Se a série X-Men não tivesse mostrado para os executivos de Hollywood que investir em filmes de super-heróis valia a pena, lá no começo dos anos 2000, provavelmente não veríamos várias obras que nos encantaram de lá para cá (Vingadores; O Cavaleiro das Trevas; Pantera Negra; etc). Isso sempre me fez respeitar muito a franquia, que, além disso, desde o início propôs discussões sociais ambiciosas e apresentou um padrão de qualidade que se manteve na maior parte dos capítulos seguintes. Dito isso, é inegável que os longas dos X-Men (excetuando-se, claro, os três Wolverine e os dois Deadpool) enfrentaram dificuldades notáveis em acompanhar a evolução dos super-heróis no Cinema, prendendo-se sempre à estética que Bryan Singer estabeleceu no começo da década passada – e mesmo quando Matthew Vaughn tentou revigorar o universo dos mutantes com o excelente Primeira Classe, rejuvenescendo o elenco e recontextualizando a história para a época da Crise dos Mísseis Cubanos, logo Singer voltou a assumir o comando da série e aos poucos recolocou tudo no mesmo caminho de antigamente.
Infelizmente, depois de despencar com o horroroso Apocalipse, a franquia X-Men comprova ter perdido suas energias, chegando a um desfecho decepcionante como este Fênix Negra – e se o filme em si não representa uma experiência particularmente insuportável, é porque o roteiro e a direção revelam-se medíocres demais para deixarem uma impressão muito forte. Para ser honesto, não consigo nem dizer que detestei o que vi, pois é difícil sentir algo tão intenso por um longa tão… inócuo (e a indiferença é uma das piores impressões que uma obra pode gerar).
Inspirado na famosa saga de quadrinhos escrita por Chris Claremont e ilustrada por John Byrne, o filme até começa de forma promissora, estabelecendo rapidamente o trauma de Jean Grey ao causar um acidente de carro quando ainda era criança e o momento em que Charles Xavier decidiu trazê-la para estudar na Escola para Jovens Superdotados. A partir daí, a trama avança para 1992, quando os X-Men já estão formados e finalmente conquistando o apoio da população, e mostra uma missão na qual os mutantes terão que salvar a vida dos sobreviventes de um desastre espacial – o que ninguém imaginava, no entanto, é que uma força cósmica pudesse dominar o corpo, a mente e os superpoderes de Jean Grey. Ao retornarem à Terra, os heróis percebem que a menina está tomando atitudes… estranhas, como se um lado sombrio tivesse sido desencadeado. É aí que Jean torna-se a tal Fênix Negra, ao passo que a alienígena Vuk também aparece para fazer… sei lá o quê.
Não é preciso muita atenção para perceber que criatividade está longe de ser o maior atributo deste filme: além de gerar em torno dos mesmos conflitos e arcos dramáticos que já foram vistos em todos os capítulos da série (Xavier é pacifista; Magneto é intransigente; os dois talvez tenham que lidar com suas discordâncias; a tolerância entre humanos e mutantes ainda está sendo conquistada; etc), o roteirista Simon Kinberg conta basicamente a mesma história que ele mesmo já havia contado em X-Men 3, com Jean Grey se transformando numa ameaça não só para os cidadãos comuns, mas para os próprios colegas. Mas a falta de originalidade nem é o maior problema; o que mais incomoda é a preguiça de Kinberg ao desenvolver a premissa, criando uma narrativa frouxa e que se desenvolve de maneira… simples, somente ligando uma situação à outra – e se a Fênix Negra é descrita apenas como uma “força cósmica poderosa“, sem oferecer nenhuma outra explicação para o que está acontecendo com Jean Grey, os conflitos estabelecidos pelo roteiro são resolvidos com uma facilidade que deixa tudo menos interessante.
Ainda mais superficial é Vuk, que, vivida por Jessica Chastain como uma vilã aborrecida e resumida a uma única expressão facial, revela-se unidimensional (suas motivações se limitam a querer “governar o universo”) e participa de um núcleo que soa deslocado da trama principal até chegar o terceiro ato – e quando sua importância para a narrativa é finalmente explicada, sentimos que já é tarde demais. Aliás, para um filme que gira em torno de uma equipe de super-heróis, Fênix Negra conta com personagens que raramente se destacam: não que Michael Fassbender, Jennifer Lawrence ou Nicholas Hoult façam um mau trabalho; o problema é que, a esta altura do campeonato, os atores simplesmente não têm mais o que fazer com seus papeis. (E percebam que nem mencionei Tye Sheridan, Alexandra Shipp, Kodi Smit-McPhee ou Evan Peters, já que Ciclope, Tempestade, Noturno e Mercúrio tornam-se figuras quase irrelevantes na história.) Por outro lado, Sophie Turner ao menos tenta retratar as dores e os conflitos internos de Jean Grey com alguma dignidade, ao passo que James McAvoy se define como um dos poucos atrativos que o filme tem a oferecer, evoluindo o jovem Xavier apresentado em Primeira Classe a ponto de encostar na versão de Patrick Stewart – e o mais interessante é perceber como, desta vez, o professor passa a exibir uma postura egocêntrica que frequentemente o leva a tomar atitudes questionáveis, tornando o personagem mais complexo.
Aliás, a arrogância de Xavier é tão importante que o roteiro de Kinberg faz questão de escancará-la a todo momento para o espectador, investindo em diálogos dolorosamente tolos que expõem o que se passa na cabeça dos personagens através de palavras curtas e óbvias – quando alguém sente que está mal, imediatamente diz “Estou me sentido mal“. Da mesma forma, se a direção falha em imprimir tensão, a trilha sonora de Hans Zimmer se esforça ao máximo possível para compensar o problema, praticamente berrando no ouvido do público “Olha como este filme é sombrio!” através de notas graves e temas pesadíssimos. Como se não bastasse, as discussões sociais que sempre tornaram X-Men uma franquia tão interessante são relegadas a duas ou três conversas ainda no primeiro ato, jamais voltando a desempenhar um papel importante na narrativa (algo que Kinberg busca contrapor a uma frase solta na qual Mística diz “Os homens estão sempre ganhando crédito pelo que as mulheres fazem; talvez devêssemos mudar o nome de X-Men para X-Women“, porém sem sucesso).
Marcando a estreia de Simon Kinberg na direção depois de anos roteirizando e produzindo os capítulos anteriores da franquia, Fênix Negra é uma obra esteticamente nula que parece ter saído do início dos anos 2000. Não que o trabalho de Kinberg seja desastroso; apenas… não se destaca de forma alguma, não conferindo qualquer tipo de personalidade ao projeto e limitando-se a fazer o que supõe que Bryan Singer faria em sua situação (digamos que, em vez de inventar um desenho completo, o cineasta apenas liga os pontinhos e atinge um resultado primário demais para ser levado em consideração). As sequências de ação, em especial, até são bem resolvidas de um ponto de vista geográfico, tornando sempre possível entender o que está acontecendo – o problema é que o que está acontecendo não tem a menor graça, resumindo-se a coreografias pobres e a efeitos visuais irregulares.
E quando chegamos ao terceiro ato e descobrimos que o clímax da história da Fênix Negra (e da saga X-Men, caramba!) se passará dentro de um trem, logo sentimos uma melancolia inequívoca. Afinal, é triste que uma das franquias que ajudaram a consolidar os filmes de super-heróis tenha chegado a uma conclusão tão apática.