Eternos (1)

Título Original

Eternals

Lançamento

4 de novembro de 2021

Direção

Chloé Zhao

Roteiro

Chloé Zhao, Patrick Burleigh, Ryan Firpo e Kaz Firpo

Elenco

Gemma Chan, Salma Hayek, Richard Madden, Lia McHugh, Kumail Nanjiani, Brian Tyree Henry, Angelina Jolie, Lauren Ridloff, Barry Keoghan, Don Lee, Harish Patel e Kit Harington

Duração

156 minutos

Gênero

Nacionalidade

EUA

Produção

Kevin Feige e Nate Moore

Distribuidor

Disney

Sinopse

Os Eternos são uma raça de seres imortais que viveram durante a antiguidade da Terra, moldando sua história e suas civilizações enquanto batalhavam os malignos Deviantes.

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Eternos | Crítica

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A poucos dias de vencer os quatro Oscars que recebeu por Parasita, há cerca de um ano e meio, o sul-coreano Bong Joon-ho alegou em entrevista à Variety que provavelmente nunca dirigirá uma produção da Marvel. Não, o motivo por trás da declaração nada tinha a ver com Martin Scorsese e sua polêmica colocação de que os filmes do estúdio “Não eram Cinema”; no caso de Joon-ho, o motivo era mais simples: “Não acho que a Marvel e eu sejamos compatíveis”. E está certo: por mais que, de vez em quando, o produtor Kevin Feige contrate um diretor com visão particular, no fim das contas nem o mais “autoral” dos projetos do MCU escapará totalmente das convenções estilísticas/narrativas destes e nem o cineasta mais independente terá direito ao “final cut” de seu longa – afinal, estamos falando de uma linha industrial pautada em fórmulas de sucesso extremamente rígidas. E mesmo os cineastas que conseguiram injetar voz própria aos filmes que comandaram sob o selo Marvel (James Gunn, Ryan Coogler, Taika Waititi) o fizeram sempre jogando com as regras do estúdio, nunca quebrando-as por completo.

O que nos traz a Chloé Zhao (Domando o Destino, Nomadland): diretora que há pouco venceu dois Oscars (Melhor Filme e Direção) e que vem se notabilizando pelo estilo intimista e naturalista de suas narrativas, ela parecia uma escolha adequada para um projeto que, afinal, gira em torno de personagens que, embora superpoderosos, evitam qualquer arroubo de megalomania ou heroísmo e buscam por introspecção em campos e cidadezinhas pacatas, longe do caos urbano. Infelizmente, o que vemos na prática em Eternos é um choque de visões criativas e formais que, dividido entre a voz de Zhao e o compromisso em se encaixar nos padrões estilísticos da Marvel, se revela um caos absoluto; uma coisa ao mesmo tempo aborrecida demais para entreter e tola demais para ser considerada “profunda”.

Em outras palavras: Eternos só me fez perceber que obras como o Homem-Aranha de Sam Raimi, os Batmans de Tim Burton e Christopher Nolan e o Hulk de Ang Lee são cada dia menos possíveis no mundo atual pelo simples fato de que elas podiam se dedicar mais à autoria de seus realizadores e menos à obrigação de ser “mais um acerto da Marvel (ou da DC)”.

Escrito por Patrick Burleigh, Ryan e Kaz Firpo e pela própria Chloé Zhao, o roteiro gira em torno de personagens cuja origem está diretamente ligada à criação (ou Criação) em si: na realidade da Marvel, o surgimento da vida e do universo foi acompanhado de perto pelos Celestiais, criaturas absolutamente colossais (maiores que planetas inteiros) que há milênios incumbiram aos poderosos Eternos a função de proteger a Terra dos temíveis Deviantes – o que os proíbe, no entanto, de interferir no curso da Humanidade para salvá-la de qualquer situação que não envolva aqueles monstros específicos, obrigando-os a assistir passivos a todas as tragédias que acometeram o mundo sem que nada pudessem fazer. Uma premissa curiosa (que remete a Eram os Deuses Astronautas), mas que o filme constrói da maneira mais pobre e desinteressante possível ao sobrecarregar os diálogos de pura exposição: em vez de mostrar os conceitos que introduz, o longa se limita a dizê-los da boca para fora – e o faz de forma tão frágil que, quando chega o terceiro ato, os personagens ainda estão explicando (de modo puramente verborrágico) coisas básicas que ainda não tinham sido estabelecidas sobre eles e o universo que os cerca.

E esta é apenas uma das concessões que Zhao é obrigada a fazer a fim de tornar seu filme o mais óbvio, simplista e mastigadinho possível – ainda que, ao mesmo tempo, tente desesperadamente nos convencer de que se trata de uma obra “elevada” e “cabeçuda”. Se do ponto de vista narrativo e dramático o longa desaponta nas questões que busca levantar (como abordarei adiante), o mesmo se aplica à tal “voz” que Zhao teoricamente imprimiu ao projeto: em vez de fazer jus ao caráter intimista e ao potencial dos dilemas internos de cada Eterno, o longa basicamente resume a assinatura de sua diretora aos planos que trazem os personagens diante do pôr do sol ou iluminados por um único ponto de luz em meio à escuridão da noite, remetendo à aparência das imagens que Zhao capturava em seus projetos anteriores, mas privando-as de significado (como se tentasse parecer existencial e sensível em vez de sê-los de fato).

