Elvis (2)

Título Original

Elvis

Lançamento

14 de julho de 2022

Direção

Baz Luhrmann

Roteiro

Baz Luhrmann, Sam Bromell, Craig Pearce e Jeremy Doner

Elenco

Tom Hanks, Austin Butler, Helen Thomson, Olivia DeJonge, Richard Roxburgh, Chaydon Jay, Kelvin Harrison Jr., Cle Morgan, Shonka Dukureh, Xavier Samuel, David Wenham, Kodi Smit-McPhee, Luke Bracey, Dacre Montgomery, Leon Ford, Alton Mason, Yola Quartey, Gary Clark Jr., Natasha Bassett, Kate Mulvany, Josh McConville, Christopher Sommers, Nicholas Bell, Christian Kisando, John Mukristayo, Miles Burton, Gad Banza, Adam Dunn, Terepai Richmond, Patrick ShearerLiz Blackett, Liz Blackett, Afik Ahmed Pious e Mark Leonard Winter

Duração

159 minutos

Gênero

Nacionalidade

EUA

Produção

Baz Luhrmann, Gail Berman, Catherine Martin, Patrick McCormick e Schuyler Weiss

Distribuidor

Warner Bros.

Sinopse

Desde sua ascensão ao estrelato, o ícone do rock Elvis Presley mantém um relacionamento complicado com seu enigmático empresário, Tom Parker, por mais de 20 anos.

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Elvis | Crítica

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Pode ser que eu esteja completamente enganado (e, por favor, me corrijam se for o caso), mas tenho a impressão de que as gerações mais recentes – em particular, a minha – tem maior familiaridade com a imagem de Elvis Presley do que necessariamente com sua obra. Não há uma única pessoa em quaisquer dos quatro cantos do mundo (e em qualquer momento dos últimos, digamos, 50 anos) que não conheça o ícone que penteava o cabelo oleoso para cima, vestia roupas espalhafatosas e coloridas com golas enormes, usava maquiagens pesadas na região dos olhos, se revelava uma verdadeira força da Natureza quando subia nos palcos, terminou sua carreira apresentando-se no hotel mais luxuoso de Las Vegas, inspirou o surgimento de uma infinidade de sósias que até hoje se apresentam (e casam namorados bêbados) naquela cidade e morreu aos 42 anos de forma tão inesperada que motivou uma série de teorias conspiratórias acerca de sua partida, sendo a mais famosa, claro, justamente aquela que nega sua morte.

Até aqui, nada que ninguém não saiba. Mais difícil, contudo, é encontrar uma quantidade proporcional de pessoas que saiba de cor todas as minúcias das canções de Elvis ou que tenha se aprofundado nos detalhes sobre o indivíduo que as compôs. Todos conhecem a lenda, mas nem todos sabem muito sobre o ser humano.

O que, sejamos francos, não é exatamente uma surpresa, já que desde o princípio houve um esforço inquestionável por parte de todo o contexto ao redor de Elvis Presley – principalmente no que diz respeito às ações de seu empresário, o “coronel” Tom Parker – para transformá-lo não só em um artista de renome, mas em um produto (esta é a palavra-chave) extremamente rentável cujo nome e sobrenome representariam marcas poderosas por si só. É preciso ser louco para negar ou fazer pouco dos múltiplos talentos de Elvis, de fato, mas também não dá para fingir que não houve um trabalho incessante e milimétrico para convertê-lo em uma mercadoria de grife – mesmo que isto significasse sugar todas as energias humanas daquele indivíduo em prol do show business e eventualmente custasse a vida (simbólica e/ou literal).

Neste sentido, a primeira decisão curiosa tomada pelo australiano Baz Luhrmann (Romeu + JulietaMoulin Rouge!O Grande Gatsby) ao recapitular toda a história de Elvis é também aquela que julgo mais importante para compreender, de antemão, o êxito desta cinebiografia: narrar a trajetória do personagem-título sob a ótica não deste, mas de Tom Parker em seu leito de morte (vinte anos após a partida do próprio Elvis). A partir daí, fica claro que o objetivo do filme é o de propor uma leitura “de fora para dentro” sobre a mística criada em torno do “rei do rock” (alcunha que o próprio rejeitava – e rejeita em dado momento do longa: “Nah, não é para tanto”), se estabelecendo menos como uma celebração do artista que foi Elvis Presley e mais como uma análise criteriosa sobre uma série de problemáticas industriais e sobre o fenômeno midiático que se construiu ao redor do biografado.

