O Rei Leão

Título Original

The Lion King

Lançamento

18 de julho de 2019

Direção

Jon Favreau

Roteiro

Jeff Nathanson

Elenco

JD McCrary, Donald Glover, James Earl Jones, Shahadi Wright Joseph, Beyoncé, Chiwetel Ejiofor, Billy Eichner, Seth Rogen, John Oliver, Alfre Woodard, John Kani, Penny Johnson Jerald

Duração

118 minutos

Gênero

Nacionalidade

EUA

Produção

Jon Favreau, Jeffrey Silver, Karen Gilchrist

Distribuidor

Disney

Sinopse

Simba (Donald Glover) é um jovem leão cujo destino é se tornar o rei da selva. Entretanto, uma armadilha elaborada por seu tio Scar (Chiwetel Ejiofor) faz com que Mufasa (James Earl Jones), o atual rei, morra ao tentar salvar o filhote. Consumido pela culpa, Simba deixa o reino rumo a um local distante, onde encontra amigos que o ensinam a mais uma vez ter prazer pela vida.

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O Rei Leão (2019) | Crítica

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(Obs.: esta crítica traz spoilers da animação de 1994 – o que, na prática, significa que também traz spoilers desta refilmagem. Se bem que, a esta altura do campeonato, acho que é simplesmente impossível alguém não saber o que acontece no filme, certo?)

O novo O Rei Leão está para a animação de 1994 assim como o Psicose de Gus Van Sant está para o clássico de Alfred Hitchcock: você reconhece diversos momentos que poderiam ser considerados geniais caso não fossem uma mera reprodução de algo feito no passado e, sempre que está prestes a aplaudi-los, percebe que os méritos devem ser creditados não à nova versão, mas à original. Sim, há várias sequências nesta refilmagem que fazem o espectador sentir-se satisfeito e entretido com o que está vendo, porém o encantamento provocado por estas cenas se deve mais à nostalgia do público pelo desenho de Roger Allers e Rob Minkoff do que ao trabalho de Jon Favreau aqui. É como se, no lugar de sua “alma”, o filme trouxesse apenas uma foto antiga e amarelada de Rafiki erguendo Simba na abertura d’O Rei Leão original, sem perceber que a nostalgia nem sempre é o suficiente para que um projeto dê certo.

Aliás, é até injusto dar crédito ao trabalho do roteirista Jeff Nathanson (Velocidade Máxima 2 e Piratas do Caribe 5 – pois é), já que o que ele faz aqui nada mais é do que reciclar o mesmo roteiro que Irene Mecchi, Jonathan Roberts e Linda Woolverton escreveram em 1994, chegando ao ponto de repetir não só os acontecimentos e a estrutura narrativa do original, mas exatamente os mesmos diálogos. Assim, qual o sentido de resumir aqui a trama desta nova versão, como se alguém não soubesse do que se trata? Não houve nenhuma mudança: após o rei Mufasa ser assassinado por seu irmão Scar, o príncipe Simba foge da região de Pride Rock e deixa sua terra natal para ser governada pelo tio golpista e pelas hienas que chegaram para aterrorizar os animais que vivem ali. A partir daí, Simba conhece o suricato Timão, o javali Pumba e a filosofia do “Hakuna Matata”, que o faz crescer e se tornar um leão nem um pouco interessado em reivindicar o trono – isto é, até passar por uma breve jornada de autodescoberta que o leva a entender seu papel no “ciclo da vida”.

Amplamente divulgado pela Disney como uma refilmagem live-action do filme de 1994 (o que é mentira, já que praticamente tudo nesta nova versão foi criado através de computadores – e isto é mais do que o suficiente para caracterizá-la, sim, como uma animação), O Rei Leão escancara desde o início sua intenção de conferir uma abordagem fotorrealista à história criada por Allers e Minkoff. Neste sentido, é importante destacar o trabalho simplesmente impecável dos animadores da Disney: obtendo um resultado ainda mais impressionante do que em Mogli: O Menino Lobo, a equipe técnica responsável pela animação merece aplausos por tudo que foi realizado aqui, criando animais totalmente digitais, mas que sempre soam verdadeiros. Observem, por exemplo, a maneira como se movem, as texturas em seus corpos peludos, o impacto do vento em seus pelos, os restinhos de saliva em suas bocas e as sujeiras que vão se acumulando em suas patas – aliás, não acho exagero dizer que O Rei Leão pode representar uma revolução para Hollywood, que talvez tenha finalmente encontrado uma forma de incluir animais em seus filmes sem precisar arrancá-los de seu habitat natural.

Por outro lado, o simples fato de investir no fotorrealismo já estabelece um desafio imenso para o projeto, já que o desenho tem a vantagem de oferecer aos artistas a oportunidade de abraçar o cartunesco de um jeito que o live-action é simplesmente incapaz de permitir (algo que, inclusive, discuti recentemente em meus textos sobre Aladdin e Turma da Mônica: Laços). E, infelizmente, este é um desafio que O Rei Leão não consegue resolver: removendo praticamente todas as expressões dos rostos dos animais, a técnica fotorrealista impõe diversas limitações que, em termos de inventividade, fazem esta nova versão empalidecer diante da original. Assim, torna-se difícil sincronizar os movimentos labiais dos personagens e as falas que estão sendo recitadas pelo elenco de voice acting – e é particularmente estranho ouvir frases articuladas saírem do bico naturalmente rígido de um pássaro como Zazu, por exemplo. Mas o pior é quando Simba encontra seu pai, Mufasa, morto no chão e começa a chorar: por um lado, sua voz está chorosa; por outro, não há um único movimento em seu rosto, o que compromete o peso dramático da cena.

Isto, por sinal, é agravado pela direção de Jon Favreau, que se revela fria, burocrática e mesmo preguiçosa na maior parte do tempo – e esta talvez seja a grande decepção do projeto, já que Favreau não costumava ter problemas com isso em seus trabalhos anteriores. Aqui, no entanto, a abordagem do cineasta se mostra problemática ainda na sequência de abertura (ao som de “Circle of Life”), sendo particularmente frustrante como o momento em que Rafiki ergue o pequeno Simba no ar é enfocado através de meia dúzia de planos quase estáticos e distantes que soam pobres quando comparados à versão original (lá, a ação era mostrada através de planos que buscavam tratar os personagens como figuras imponentes e de vários cortes que faziam o ato em si parecer mais heroico). Além disso, a falta de imaginação de Favreau ao conduzir os números musicais não poderia ser mais patente, abandonando a iconografia nazista que tornava Scar tão assustador em sua apresentação de “Be Prepared” e substituindo as cores, o dinamismo e a graça das coreografias de “Hakuna Matata” pela simples imagem de Simba, Timão e Pumba… caminhando enquanto cantam pela floresta (e só).

Não que o novo O Rei Leão não tenha momentos que me encantaram: durante a apresentação de “I Just Can’t Wait to Be King”, por exemplo, me peguei sorrindo ao ver Simba e Nala correrem e cantarem uma música que me lembro de ter ouvido desde criancinha. Mas aí que está o problema: a minha empolgação veio não daquilo que o filme em si estava criando, mas da memória afetiva que eu tenho pela obra original – e o mérito disso pertence não a Jon Favreau, mas a Roger Allers e Rob Minkoff por um trabalho que fizeram há 25 anos. Não deixa de ser revelador, portanto, que os melhores momentos desta nova versão sejam justamente os poucos que se propõem a criar algo novo, como aquele que mostra a Nala adulta fugindo sorrateiramente do cárcere de Scar (e que ao menos tenta explicar a coincidência absurda de ela e Simba se esbarrarem por acaso no meio da floresta depois de tanto tempo) e, claro, a divertida piadinha que traz um antílope reagindo a uma certa pergunta de Simba.

Ainda assim, na maior parte do tempo, O Rei Leão é uma obra submissa à memória de outra infinitamente melhor, não se dando nem ao trabalho de tentar encontrar uma personalidade própria – e não, o fato de ser visualmente “fotorrealista” e de trazer um ou outro momento inédito não compensa a falta de imaginação geral do projeto. O que Jon Favreau e os executivos da Disney não parecem ter sido capazes de entender é que não se resgata a força de um clássico refilmando-o quadro a quadro, fazendo um simples “Ctrl C + Ctrl V” de todos os seus planos. Na verdade, quando algo assim ocorre, o que resta para o espectador é a impressão de estar assistindo a um artista ligar vários pontinhos uns aos outros até que estes formem a imagem de um desenho pré-determinado, sem jamais ilustrar nada por conta própria – o que, na prática, é exatamente o que Favreau faz aqui.

No fim das contas, há um momento específico que resume bem todos os problemas deste novo O Rei Leão: a morte de Mufasa (que, em 1994, foi tão chocante para as crianças daquela época quanto a morte da mãe de Bambi havia sido para as gerações anteriores). Aqui, quando o rei é atirado de um abismo por seu irmão e morre ao cair no chão, a reação de Simba é enfocada por Jon Favreau de maneira fria e distante, com a câmera mantendo-se relativamente longe da situação em si. E isto diz muito sobre o filme como um todo, que está o tempo todo tentando replicar a força do clássico lançado há 25 anos, mas sempre falhando em capturar sua “alma”.

Assista também ao vídeo que gravei sobre o filme:

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