Godzilla Minus One

Título Original

Gojira Mainasu Wan

Lançamento

14 de dezembro de 2023

Direção

Takashi Yamazaki

Roteiro

Takashi Yamazaki

Elenco

Ryunosuke Kamiki, Minami Hamabe, Yuki Yamada, Munetaka Aoki, Hidetaka Yoshioka, Sakura Ando, Kuranosuke Sasaki, Sae Nagatani, Mio Tanaka e Yuya Endo

Duração

125 minutos

Gênero

Nacionalidade

Japão

Produção

Minami Ichikawa, Shūji Abe, Kenji Yamada, Kazuaki Kishida, Gō Abe e Keiichirō Moriya

Distribuidor

Sato Company

Sinopse

Devastado pela guerra, o Japão enfrenta uma nova crise na forma de um monstro gigante, o Godzilla.

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Godzilla Minus One | Crítica

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Há uma razão clara por que Hollywood nunca conseguiu – nem conseguirá – produzir um filme sobre Godzilla que evoque o terror e o impacto da criatura com a mesma eficácia que os japoneses que o criaram: concebido como uma alegoria explícita ao trauma daquele povo depois dos bombardeios a Hiroshima e Nagasaki (um dos maiores crimes de guerra da História), o lagartão da Toho é, desde o Gojira original de 1954, uma materialização das dores e tragédias que o Japão carregará consigo até o fim dos dias e que será ressignificado a partir de sua própria cultura. Não dá para esperar, portanto, que o polo cinematográfico dos Estados Unidos – ou seja: justamente do lado que lançou as bombas atômicas – terá a sensibilidade para tratar de um símbolo como Godzilla com a mesma precisão histórica que os japoneses (algo que discuti brevemente em meu texto sobre Oppenheimer, no qual defendi que a decisão de Christopher Nolan de não reencenar os ataques a Hiroshima e Nagasaki era a melhor possível).

Tomemos, como exemplo, este Godzilla Minus One: 33º capítulo da franquia produzida pela Toho (37º, se considerarmos as adaptações norte-americanas), o longa dirigido por Takashi Yamazaki encara as várias destruições causadas por Godzilla não como algo “divertido” ou “empolgante”, mas como passagens simultaneamente sombrias, assustadoras e… tristes – uma decisão que funciona por evocar de imediato a mesma atmosfera sufocante que tanto enriqueceu o filme de 1954 e, com isso, incutir na criatura todo o peso histórico do contexto pós-guerra que a motivou. Assim, cada morte provocada por Godzilla (seja ao ser pisoteada por este, seja ao ser desintegrada por seu raio atômico) carrega consigo um impacto particular, representando uma tragédia à parte em vez de soar como mais um figurante sumindo em meio ao caos. Da mesma forma, quando os prédios e monumentos atacados pelo monstro vêm abaixo, os personagens ao redor reagem com a dor de quem está presenciando o colapso dos maiores patrimônios culturais de sua nação, com seus significados e tradições de longa data chegando a um trágico fim (ao descrever a devastação do Teatro Nipon, um repórter diz: “… um amado ícone do nosso povo, está desmoronando diante de nossos próprios olhos! Ginza sobreviveu a ataques aéreos, mas este monstro a reduziu a escombros!”).

Por sinal, é interessante perceber como a imaginação visual do diretor Takashi Yamazaki ao criar sequências de destruição elaboradas demonstram um talento que, no futuro, ele pode vir a empregar em produções dos mais diversos tipos: ao enfocar o disparo do raio atômico do Godzilla, por exemplo, o cineasta constrói uma antecipação àquele momento ao passear com a câmera pela cauda do monstro, mostrando cada uma de suas barbatanas brotando violentamente e se iluminando aos poucos, até chegar à sua boca e culminar na rajada em si – e a devastação causada por esta, por sua vez, é antecedida por uma pausa a fim de tornar todo o impacto do que vem depois (a obliteração dos prédios e dos cidadãos ali perto) ainda maior. Num filme de super-herói (ou, digamos, numa adaptação de Dragon Ball), esta atenção que Yamazaki dá a detalhes da ação e/ou dos “poderes” dos personagens serviria facilmente para tornar suas batalhas visualmente criativas e, por consequência, empolgantes (ou, em bom português, “legais”); numa obra trágica e melancólica como Godzilla Minus One, estas decisões mostram-se eficazes justamente por ajudarem a escancarar o horror e a calamidade representadas pela criatura-título.

Neste sentido, ajuda bastante o fato de o Godzilla se apresentar aqui como uma figura genuinamente apavorante, de um jeito que as versões americanas do personagem jamais chegaram perto de ser (nem quando tentavam). Com olhar intenso e bem-definido (daqueles que fitam profundamente e, por isso mesmo, passam a intimidar), uma boca que parece sempre moída/ensanguentada e um corpo cuja textura parece composta pela carne de seres já mortos, a criatura de Godzilla Minus One desperta não só pânico, mas mal-estar sempre que aparece (só não supera, neste quesito, a fera de Shin Godzilla, que me causou tanto desconforto que eu mal conseguia olhá-lo). Não é à toa que um dos momentos mais apavorantes – e, portanto, memoráveis – do filme é aquele que traz os heróis sendo perseguidos por Godzilla em alto mar e que, ao trazer ambos se locomovendo em baixíssima velocidade, obriga os personagens a encararem incessantemente o monstro enquanto tentam fugir dele (algo que ajuda a sequência inteira a parecer saída de um pesadelo). Além disso, os efeitos digitais empregados para criar Godzilla e a destruição por este causada impressionam pelo polimento, pela atenção aos mínimos detalhes e pela sensação de peso físico que trazem, estabelecendo um curioso contraponto, contudo, à forma com que o lagartão anda e se move, que busca sempre remeter às suas versões clássicas ao mostrá-lo caminhando sempre ereto, travado e de modo lentíssimo.

Pois ao se aproveitar deste equilíbrio entre o clássico e o moderno, entre alusões ao passado da franquia e constantes tentativas de atualizá-la, Godzilla Minus One só reforça como a sombra do pesadelo de 1945 (tão presente no original de 1954) continua a ecoar até hoje e seguirá viva ad aeternum – e só a decisão de situar a trama especificamente no período da Segunda Guerra já acentua a conexão entre a alegoria (o Godzilla em si) e seu significado (o contexto histórico que o motivou). Por outro lado, isso não impede o filme de ressignificar certos significantes a fim de buscar, ao menos, um caminho que ajude a cicatrizar tais feridas históricas e a melhor conviver com estas – não é à toa, em particular, que o protagonista da obra seja um ex-kamikaze que amarga a culpa por não ter se sacrificado (um arco dramático ambicioso que jamais veríamos num Godzilla norte-americano) e que encontra, na missão de destruir o monstro, uma chance de também se redimir.

Que Godzilla continue vivo depois de tantas tentativas de abatê-lo é algo que reitera sua capacidade de manter o trauma do povo japonês bem presente em seu imaginário. Que os personagens humanos de Godzilla Minus One sobrevivam a toda a catástrofe que presenciaram, em compensação, é um atestado não só de sua resiliência, mas de sua capacidade de manter viva a memória dos que se foram.

Assista também ao vídeo que gravei sobre o filme:

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