Rivais é uma das experiências sensoriais mais intensas e excitantes que o Cinema revelou até agora em 2024 – e quando digo “excitantes”, entendam como quiserem. Dotado de uma energia flamejante que se mantém do início ao fim e se espelha nos três personagens que ancoram a narrativa, o novo trabalho do italiano Luca Guadagnino é não só uma grata surpresa, mas um alento em tempos em que Hollywood parece cada dia mais conservadora em sua maneira de abordar o sexo, o flerte e o desejo. Assim, em vez de esterilizar seus protagonistas como se os próprios conceitos de “prazer” e “libido” não existissem para eles, Guadagnino vai na contramão de seus contemporâneos norte-americanos e cria um longa que transborda tesão e que desperta sentimentos, digamos, flamejantes.
A propósito: Rivais é um filme sobre tênis.
Escrito por Justin Kuritzkes, o roteiro se divide em dois períodos distintos: no presente, acompanhamos uma partida de tênis entre Patrick e Art, ao passo que a esposa do segundo, Tashi, observa a disputa da plateia; já no passado, descobrimos aos poucos todo o desenrolar de um ardente triângulo amoroso que envolveu mágoas, frustrações e egos feridos, criando uma competitividade tóxica que atinge o ápice na partida que ocorre no presente – e, portanto, o título do projeto não se refere apenas a “rivais” de esporte, já que toda a dinâmica entre os tenistas ao longo dos anos os induz a se esforçarem e se destruírem apenas para se provarem.
Aliás, o primeiro aspecto que chama atenção em Rivais é sua estrutura narrativa, que é construída com inteligência por Guadagnino, Kuritzkes e pelo montador Marco Costa a fim de trazer graça, intensidade e, sim, sensualidade a um esporte corriqueiramente taxado de “chato”. Saltando cuidadosamente entre presente e passado, o longa acaba refletindo, com isso, a própria dinâmica de uma partida de tênis, com a cronologia da trama indo literalmente de um lado a outro, de lá para cá – e, à medida que as tacadas se deslocam e o “jogo” (leia-se: o filme) vai se aproximando do placar final, cada novo lance é desferido com ainda mais energia, já que as tensões vão se acumulando mais e mais. Mas não é só: ao iniciar a história no meio da partida e aos poucos descortinar as circunstâncias (de anos) que nela culminaram, a narrativa permite que o espectador comece encarando a disputa de modo totalmente impessoal e, a cada salto ao passado, descubra nuances novas que mudam/complementam sua percepção sobre o que ocorre no agora, aumentando progressivamente o envolvimento com aquele jogo à medida que entende as intrigas por trás.
No entanto, o que mais impressiona em Rivais é o tesão (sim, esta é a palavra certa) de Luca Guadagnino ao criar uma atmosfera constantemente provocativa mesmo sem lidar diretamente com o sexo em si – e, do início ao fim, a narrativa é pautada por uma tensão erótica que vem dos gestos mais minimalistas, pega fogo até escalonar e, sempre que parece prestes a chegar num clímax, é subitamente cessada, já que a intenção do filme é justamente provocar e testar os limites dele, de seus personagens e, sim, do espectador. Além disso, as escolhas estilísticas do diretor não poderiam ser mais eficazes ao tornarem a obra esteticamente sexy, tentadora, não hesitando em usar ao máximo possível câmeras lentas que flagram os jogadores a partir de ângulos sempre inesperados (como contra-zenitais que os convertem em figuras mitológicas, icônicas), planos subjetivos da bola de tênis (que mostram o ponto de vista desta ao ser raqueteada de um canto a outro) e a trilha sonora de Trent Reznor e Atticus Ross, que mergulha na música eletrônica e já nasce pronta para tocar em raves daqui para frente.
Reafirmando a versatilidade de Guadagnino ao criar projetos que, mesmo convergindo aqui e ali, não poderiam ser mais distintos uns dos outros (como comprovam o inesquecível Me Chame pelo Seu Nome e a ótima refilmagem de Suspiria), Rivais é elevado por três performances sólidas que funcionam por trazer humanidade ao triângulo amoroso: se Josh O’Connor e Mike Faist são hábeis ao ilustrar a imaturidade de Patrick e Art, posicionando-os como indivíduos incrivelmente manipuláveis um contra o outro justamente por serem tão frágeis, Zendaya transforma Tashi numa figura que devora cada ambiente que atravessa com a ferocidade necessária para dominá-los (ao vencer uma partida de tênis, sua forma de celebrar é rugindo como uma fera) e que exala uma personalidade intrigante a ponto de envolver os demais numa aura de mistério.
Em tempos em que o próprio público parece estar cedendo a um discurso cada dia mais conservador (a ponto de estimular plataformas de streaming a cogitarem o absurdo de criar um “botão para pular cenas de sexo” em filmes), Rivais acaba sendo um bem-vindo respiro por lembrar que o espectador pode ser levado a um estado de êxtase sem culpa. E só por demonstrar tamanha inteligência ao articular suas intensas sensações, o longa já merece atenção o bastante para se firmar, no mínimo, como um dos grandes destaques do ano.
Assista também ao vídeo que gravei sobre o filme: