A princípio, todas as peças de Maestro parecem encaixadas no lugar. Projeto que ficou anos passando pelas mãos de cineastas como Martin Scorsese e Steven Spielberg (que, não à toa, continuaram como produtores) até cair no colo de Bradley Cooper, que volta à direção após estrear em sua refilmagem de Nasce uma Estrela, o filme já parte de uma decisão que se mostra bastante eficiente: adotar, como centro de sua narrativa, um recorte histórico mais específico, se apresentando menos como uma biografia do lendário compositor e regente Leonard Bernstein e mais como um estudo da relação entre este e o amor de sua vida, a atriz Felicia Montealegre. Com isso, o roteiro de Josh Singer e do próprio Cooper se permite explorar uma faceta determinante da persona do personagem-título em vez de sucumbir ao mal comum das cinebiografias de aglutinar décadas de história em duas horinhas e se destrambelhar no processo – embora acabe caindo em outras armadilhas que ele próprio arma contra si.
Dito isso, é claro que, num filme que gira em torno da relação entre Leonard e Felicia, o desempenho dos intérpretes do casal principal é fundamental para que compremos toda a lógica da trama – e, neste aspecto, Maestro está bem-servido, já que tanto Bradley Cooper quanto Carey Mulligan compõem indivíduos de personalidades ambiciosas e de espíritos fortes, mas simpáticos, e que mais do que justificam a atração de um(a) pelo(a) outro(a). Sim, é verdade que aqui e ali Cooper parece se esforçar demais para demonstrar estar atuando (às vezes, ele exagera nos tiques e nas expressões que resgata de Bernstein, como se implorasse “Vejam como estou atuando! Me deem um Oscar logo!”), mas a sorte é que, sempre que o ator parece perigosamente perto de descambar para a caricatura, vem um momento em que ele impressiona ora com um olhar que sutilmente exprime todas as dores e angústias do biografado, ora com sua entrega simultaneamente enérgica e meticulosa ao recriar os gestos de Bernstein enquanto rege uma orquestra (e há um plano, em especial, que dura cerca de cinco minutos sem cortes que representa o auge da performance de Cooper neste sentido).
No entanto, é mesmo Carey Mulligan quem rouba Maestro para si, já que a graça e doçura que incute a Felicia são decisivas para que nos afeiçoemos de imediato à jovem atriz. Da mesma forma, Mulligan é hábil ao costurar cada “etapa” de Felicia ao longo das décadas de modo coeso e orgânico, adicionando um peso gradual à personagem à medida que o tempo vai passando e suas frustrações vão se acumulando – o que, de certa maneira, ajuda a estabelecer Felicia como uma âncora entre Leonard e o mundo real. Aliás, não nego que alguns momentos de Maestro (principalmente do meio para o fim) me trouxeram um nó na garganta – e muitos destes se devem justamente à eficácia de Mulligan ao construir uma personagem intrigante e adorável o bastante para levar o espectador a temer por seu destino (não à toa, a sequência que traz o casal num quarto de hospital recebendo o diagnóstico de um câncer é outra que Cooper acerta ao rodar num único plano, explorando ao máximo os talentos de ambos os atores, e que acompanha bem todas as etapas emocionais da situação, começando com os dois tratando tudo com certa normalidade, passando pelo choque e pela negação – que surgem silenciosamente – do recebimento da notícia em si e culminando no desabamento tanto de Felicia quanto de Leonard).
Qual o problema de Maestro, então? Bom, o primeiro (e mais escancarado) é a velocidade com que o roteiro de Singer e Cooper passa por diversos estágios do relacionamento entre Leonard e Felicia e de seus arcos individuais: se num momento eles estão perdidamente apaixonados entre si, pouco depois já se passaram alguns anos, algumas atitudes específicas do marido levam a um atrito com a esposa e daí ambos se distanciam até eventualmente se reaproximarem – e, embora os motivos para cada briga/reconciliação sejam explicados através de diálogos expositivos (que são o que menos falta aqui, por sinal), eles quase nunca são mostrados de modo a levar o público a senti-los de fato, já que o filme salta bruscamente de um conflito que acabou de ser estabelecido a uma resolução que levou anos para se articular. Da mesma forma, não deixa de ser decepcionante que o filme abra mão de alguns aspectos importantes da vida de Bernstein a fim de não desagradar uma parte mais, digamos, conversadora (eufemismo para “intolerante”) da audiência: ora, para que estabelecer a interação do personagem-título com outros homens e seu eventual vício em drogas (lícitas e ilícitas) como fatores determinantes para as desavenças do casal se tais questões se limitarão a uma ceninha brevíssima (que será prontamente esquecida) aqui e outra ali?
Com isso, a impressão que fica ao fim de Maestro é a de incompletude, soando superficial a ponto de diluir boa parte do peso dramático de cada etapa da história. Além disso, é difícil ignorar que várias das decisões estilísticas de Bradley Cooper e do diretor de fotografia Matthew Libatique (as variações na razão de aspecto; a alternância entre preto-e-branco e colorido; as tomadas que atravessam cenários enquanto acompanham Bernstein zarpando da cama até o palco) raramente parecem desempenhar uma função além do mero exibicionismo, por mais eficientes que sejam de um ponto de vista puramente técnico. (Dito isso, o plano que traz a sombra gigantesca do compositor “engolindo” Felicia, minúscula, nos bastidores de uma apresentação é fabuloso; um dos poucos momentos em que Cooper consegue dizer algo mais por imagens que por palavras óbvias.)
Entre a megalomania e o intimismo, Maestro acaba se perdendo ao tentar se firmar como uma obra tecnicamente vistosa e, ao mesmo tempo, dramaticamente introspectiva.
Assista também ao vídeo que gravei sobre o filme: