mae

Título Original

mother!

Lançamento

21 de setembro de 2017

Direção

Darren Aronofsky

Roteiro

Darren Aronofsky

Elenco

Jennifer Lawrence, Javier Bardem, Ed Harris, Michelle Pfeiffer, Domhnall Gleeson, Brian Gleeson e Kristen Wiig

Duração

121 minutos

Gênero

Nacionalidade

EUA

Produção

Darren Aronofsky, Scott Franklin e Ari Handel

Distribuidor

Paramount Pictures

Sinopse

Um casal vive em um imenso casarão no campo. Enquanto a jovem esposa (Jennifer Lawrence) passa os dias restaurando o lugar, afetado por um incêndio no passado, o marido mais velho (Javier Bardem) tenta desesperadamente recuperar a inspiração para voltar a escrever os poemas que o tornaram famoso. Os dias pacíficos se transformam com a chegada de uma série de visitantes que se impõem à rotina do casal e escondem suas verdadeiras intenções.

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mãe! | Crítica

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O suspense angustiante

Com apenas sete filmes, Darren Aronofsky já se estabeleceu como um dos diretores mais ambiciosos da Hollywood contemporânea. Autoral na maneira como desenvolve as obsessões dos protagonistas de suas histórias, o cineasta iniciou sua carreira com o ótimo Pi, onde apresentava uma experiência insana e difícil de ser compreendida, mas que convidava o espectador a decifrá-la. A partir daí, Aronofsky conseguiu emplacar quatro longas capazes de mudar a forma como encaramos certos aspectos da vida: Réquiem para um Sonho retratou o universo das drogas de modo devastador, porém justa e distante de qualquer maniqueísmo; Fonte da Vida se consolidou como uma das obras mais subestimadas dos anos 2000, alternando entre três linhas narrativas com brilhantismo e discutindo o conceito de morte com um otimismo surpreendente e tocante; O Lutador ilustrou maravilhosamente o apego de um sujeito que, ao ser obrigado a abandonar os ringues, percebe que só pode viver mesmo quando tem a permissão de lutar diante de uma platéia; e Cisne Negro surgiu como um suspense inteligente que mostrava a jornada intensa e autodestrutiva de uma bailarina em busca da perfeição. Para completar, o polêmico – e injustiçado – Noé foi ousado ao transformar o personagem-título num fundamentalista religioso dos mais apavorantes; o que obviamente desagradou grande parte do público.

Já é possível perceber, portanto, que não se trata de um diretor que faz questão de agradar a todos (isso sem contar, é claro, a produção de O Vencedor e Jackie). Ainda assim, é provável que nenhum longa comandado por Aronofsky possa gerar discórdia e indignação quanto mãe!: peculiar desde seu título iniciado com letra minúscula e finalizado com um ponto de exclamação, este é um filme inquestionavelmente estranho e que, após causar o sentimento de “What the fuck?” inúmeras vezes, ganhará uma nova forma depois que o espectador reavaliar com cuidado o que conferiu nas duas horas anteriores, como estivesse montando um quebra-cabeça. Dito isso, é praticamente certo que mãe! dividirá a opinião pública entre os detratores que dirão coisas como “Isto não é Cinema!” e os defensores que chamarão o novo trabalho de Darren Aronofsky de “obra-prima”.

E, de minha parte, estou neste segundo grupo.

Escrito pelo próprio Aronofsky em apenas cinco dias, o roteiro gira entorno de personagens cujos nomes jamais são revelados (o que me obriga a apontá-los através de pseudônimos): iniciado com uma breve sequência onde uma casa queimada é reconstruída, o filme imediatamente nos apresenta à Mãe, que se dedica a consertar o casarão em que vive no meio de um jardim. Casada com um sujeito que passarei a identificar como Pai, um escritor que enfrenta um bloqueio criativo justo quando está escrevendo seu poema definitivo, a mulher logo passa a receber visitas inesperadas: primeiro, surge o Invasor; depois, vem a Invasora; e, em seguida, os filhos deste casal chegam brigando violentamente. No decorrer da projeção, porém, novas pessoas começam a entrar aos montes na casa, o que incomoda (e agride) cada vez mais a Mãe.