Claro que, só por tomar a decisão de repassar em poucas horas todos os pontos-chave da trajetória do cantor, Elvis não deixa de atender a algumas das principais convenções das cinebiografias, servindo como apanhado geral de tudo que ocorreu na vida do personagem-título. A diferença é que, ao contrário de obras como The Dirt, Bohemian Rhapsody e/ou Judy (que se resumiam a coletâneas episódicas de “melhores momentos” de seus biografados), Elvis é um longa que aproveita seus 159 minutos de duração para abordar com cuidado cada etapa da trajetória artística do protagonista e reforçar a importância que cada uma teve ao contribuir para a criação do ícone que viria a se eternizar no imaginário popular, passando por sua infância no interior de Mississippi, por seu primeiro contato com a Música negra, por sua primeira aparição pública (já denotando suas inspirações em rhythm and blues, country, gospel, etc), pelas razões que facilitaram sua ascensão em detrimento de seus colegas negros (quando Tom Parker ouve Elvis tocar no rádio e lhe comunicam que este é branco, ele diz “Ele é branco… ele é branco”, com os olhos arregalados de quem sabe que encontrou uma mina de ouro) e pelos pretextos racistas, conservadores e moralistas utilizados para acorrentá-lo (os políticos alegavam que os movimentos que ele fazia com a pélvis “remetiam a danças negras” e representavam uma “libertinagem” contra a “família tradicional cristã blábláblá”).

Com isso, Elvis compreende os contextos que motivaram o surgimento do artista, admite que as ambições artísticas do sujeito eram legítimas (de sua paixão por Música ao sonho de tornar-se um ator do calibre de James Dean), mas não deixa de reconhecer todas as conjunturas sociais, políticas e, sim, mercadológicas que o favoreceram em detrimento de vários outros cantores contemporâneos tão formidáveis quanto (ou melhores), jamais tentando enganar o espectador com relação a nada nem tentando convencê-lo de qualquer pioneirismo que Elvis Presley possa ter tido (não teve). Em outras palavras: é uma biografia madura o suficiente para reconhecer que boa parte das conquistas de seu biografado vieram menos de seu talento e mais da estrutura de merchandising (para usar um termo que o próprio Tom Parker cunha em dado momento do longa) que se aparelhou ao seu redor. (Dito isso, é claro que podemos questionar a decisão do projeto de tratar praticamente todos os rumos tomados por Elvis em sua carreira como escolhas tomadas por Tom Parker, numa tentativa de “limpar a barra” do cantor a fim de pintá-lo sempre como um menino ingênuo e manipulado – quando, na verdade, não foi bem assim.)

Adotando um caráter sombrio e fatalista simplesmente ao começar a narrativa com Elvis já morto (ou prestes a entrar em colapso e tendo que se drogar para poder subir aos palcos), regressando quase 40 anos no passado a partir dali e, com isso, criando no espectador a expectativa de que acompanhará uma história melancólica nas duas horas e meia seguintes, Elvis é uma cinebiografia que admite os aspectos trágicos da vida de seu biografado e evita ceder à tentação de assumir-se como uma hagiografia – o que, porém, não impede Baz Luhrmann de empregar elementos hagiográficos para pintar pontualmente Elvis como uma figura divina (“larger than life”, como costuma-se dizer em inglês), não sendo à toa que seu primeiro contato (ainda criança) com o gospel se dê em uma cena retratada pelo diretor como um momento de real epifania e que seus shows representem catarses gerais. Pois são justamente estes instantes (de novo: pontuais) de magnitude que acabam reforçando ainda mais o impacto da decadência que veremos lá na frente e, especialmente, a melancolia e a sobriedade do terceiro ato.

Porém, o mais fascinante é perceber como, mesmo abraçando e assumindo os aspectos trágicos e sombrios da trajetória de seu biografado, Elvis ainda assim consegue ser uma obra que funciona perfeitamente bem como puro espetáculo – o que, obviamente, se deve ao cineasta por trás do projeto e que agora percebo que sempre foi o indivíduo perfeito para comandar uma biografia sobre este artista específico. Diretor que desde o início se mostrou interessado em modernizar e avançar com a linguagem do gênero “musical” em vez de manter-se estagnado no saudosismo e nas mesmas convenções de décadas atrás, Baz Luhrmann é dono não só de uma carreira geralmente regular (ignoremos Austrália, ok?), como também de uma assinatura estilística grandiosa e inconfundível que se entrega abertamente ao exagero proposital, à artificialidade de suas composições e, principalmente, à estilização constante, rechaçando qualquer traço de realismo na maioria de suas obras – e a explosão de cores e glitter, a computação gráfica escancarada, a união de músicas clássicas e modernas, as atuações dedicadas ao excesso e a montagem repleta de dinamismos (as telas divididas, as silhuetas dos personagens que atravessam o quadro recortadas, etc) são marcas registradas que, convenhamos, tornam Luhrmann mais do que qualificado para dirigir uma cinebiografia sobre um cara que, afinal, era notório por sua persona exuberante, caricata e carregada de parafernalhas.