O motivo para isso é simples e notório: sempre que Chloé Zhao parece prestes a adentrar nos aspectos mais densos (e promissores) do universo e dos personagens que tem em mãos, surge a obrigação abrupta de ainda assim nivelar a profundidade estilística/temática o bastante para se enquadrar na chamada “fórmula Marvel” – o que leva a cineasta a parar e se concentrar nas mesmas obviedades de sempre (e que claramente não são de seu interesse), como, por exemplo, as piadinhas bobas e repetitivas que entram forçadamente nos momentos menos apropriados (e a maior parte da participação de Karun, o mordomo de Kingo, soa irritante e completamente deslocada da proposta geral da obra, por mais que o ator Harish Patel tente conferir alguma dimensão dramática ao papel ao ilustrar seu apego emocional aos heróis). Da mesma forma, as cenas de ação carecem de qualquer toque particular e parecem ter sido feitas no piloto automático somente pela equipe de segunda unidade, mostrando-se genéricas e aborrecidas (isso me fez lembrar de quando a argentina Lucrecia Martel relatou ter sido convidada para dirigir Viúva Negra e recusou o convite ao ser orientada de que as sequências de ação “ficariam por conta deles (da Marvel)”, descartando qualquer contribuição que a cineasta viesse a dar neste sentido).

Porém, o que mais me entristece em Eternos é perceber o tanto de potencial que havia nos (sim, ambiciosos) arcos dos personagens: concebidos com a finalidade básica de servir aos Celestiais e proteger a Terra, os heróis e anti-heróis eventualmente se lançam, ao longo dos 156 minutos de projeção, em uma série de indagações a respeito de quem são (por que existem? Por que não podem ser o que querem em vez de viver somente para seguir programações? Não é cruel que eles tenham os poderes para salvar a raça humana e, contudo, sejam obrigados a deixá-la perecer? O que cria outro conflito interessante: uma vez que cogitam desobedecer à ordem dos Celestiais, eles estão rompendo com a única razão pela qual existem, gerando, inclusive, discordâncias dentro do próprio grupo.) Infelizmente, todas estas questões ficam por isso mesmo, pois se limitam a uma ou outra frase de efeito e aos momentos nos quais os personagens chegam às suas conclusões (nunca se aprofundando, porém, na reflexão que os levou até elas). Desta maneira, o fato de Sprite se identificar mais como humano que como Eterno poderia render um drama eficiente, mas se enfraquece ao ser abordado apressadamente só no terceiro ato, ao passo que toda a paixão entre Sersi e Ikaris através dos milênios se resume a linhas de diálogo simplórias e, na maior parte do tempo, pavorosas (“Eu sou seu, Sersi, se você me tiver”).

Admirável ao menos em seus esforços de inclusão, Eternos não teme incluir uma mulher surda e um homem gay entre seus super-heróis, mostrando-se corajoso ao retratar a primeira se comunicando sempre através de linguagem de sinais* e o segundo constituindo família e estrelando o primeiro beijo homoafetivo de toda a História do MCU – e ambas as decisões merecem palmas não só por desafiarem as audiências mais preconceituosas, mas principalmente por lembrarem o público geral de que estes grupos que a sociedade insiste em excluir existem (como apontei em meu texto sobre Luca). Em contrapartida, a mania norte-americana de enxergar as culturas exteriores (a indiana, por exemplo) como algo exótico, a ponto de extrair risadinhas dos demais personagens, já encheu a paciência. Da mesma forma, quando os escombros dos bombardeios em Hiroshima e Nagazaki surgiram na tela, o momento me pareceu cínico em função não só da beleza plástica da cena, mas da tentativa do filme de pintar uma “culpa” americana que não me soou sincera graças à mentalidade pró-Estados Unidos que Zhao constantemente denota no mundo real.

Terminando num gancho para uma continuação que, confesso, não me gerou interesse algum em conferi-la, Eternos é a constatação máxima de que a Marvel parece estar passando por uma enorme crise criativa após Vingadores: Ultimato – só isso explicaria a quantidade de produções medíocres e carentes de propósito que vieram desde então. A única diferença é que, desta vez, há resquícios da autoria de Chloé Zhao espalhados pela projeção, mas sufocados pela mão pesada de uma megacorporação que, incapaz de conceder voz total a seus realizadores, reduz o estilo da cineasta a uma grife que permita aos fãs (e a boa parte da crítica) defender o filme como “algo diferente de tudo que a Marvel já produziu”.

Até aí, o Quarteto Fantástico de Josh Trank também era.

–––––

*Desde que assisti ao filme, li/ouvi um monte de comentários na Internet questionando a lógica de Makkari ser surda, com alguns chegando a perguntar “Ora, se os Eternos foram projetados para ser perfeitos, como pode um de seus membros ter uma deficiência destas?”. Um exemplo óbvio de mentalidade capacitista que, claro, pode não ter sido mal-intencionado (a sociedade o(a) ensinou a pensar assim), mas que precisa urgentemente de correção. Em suma: um ser humano surdo/mudo/cego/paralítico/etc não veio “com defeito”; apenas vive de uma forma diferente de quem não porta estas especificidades. E é por isso que admiro o fato de o filme retratar Makkari como deficiente auditiva: ela não é “menos perfeita” por causa disso.

Gravei também um vídeo sobre o filme:

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