(Notem que ocultei certos detalhes para evitar spoilers: o Invasor, a Invasora e seus dois filhos podem – e devem – ser identificados através de outros nomes específicos, mas é claro que, se estes forem revelados, a metáfora essencial de mãe! será entregue e a surpresa dos leitores que ainda não assistiram ao filme acabará.)

Mantendo um clima hostil que cresce gradualmente conforme a trama progride, o diretor Darren Aronofsky transforma mãe! numa experiência psicologicamente assustadora, mórbida e desconfortável, conseguindo a incrível proeza de levar o público a se sentir ameaçado mesmo sem saber por quê. Este é um sentimento que jamais é interrompido durante os 121 minutos do longa: trata-se de uma obra que sempre está muito à frente do espectador, sabendo perfeitamente como instigá-lo mesmo que só consiga compreender o que está vendo após o término da sessão. Neste sentido, a maneira como o roteiro e a direção abordam a protagonista torna-se fundamental para que o horror e o suspense sejam sentidos: se nós estamos agoniados diante do desconhecido ou do incompreendido, a Mãe também está – e se isto ocorre, é porque Aronofsky criou a personagem já pensando em como colocá-la ao lado do público.

Assim, tanto o cineasta quanto o diretor de fotografia Matthew Libatique (que, além de ter trabalhado em Homem de Ferro, também colabora habitualmente com Aronofsky; com a exceção apenas de O Lutador) acertam ao manter a câmera sempre próxima ao rosto de Jennifer Lawrence, que dá vida à Mãe. Ao adotar este recurso, a dupla não só expõe a protagonista com persistência como ainda permite que o espectador acompanhe a narrativa como se estivesse bem próximo da protagonista – e quando o terceiro ato chega de modo avassalador, é possível enxergá-la como uma companheira de batalha literalmente. Mas este não é o único mérito de Libatique, que, ao apostar numa paleta de cores dessaturada e carregada em tons fortes de marrom, confere um ar agressivo e sufocante à história (sem contar que o profissional investe numa fotografia bastante granulada, dando ao filme uma aparência “surrada” que atende perfeitamente às necessidades estéticas do projeto).

Outro elemento que contribui para que mãe! seja uma experiência tão claustrofóbica (além, é claro, dos planos constantemente fechados e inquietos) é o design de produção meticuloso que apresenta o ambiente habitado pelos personagens numa espécie de casa mal assombrada, algo que é reforçado pelas paredes descascadas e pelas pinturas desgastadas. Além disso, o desenho sonoro é pontual ao cortar certos efeitos de acordo com a transição de um plano para o outro (como no instante em que a Mãe ouve um coração dentro das paredes da casa; som este que é prontamente interrompido assim que os olhos da mulher se abrem), merecendo admiração também ao potencializar a tensão através de ruídos naturais – e, por conta disso, a ausência de uma trilha incidental surte um efeito positivo, pois permite que o espectador se atente ainda mais aos sons diegéticos.

Mas a verdade é que, sem a presença de Jennifer Lawrence, mãe! talvez fosse uma obra bem menos eficaz – e me alivia perceber que, depois de várias escolhas equivocadas (TrapaçaJoyX-Men: Apocalipse e Passageiros), a atriz não só deu a volta por cima como ainda entregou aquele que é possivelmente o melhor trabalho de sua carreira. Brilhante ao construir o desespero da protagonista de maneira gradativa e crescente, Lawrence se sai muitíssimo bem ao retratar a desconfiança relativa aos visitantes que surgem em sua casa, a indignação nutrida assim que os invasores passam a abusar da sua hospitalidade e o pânico que floresce a partir do momento em que constata que perdeu o controle da situação (dúvida, raiva e medo são características essenciais aqui). Em alguns instantes particulares, Jennifer Lawrence também demonstra habilidade ao saltar entre emoções distintas com agilidade: observem, por exemplo, como ela começa a derramar lágrimas abundantes e desesperadas em poucos segundos, quando um indivíduo agarra seu rosto de forma violenta. Aliás, minha satisfação pelo desempenho da atriz é tão grande que, desde já, passo a torcer para que as premiações de fim de ano valorizem sua eficácia (não serei capaz de aceitar uma realidade em que Lawrence foi mais reconhecida por Joy do que por mãe!).

