shaka King não se interesse em dedicar boa parte da narrativa a mostrar com cuidado todo o processo de surgimento dos Panteras Negras, já que as razões para que estes existam encontram-se patentes no dia a dia.

Com roteiro de Will Berson e do próprio King, o filme se passa no final dos anos 1960, quando o Partido dos Panteras Negras já era conhecido, a polícia sonhava em prender o líder Fred Hampton e Agnès Varda rodava um curta documentário sobre o grupo (cujos trechos, aliás, são rapidamente exibidos no início deste longa). No meio disso, um jovem chamado William O’Neal é preso após fingir-se de policial para roubar um carro – e, no interrogatório, o rapaz recebe uma proposta arrisacada do agente Roy Mitchell: infiltrar-se entre os Panteras Negras e conquistar a confiança de Hampton para que, mais tarde, o FBI dirigido por J. Edgar Hover execute o grupo (aliás, é curioso assistir a Judas e o Messias Negro pouco tempo após conferir Os 7 de Chicago, último trabalho de Aaron Sorkin, que se passa na mesma época e divide personagens e situações históricas). Mas é claro que, no processo, William aos poucos se identifica com a filosofia revolucionária do Partido e com os discursos poderosos de Hampton, tornando sua missão ainda mais conflituosa.

Hábil ao estabelecer as motivações dos Panteras Negras na prática, enquanto estes operam, Judas e o Messias Negro mergulha o espectador não apenas no contexto que cerca o grupo (a brutalidade da polícia se torna um braço do racismo que vem desde o alto do escritório de Hoover, quando, numa conversa com Mitchell, alega temer que “a miscigenação desequilibre a ordem social, a família, etc” ou algo assim), mas também os princípios e a ideologia revolucionária que levam os membros a se portarem quase como uma família, dividindo quartos, participando juntos de ações sociais e jurando lealdade real uns aos outros – e é natural, portanto, que Fred Hampton encontre o amor justamente dentro de sua causa, aproximando-se da parceira ativista Akua Njeri e logo entrando num relacionamento que, à sua maneira, indica como a ideologia e a luta social inspiram não a discórdia (como dizem os que tentam detratar estes movimentos), mas o afeto.

Até por conta disso, Shaka King encontra espaço para lembrar algo fundamental que costuma escapar a muitos e que o rapper Emicida recordou no clímax de AmarElo: É Tudo pra Ontem ao apresentar-se junto a Pabllo Vittar e Majur: as lutas por direitos civis e de inclusão social ocorrem não separadas, mas em conjunto, com cada grupo oprimido (negros, mulheres, LGBTQs, pobres, etc) apoiando as pautas um do outro – e o ótimo documentário Crip Camp, que também concorre ao Oscar, traz uma cena na qual os Panteras Negras visitam e apoiam os deficientes que lutavam por seus direitos no final da década de 1960, por exemplo. Assim, quando vemos Fred Hampton discursar junto a representantes de outros grupos, a postura se mostra condizente com a ideologia do Partido que representa.

O que torna ainda mais compreensível, portanto, a dúvida interna de William O’Neal ao trabalhar como delator dos Panteras Negras e, ao mesmo tempo, sentir-se seduzido pelas ideologias destes, já que é dentro das reuniões do Partido que o jovem finalmente parece encontrar um objetivo de vida e, acima de tudo, um senso de fraternidade e acolhimento que nunca lhe foi dado até então – e que Shaka King evite apontar o dedo e condenar William mesmo reconhecendo sua traição é um atestado de maturidade por parte do cineasta (embora as imagens de arquivo do O’Neal real que surgem durante os créditos levem o espectador a sentir, de forma inequívoca, a pequenez e o constrangimento que ele falha em esconder). Ainda assim, a figura mais marcante de Judas e o Messias Negro é mesmo Daniel Kaluuya, que, com sua expressão rígida, sua postura imponente e sua voz potente, transforma os discursos de Fred Hampton em chamados à luta absolutamente evocativos sem, com isso, sacrificar a humanidade dos momentos mais íntimos do sujeito, contrastando a delicadeza que dedica à sua esposa e a força que transmite ao falar sob o palco.

Aliás, é justamente ao buscar este equilíbrio quase perfeito entre as figuras de William O’Neal e Fred Hampton que o longa acaba cometendo um de seus raros tropeços, já que, ao dividir o tempo e o espaço de ambos os personagens a fim de mostrar igualmente seus lados, a narrativa chega perto de comprometer o protagonismo do “Judas” em nome do “Messias Negro”, como se Shaka King pontualmente perdesse a noção de qual dos dois, afinal, é o fio condutor da história. Se somarmos isto ao fato de a abordagem do diretor não ser tão esteticamente transgressora quanto o título do filme sugere, Judas e o Messias Negro se torna uma obra imperfeita.

Mas nem por isso menos eficiente ao retratar os seres humanos por trás das roupas de couro preto, dos óculos escuros e das boinas dos icônicos Panteras Negras. E o fato de chegarmos ao fim da projeção sentindo o impacto da tragédia que os acomete é um óbvio testemunho do sucesso do filme ao nos fazer apegar a eles.

Assista também ao vídeo que gravei sobre o filme:

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