Mussum

Título Original

Mussum – O Filmis

Lançamento

2 de novembro de 2023

Direção

Silvio Guindane

Roteiro

Paulo Cursino

Elenco

Ailton Graça, Yuri Marçal, Thawan Lucas, Cacau Protásio, Neusa Borges, Édio Nunes, Angelo Fernandes, Cinara Leal, Luiza Rosa, Késia Estácio, Jeniffer Dias, Nando Cunha, Vanderlei Bernardino, Gero Camilo, Felipe Rocha, Gustavo Nader, Christiano Torreão, Eduardo Lago, Stepan Nercessian, Augusto Madeira, Sérgio Loroza, Flávio Bauraqui, Larissa Luz, Clarice Paixão, Paulo Mathias Jr., Wilson Simoninha, Ícaro Silva, Mary Sheila, Alan Rocha, Hugo Germano, Lelé, Kadu Costa, Udylê Procópio, Angelo Emmanuel, Deiwis Jamaica, Reinaldo Junior, Remo Rocha, Edmilson Barros, Gillray Coutinho e Mussunzinho

Duração

122 minutos

Gênero

Nacionalidade

Brasil

Produção

André Carreira

Distribuidor

Paris Filmes / Downtown Filmes

Sinopse

A trajetória de vida de Antônio Carlos Bernardes Gomes, indo muito além do Mussum que o grande público conhece: a infância pobre, a carreira militar, a relação com a Mangueira, o sucesso com os Originais do Samba, além de bastidores d’Os Trapalhões.

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Mussum – O Filmis | Crítica

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Quis o destino que eu assistisse a Mussum – O Filmis um dia depois de conferir Meu Nome é Gal – e o contraste entre as duas cinebiografias não poderia ser mais notável: se a de Gal Costa desaponta por abordar a vida da cantora de forma apressada, esquemática e superficial, a do membro mais querido dos Trapalhões revela-se hábil ao evocar totalmente espírito simples, bem-humorado e doce do humorista. Com isso, até mesmo o espectador que não cresceu nos anos 1970/1980 e não acompanhou ao vivo a carreira do biografado (como é o meu caso) chega ao fim deste filme entendendo perfeitamente quem foi Mussum e, mais importante, porque ele é popular a ponto de ressoar até hoje no imaginário brasileiro.

Escrito por Paulo Cursino (um roteirista do qual definitivamente não costumo gostar, mas que aqui faz um trabalho competente), Mussum – O Filmis encobre cerca de 50 anos da vida do carioca Antônio Carlos Bernardes Gomes, percorrendo todos os momentos-chave de sua trajetória: a infância carente no Morro da Cachoeirinha; o início do gosto por samba (que se dá através de uma inspirada ponta de Serjão Loroza); a relação às vezes difícil, mas sempre repleta de afeto, com sua mãe; as escapadas do serviço militar para tocar reco-reco junto ao seu grupo, os Originais do Samba (maravilhosos, por sinal); a descoberta inusitada de seu talento para a comédia e, claro, as oportunidades de contracenar na tevê com monstros sagrados como Grande Otelo e Chico Anysio – que o tornaram nacionalmente conhecido e pavimentaram o caminho que o levou, em 1974, a integrar os Trapalhões ao lado de Renato “Didi” Aragão, Dedé Santana e Zacarias.

Não que o longa seja perfeito ao tentar condensar tudo isso em 122 minutos de projeção: é sintomática, em especial, a rapidez com que o roteiro passa por alguns capítulos cruciais da vida do protagonista, costurando de forma desajeitada a transição entre alguns destes – e o exemplo mais fatal ocorre ainda no primeiro ato, quando o jovem Mussum recebe a notícia de que sua companheira perdeu o bebê e o filme, em vez de enfocar as consequências emocionais que a tragédia surtiu no sujeito, resolve subitamente avançar para vários anos depois, atenuando o impacto daquele drama. Neste sentido, Mussum – O Filmis acaba não resistindo a algumas armadilhas típicas das cinebiografias, que custam a conseguir resumir décadas de História em apenas duas horas e, ao mesmo tempo, trazer profundidade a cada momento que reconstituem. Além disso, embora a recriação dos Trapalhões seja divertida e provoque um quentinho no coração, o fenômeno do grupo em si (e a manutenção de seu sucesso meteórico por quase duas décadas) é abordado apenas brevemente pelo filme, ao passo que a relação entre Mussum e suas namoradas/esposas é repassada de maneira tão apressada (provavelmente para evitar maiores controvérsias acerca do assunto) que torna-se confusa a demarcação entre o fim de um relacionamento e o início de outro.

Dito isso, o que torna Mussum – O Filmis acima da média das cinebiografias é o imenso afeto que o projeto esbanja pela memória do humorista, resgatando o alto astral de Mussum de forma tão certeira que fica explícito, em cada minuto de projeção, o inconteste carinho que toda a equipe de produção nutre pelo biografado. Marcando a estreia do ator Silvio Guindane na direção, o filme pode até não ser particularmente ambicioso ou sofisticado na maneira com que encena os diálogos e as situações que retrata (se restringindo frequentemente a uma abordagem visual burocrática, sem muita imaginação), mas, por outro lado, isso é mais do que compensado por todas as boas escolhas tomadas pelo cineasta, que encontra um equilíbrio perfeito entre o bom humor característico de Mussum (que funciona por evocar a energia expansiva e intensa da persona do protagonista) e os momentos dramáticos (que, por sua vez, provêm justamente da doçura e da simplicidade do sujeito ao reagir ao mundo que o cerca).

Igualmente eficaz é a decisão de pontuar cada início de “capítulo” da narrativa com recriações de diferentes esquetes dos Trapalhões, mantendo presente, ao longo de toda a projeção, a memória daquelas performances televisionadas e estabelecendo-as como o centro de tudo que veremos a seguir (aliás, a direção de arte de Rafael Targat e os figurinos de Cássio Brasil são impecáveis ao recuperarem as cores vivas e lúdicas daquelas produções). Além disso, o filme é hábil ao trazer atores conhecidos revivendo figuras icônicas da cultura brasileira (Gero Camilo como Didi, Felipe Rocha como Dedé, Gustavo Nader como Zacarias, Larissa Luz como Elza Soares, Vanderlei Bernardino como Chico Anysio, Nando Cunha como Grande Otelo, Ícaro Silva como Jorge Ben, Flávio Bauraqui como Cartola, Wilson Simoninha como Garrincha, Augusto Madeira como Boni, etc) sem que estas soem como caricaturas grosseiras.

Mas é impossível analisar uma cinebiografia sobre Mussum sem discutir… o próprio – e, assim, é um alívio perceber que os três atores que encarnam Antônio Carlos Bernardes Gomes não poderiam ser mais eficientes nas respectivas fases do protagonista: se o pequeno Thawan Lucas empresta uma energia aventureira que é constantemente embarreirada por sua doçura e pela disciplina imposta pela mãe (já plantando alguns dos traços de personalidade mais conhecidos de Mussum desde o começo de sua trajetória), o comediante Yuri Marçal conduz uma transição orgânica entre aquela criança e sua versão adulta, adicionando meiguice, mas também certa malandragem ao jovem sambista. No entanto, é mesmo Aílton Graça quem rouba o filme para si: interpretando o humorista em sua segunda metade de vida, o ator surge numa performance cujo brilhantismo reside em capturar a simplicidade e, em especial, a vulnerabilidade de Mussum – algo que fica evidente já nos primeiros cinco minutos de projeção, quando o intérprete salta de uma engraçada reencenação de uma esquete dos Trapalhões a um encontro dramático com sua mãe hospitalizada (e seu choro, na cena em questão, exala não só a dor, mas o desespero de alguém que pela primeira vez se depara com a possibilidade real de perder o elo de ligação mais forte que já constituiu). Da mesma forma, se por um lado os berros, as caretas e a fisicalidade de Graça fazem jus aos dotes cômicos de Mussum, por outro sua postura recolhida, seu tom de voz manso e sua constante gagueira denotam uma insegurança que torna o biografado ainda mais humilde e mundano do que já seria – o que é perfeito, pois reforça a ideia de Mussum como um sujeito “comum”.

O que nos traz, portanto, ao centro narrativo e emocional do longa: a relação entre o protagonista e sua mãe, dona Malvina. Evitando o erro mais gritante de Meu Nome é Gal, que saltava bruscamente entre momentos aleatórios da cantora sem se preocupar em amarrá-los minimamente, o roteiro de Paulo Cursino é engenhoso ao estabelecer o carinho de Mussum pela mãe como a base de toda a narrativa, como o aspecto fundamental que costura cada cena do começo ao fim. Mas o mais importante é perceber como a dinâmica entre Mussum e Malvina é construída de modo inteligente, explorando as forças/fragilidades de ambos e mostrando como as virtudes de um(a) enriquecem as do(a) outro(a) – e um dos exemplos mais tocantes disso encontra-se na linda sequência em que o pequeno Mussum ensina a mãe, analfabeta, a escrever o próprio nome, trazendo Cacau Protásio numa performance comovente que combina a veemência de uma mãe rigorosa e a delicadeza motivada pelo amor ao filho. O mesmo se aplica a Neusa Borges, que interpreta Malvina já idosa e que incute nela um calor sentimental tão intenso que torna-se fácil, para o espectador, partilhar do afeto que Mussum demonstra a ela num momento-chave do terceiro ato.

Encerrando com um discurso motivacional que tinha tudo para terminar esquemático e artificial, mas que, sob a direção de Silvio Guindane e nas palavras de Ailton Graça (que chega a olhar diretamente para a câmera – leia-se: para o espectador), acaba soando quase como um apelo extrafílmico para que os jovens espectadores negros e de periferia não deixem a estrutura racista da sociedade frear seus sonhos, Mussum – O Filmis se apresenta como uma grata surpresa em um subgênero que tem apostado cada vez mais no lugar-comum. E mais: revela um coração tão imenso que eu… chorei.

E se tem algo que eu realmente não esperava, era chorar em um filme sobre Mussum.

Visto durante o Festival do Rio 2023.

Assista também ao vídeo que gravei sobre o filme:

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