Já Javier Bardem compõe o Pai como uma figura diametralmente oposta aos vilões que anda interpretando em blockbusters recentes – algo que é, mais uma vez, fundamental para que o personagem seja bem-sucedido: mesmo ficando visivelmente frustrado de vez em quando, o indivíduo age com uma bondade incessante e que leva o espectador a questionar suas ações (não é possível que alguém seja tão caridoso sem que eventualmente soe ingênuo). No entanto, a boa índole exageradíssima do Pai é devidamente justificada a partir do momento em que sua personalidade poderosa é esclarecida, algo que é ilustrado de maneira convincente graças à virilidade que Bardem naturalmente exibe. Para completar, se Ed Harris desperta a angústia após tratar a Mãe como se ela não existisse (e idolatrar o Pai de modo constante), Michelle Pfeiffer cria uma personagem venenosa e detestável, chegando a causar agonia quando começa a destratar a protagonista como se ela fosse irrelevante ou imprestável.

De todo modo, o que realmente eleva mãe! ao status de obra-prima é a densidade do roteiro de Darren Aronofsky, que aposta em metáforas e simbolismos desde o primeiro segundo até o último – e não é à toa que nada está presente no filme sem que haja um significado por trás.

E me aprofundar nestes significados é o que farei a seguir.

A Mãe e os pecadores.

Quem conhece a carreira de Aronofsky já está familiarizado com sua fixação pela cultura cristã: ateu declarado, o diretor já apresentou uma visão de mundo sistemática e analítica em Pi (que trazia um protagonista afirmando que a Natureza era composta por números e padrões), discutiu a ideia de vida após a morte em Fonte da Vida e sugeriu que o personagem que dava título a Noé poderia ser um monstro cujo descontrole era motivado por crenças particulares. Em mãe!, no entanto, Aronofsky alcançou um novo patamar ao transformar toda a narrativa numa espécie de resumo do Antigo e Novo Testamentos bíblicos – e o mais inesperado é que a história seja contada a partir da ótica de ninguém menos que a própria Natureza.

Em primeiro lugar, é preciso recapitular o filme a fim de buscar todas as metáforas (que, de tão literais, talvez nem sejam metáforas): quando mãe! começa, Jennifer Lawrence surge caminhando pela casa até encontra o marido. Nos primeiros minutos, é até possível deduzir que se trata de uma trama sobre processo criativo, já que o sujeito está enfrentando um bloqueio ao escrever seu novo poema – e talvez essa interpretação não esteja errada, mas não creio que seja o principal. Em seguida, os personagens de Ed Harris e Michelle Pfeiffer vêm e o Pai convida eles a ficarem hospedados contra a vontade da Mãe (que queria “transformar a casa num Paraíso“). O desentendimento entre os donos da residência seria o mote central do enredo? Hum, não.

Atentem-se à ordem dos fatos: Ed Harris chega, aparece no banheiro com um próximo à região das costelas e, por fim, vem Michelle Pfeiffer. É de se supor, portanto, que o Invasor seja Adão e a Invasora seja Eva, não é mesmo? E mais: não restam dúvidas de que o sentido é este quando, em seguida, os dois penetras vão ao escritório do Pai, quebram uma joia valiosa e são expulsos daquele recinto (troquem “escritório” por “Jardim do Éden” e “joia valiosa” por “Maçã”). Para concluir a hipótese, os filhos do casal entram na casa e começam a brigar violentamente até que um dos dois irmãos morre. Pois Adão e Eva tiveram dois filhos: Caim e Abel, sendo que o segundo foi morto pelo primeiro naquele que é, de acordo com Gênesis, o primeiro homicídio de todos os tempos.

Daqui em diante, vou parar de usar os nomes “Invasor” e “Invasora” para chamá-los adequadamente de “Adão” e “Eva”.

Quando anoitece, a casa começa a ser enchida por novas pessoas que vão se multiplicando e tornando-se cada vez mais abusadas (em certo momento, Eva repreende a Mãe exigindo que ela vista algo menos despojado). Alguns minutos se passam e a situação vai ficando cada vez mais absurda: dois jovens vão transar num quarto; o banheiro é usado deliberadamente por todos os “convidados”; e um babaca chama a protagonista para dar uma volta e, ao ser rejeitado, manda ela ir embora enquanto a chama de “vagabunda”. Mas o estopim chega quando uma dupla de imbecis resolve sentar em cima de uma pia a fim de pressioná-la e provocar a Mãe, o que cria uma rachadura na parede e desencadeia uma enchente. Nisso, todas as visitas saem correndo da casa.

E o que castigou a Humanidade na história de Noé? Ah, sim, um dilúvio.

Nesse instante, um novo ciclo se inicia e o Pai – que, convenhamos, é Deus – finalmente consegue fazer sexo com a Mãe, engravidando-a no processo e encontrando uma inspiração para escrever seu poema. Após alguns meses, o escritor publica sua obra depois de muito estresse e a esposa está prestes a dar à luz. Mas um novo pesadelo começa e, desta vez, abala muito mais que o anterior: a casa é invadida por um milhão de fãs inspirados pelas palavras do Pai, um grupo de seguidores é marcado por um material cinza (como na “Quarta-feira de Cinzas”), vários festeiros fazem uma rave no meio da sala, um monte de visitantes sai quebrando tudo com o objetivo de “demonstrar que estiveram ali“, a polícia entra no local, uma rebelião se instala, conflitos horrorosos vêm à tona e fundamentalistas cultuam o poeta a ponto de assassinar outras pessoas.

Mas aí chega o momento onde a Mãe entra em processo de parto e seu filho nasce apenas para que o Pai exponha ele ao “mundo”. Quando é introduzido à sociedade, o primogênito do casal tem o mesmo destino de Jesus Cristo, o filho de Deus: a morte. Por quê? Porque ele precisava sofrer em prol de todos os pecadores do mundo? Bom, não é o que a Mãe Natureza parece pensar, e, após ser brutalmente violentada, a protagonista resolve ir ao porão (leia-se: o núcleo da Terra) para explodir a casa inteira, o que mata todos os envolvidos com a exceção de uma pessoa: Pai, ou Deus. Este é o Apocalipse. Quando a mulher morre carbonizada, o marido toma uma decisão inesperada: pegar o Amor dentro do coração petrificado da Mãe, tirar sua essência (que é a mesma joia quebrada por Adão e Eva no início) e reconstruir tudo novamente.

Assim, é mais que apropriado que o título de mãe! se escreva com inicial minúscula: ainda que gire entorno da Mãe Natureza, esta é desprezada, agredida e rebaixada durante todos os 121 minutos da projeção. Não interessa se foi ela quem cedeu seu espaço (a contragosto) para que as visitas fizessem a festa; aos olhos dos intrometidos e abusados (leia-se: seres humanos), a Natureza é uma criatura irrelevante que vai passar o resto da vida reclamando sozinha enquanto é feita de otária pelos que estão à sua volta.

A pergunta decisiva é: o que isso tudo quer dizer? É possível assistir ao filme e enxergar sua base argumentativa, mas não compreender o tema propriamente dito – e estarei mentindo se disser que mãe! não ganhou um sentido mais amplo ao ser revisto. Ao colocar o espectador do lado da personagem principal, Darren Aronofsky permite que acompanhemos a trama de acordo com a ótica da Mãe; agora, basta substituir a mulher pela Natureza e encarar as ações absurdas dos visitantes como um reflexo daquilo que nós, seres humanos, cometemos e seguiremos cometendo até o fim da nossa existência. E honestamente: há uma grande diferença entre o que os invasores fazem na casa da Mãe e o que nós fazemos com a própria Natureza?

Nós chegamos à Terra de maneira súbita, como um bando de intrusos que desrespeitam a privacidade da personagem de Jennifer Lawrence sem qualquer tentativa de sutileza. Ao “visitarmos” este planeta até então tranquilo, passamos por cima da sua receptividade, abusamos da sua essência e deturpamos sua concepção. E o que é pior: tudo isso em prol do ego. Também há, é claro, a autodestruição, onde guerras começam a eclodir apenas porque as pessoas querem se provar e não conseguem dialogar com seriedade.

O que mãe! faz é mais do que um suspense admirável ou uma alegoria religiosa imaginativa; é escancarar um espelho diante do Homem e levá-lo a perceber o quão falho e prejudicial ele é. Como comentei ao escrever sobre Blade Runner, a Humanidade é naturalmente fria, canalha e egocêntrica a ponto de arruinar aquilo que ela mesma ajudou a criar. E ainda adoramos dizer que somos “racionais”, como se pudéssemos atribuir um mérito desses a nós mesmos.

Até que ponto a Mãe Natureza vai tolerar nossa intrusão?

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