O mais notável, contudo, é perceber que o dinamismo de Elvis jamais sacrifica o conteúdo emocional que abriga em sua narrativa – e, ao contrário do que ocorria em Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo, a velocidade do filme de Luhrmann (costurada pela excepcional montagem de Matt Villa e Jonathan Redmond) nunca subtrai o impacto ou a densidade das passagens dramáticas da história. Em vez disso, porém, ela mostra-se indispensável para construir, em especial, o frenesi que toma conta das apresentações ao vivo de Elvis: sempre que o protagonista sobe ao palco, a impressão que temos é a de que o filme acompanha o ritmo de sua dança, sincronizando os cortes às batidas e alternando entre planos-detalhe (pélvis do cantor) e gerais (plateia reagindo ao astro no palco), entre câmeras lentas e planos em velocidade normal, em questão de poucos segundos. Em outras palavras: é como se Luhrmann e os dois montadores se remexessem junto com Elvis Presley, sendo tomados por sua energia e, por consequência, contagiando o público também.

Interessante em sua decisão de incluir músicas claramente produzidas após o surgimento de Elvis (Beatles, Doja Cat, Eminem) a fim de situar a influência que este viria a ter para a posteridade, este é um daqueles filmes que podem ser elevados ou afundados dependendo do desempenho de seu intérprete principal – e, neste sentido, é um alívio constatar que o jovem Austin Butler (Era uma Vez… em Hollywood) não poderia ter se saído melhor nesta empreitada: embora favorecido por maquiagem, penteado e figurinos que o ajudam a se aproximar do visual do Elvis original, Butler se recusa terminantemente a cair na tentação comum de criar uma imitação barata e cartunesca das características do artista biografado (cof-cof-Rami Malek-cof-cof), preferindo, em vez disso, ir além das meras aparências e absorver os tiques, maneirismos e inflexões específicas do “rei do rock” a fim de compor um ser humano, algo que acreditamos ser o que Elvis era nos bastidores ou em sua vida pessoal. Enquanto isso, Tom Hanks tem a rara oportunidade de encarnar um personagem desprezível, sendo curiosa a sensação de detestar um sujeito interpretado pelo ator – e até a maquiagem pesadíssima aplicada nele acaba funcionando dentro da lógica estilizada do projeto (e de toda a carreira de Luhrmann).

Praticamente elevando a linda “Can’t Help Falling in Love” aos status de música-tema do filme, já que não só é a canção mais tocada – e regravada – ao longo da projeção como também é a que mais desempenha funções narrativas (em especial, a de “comentar” certas passagens dramáticas), Elvis é uma obra que, ao mesmo tempo em que contagia pela energia intensa e quase sobrenatural do personagem-título, é também sombria ao mostrar como que, por baixo daquelas roupas exuberantes, havia vida e identidade inteiras sendo sugadas ao longo de quase três décadas – e às custas do sucesso mais de sua aparência que de sua obra.

E se tem uma imagem que definitivamente não esquecerei tão cedo (mesmo em um filme recheado de momentos tão enérgicos), é a de Elvis nos anos finais de sua trajetória, no fundo de uma limusine cinzenta, despedindo-se da esposa e da filha pela última vez. Pois após anos de um artista repleto de intensidade e dinamismo, o que sobrou no fim das contas foi uma casca extravagante por fora, mas vazia e sem esperanças por dentro.

Obs.: a convite dos queridos Tiago Maia e Larissa Paiva, participei de um episódio do Supercuts Podcast sobre o filme – episódio este que pode ser ouvido aqui.

Assista também ao vídeo que gravei sobre o filme:

***

(Lembre-se: a pandemia não acabou. Se for sair de casa e ir ao cinema, siga todos os cuidados sugeridos pelas organizações sérias de Saúde e, mais importante, vá ao posto tomar sua vacina. Se já tomou a primeira dose, tome a segunda. Se já tomou a segunda, tome a terceira. E se já chegou a vez de tomar a quarta, tome a quarta – se ainda não chegou, espere e vá assim que ela estiver disponível. É triste ter que escrever isto, mas… não escute o atual presidente da República ou mesmo seu ministro da Saúde: vacine-se e proteja-se. #ForaBolsonaro)

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