Meu Nome é Gal 4

Título Original

Meu Nome é Gal

Lançamento

12 de outubro de 2023

Direção

Dandara Ferreira e Lô Politi

Roteiro

Lô Politi e Maíra Bühler

Elenco

Sophie Charlotte, Chica Carelli, Rodrigo Lelis, Luis Lobianco, Dan Ferreira, Dandara Ferreira, Elen Clarice, Camila Márdila, Barroso, Claudio Leal, Nathalia Ernesto, Pedro Meirelles, Fábio Assunção, João Gil e Caroline Andrade

Duração

90 minutos

Gênero

Nacionalidade

Brasil

Produção

Lô Politi, Marcelo Fraccaroli, André Fraccaroli e Veronica Stumpf

Distribuidor

Paris Filmes

Sinopse

Retrata parte da trajetória de Maria da Graça Costa Penna Burgos, uma menina tímida que desde muito cedo soube que a música iria guiar seus caminhos. Aos 20 anos, Gracinha, como era chamada pela mãe, decide viajar rumo ao Rio de Janeiro para se tornar cantora. Lá, encontra seus amigos da Bahia: Caetano Veloso, Maria Bethânia, Gilberto Gil e Dedé Gadelha, que acompanham seus primeiros passos na música profissional no final da década de 1960

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Meu Nome é Gal | Crítica

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A princípio, a decisão narrativa tomada por Meu Nome é Gal de se concentrar em apenas um momento específico da trajetória de Gal Costa – em vez de abranger mais de 50 anos de carreira – parece perfeitamente apropriada. Ora, se o erro mais comum cometido pelas cinebiografias de artistas famosos consiste em tentar comprimir décadas de história num espaço apertado de duas horinhas, passando superficialmente por cada etapa da narrativa e fazendo a maioria destes filmes soar quase como coletâneas de “melhores momentos” (avulsos) dos biografados, nada mais justo do que escolher um recorte de alguns poucos anos para poder explorá-los com o máximo de profundidade possível. Em teoria, perfeito. Na prática, porém, Meu Nome é Gal consegue a proeza de mesmo assim parecer apressado, esquemático e vazio em praticamente todos os tópicos que pretende abordar.

Comandada por Dandara Ferreira (que dirigiu uma minissérie documental sobre a cantora) e Lô Politi (que co-dirigiu, ao lado de Anna Muylaert, o documentário Alvorada), esta cinebiografia tem início com a vinda de Maria da Graça Costa Penna Burgos (ou “Gracinha”, para os íntimos) ao Rio de Janeiro, em 1966, para tentar a sorte na Música ao lado dos amigos (também baianos) Caetano Veloso, Gilberto Gil e Maria Bethânia. A partir daí, o roteiro escrito pela própria Politi e por Maíra Bühler (responsável por A Vida Privada dos Hipopótamos) percorre uma linha do tempo que passa – superficialmente – pelo primeiro disco da artista (Domingo, em parceria com Caetano), pelo estouro de “Baby” (uma das músicas mais lindas que já ouvi), pela efervescência do movimento tropicalista, pelo agravamento da ditadura militar com o avanço dos atos institucionais e pelo grito contra a opressão “Divino, Maravilhoso” até culminar, em 1971, no icônico show “Fa-Tal – Gal a Todo Vapor”, que ajudou a consolidar a cantora como um dos principais bastiões da MPB e da Tropicália após os exílios de Caetano e Gil.

Durando brevíssimos 90 minutos, Meu Nome é Gal atravessa cada etapa de sua narrativa com a velocidade de quem busca assinalar o mais rápido possível todos os itens de uma checklist e se livrar das tarefas o quanto antes, não se preocupando em trazer o mínimo de profundidade a cada assunto que discute. Com isso, o filme jamais consegue evocar, por exemplo, o peso e a tensão do período histórico que retrata, já que todo o contexto da ditadura militar surge tangencialmente, mostrando pouco da repressão contra a qual os personagens tanto se opõem e, assim, diluindo o impacto das ações destes. Para piorar, esta pressa acaba eliminando qualquer resquício de coesão que poderia haver entre um fato histórico e outro, já que, na ânsia de finalizar logo um capítulo da vida de Gal a fim de partir para o próximo, o longa se esquece de articular uma transição orgânica entre ambos – um problema que a montagem de Eduardo Gripa e Eduardo Serrano agrava ao frequentemente cortar de uma cena à outra de maneira tão brusca que num instante a protagonista está no Rio de Janeiro e, alguns minutos depois, ela está… bem, voltando ao Rio de Janeiro como se o tivesse deixado por meses.

Mas o pior, contudo, é que esta afobação da narrativa a faz passar por cima de todo o processo que levou os artistas a criarem suas obras e, principalmente, da reação por estas angariada – tanto é que, quando Caetano diz que João Gilberto considera Gal “a maior cantora do Brasil”, meu impulso foi o de responder “Ué, quando, já que o filme nem tocou no assunto?”. Da mesma forma, se numa cena os dois estão gravando “Coração Vagabundo” num estúdio, na outra o álbum que contém a música já foi lançado há semanas, vendeu sei lá quantas cópias e os cantores já discutem os próximos passos de suas carreiras – mas a repercussão em si não é vista nem por um vislumbre (algo que se aplica até mesmo aos trabalhos seguintes, que bombaram de fato). A consequência disso, portanto, é que em momento algum sentimos o impacto que a artista causou sobre legiões de ouvintes e gerações de fãs, o que é um erro crasso. Como se não bastasse, o roteiro é trapaceiro ao incluir, nos cinco minutos finais, um rápido diálogo entre Gal e sua mãe no qual discutem a ausência do pai da protagonista – sendo que, nos quase 90 minutos que vieram antes, não houve qualquer menção ao sujeito e muito menos qualquer indício de que isso fosse um problema, sacando de última hora um draminha barato como se nele o público estivesse investido desde o princípio.

O mesmo se aplica a toda a abordagem que o projeto confere ao tropicalismo, esvaziando as ambições políticas e estéticas do movimento a ponto de fazer seus integrantes soarem como adolescentes megalomaníacos e resumindo suas motivações a um instante ligeiro em que Caetano, entusiasmado, brada palavras-chave como “Cinema Novo! Tropicália! Guitarra elétrica!” (claro que o filme ignora completamente o fato de Gilberto Gil, num primeiro momento, ter sido contra a guitarra elétrica a ponto de participar da infame marcha contra o instrumento, mudando corretamente de posição logo depois). Também não ajuda muito o fato de o Caetano de Rodrigo Lelis ser simplesmente insuportável – o que, vale apontar, não é culpa do ator, que fica preso a uma caricatura aborrecida e unidimensional que jamais apresenta, afinal, os motivos que fizeram (e ainda fazem) gerações inteiras se afeiçoarem ao cantor. Enquanto isso, o Gil de Dan Ferreira e a Bethânia da própria Dandara Ferreira atravessam a narrativa sem nunca esboçarem personalidade ou densidade dramática, sendo reduzidos a muletas narrativas que surgem aqui e ali para dar um suporte rápido ao arco de Gal – o que, ainda assim, é muito se comparado a Lélia, namorada de Gal que, interpretada por Elen Clarice, é praticamente uma não-personagem, já que sua personalidade basicamente inexiste.

Por sorte, Meu Nome é Gal é ancorado por uma performance central eficiente e que o impede de sucumbir por completo: fazendo o possível para contornar a superficialidade e as lacunas do arco de sua personagem, Sophie Charlotte é hábil ao superar o obstáculo de ser fisicamente tão diferente da Gal original – e, se no início tive certa dificuldade em enxergá-la como a cantora, aos poucos fui naturalmente conquistado pelo trabalho da atriz, que captura bem o sotaque, a cadência suave da fala e a postura introspectiva, mas despojada, da biografada. Da mesma maneira, a intérprete confere graça, vulnerabilidade e até certa inocência à sua versão de Gal (ao ouvir de Bethânia que é “a voz mais linda do universo”, ela se encolhe e deixa escapar um sorrisinho tímido) sem, com isso, diluir sua força e intensidade, tornando-a irresistível ao seu próprio modo – e, quando tem a oportunidade de cantar com sua própria voz, a atriz demonstra um domínio notável sobre o ato. Por outro lado, nos momentos em que decidem “dublar” Charlotte (colocando, no lugar de sua voz, as versões originais das músicas de Gal), os resultados revelam-se desastrosos, falhando pavorosamente no lip sync (leia-se: na tentativa de sincronizar o áudio das canções e o movimento dos lábios da atriz) e, pior, escancarando as diferenças óbvias entre as duas vozes.

Dito isso, não tenho como negar que alguns momentos de Meu Nome é Gal me causaram um arrepio aqui e um nó na garganta ali – como ocorreu, por exemplo, na sequência em que a protagonista canta “Baby” pela primeira vez (e a relação de Gal com a música em si é ilustrada de forma eficiente pelas diretoras, com a cantora entrando num transe à medida que o instrumental cresce, as ordens do produtor chato ao lado cessam e chega o instante de seu vocal entrar em ação). Mas aí está: a emoção que senti ali se deve única e exclusivamente ao afeto prévio que há anos tenho construído pela canção – e não a qualquer mérito que o filme em si possa ter. Além disso, a falta de energia das cineastas aos recriarem a apresentação de “Divino, Maravilhoso” no Festival da Record é imperdoável, suprimindo totalmente a catarse representada pelo momento ao filmarem-no através de dois/três planos abertos que mal se movem, pouco se intercalam e duram vários segundos (não há dinamismo algum na montagem aqui).

Assim, de todos os pecados que esta cinebiografia poderia cometer – e comete vários –, o maior e mais… fatal (com o perdão do trocadilho) é, sem dúvida alguma, falhar em transmitir para o espectador o alcance, a grandeza e o significado de Gal Costa para todo o imaginário nacional. É uma pena; minha cantora brasileira favorita merecia infinitamente mais.

Visto durante o Festival do Rio 2023.

Assista também ao vídeo que gravei sobre o filme:

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