Doutor Estranho 2

Título Original

Doctor Strange in the Multiverse of Madness

Lançamento

5 de maio de 2022

Direção

Sam Raimi

Roteiro

Michael Waldron

Elenco

Benedict Cumberbatch, Elizabeth Olsen, Xochitl Gomez, Rachel McAdams, Benedict Wong, Chiwetel Ejiofor, Julian Hilliard, Jett Klyne, Patrick Stewart, Hayley Atwell, Lashana Lynch, John Krasinski, Anson Mount, Michael Stuhlbarg e Bruce Campbell

Duração

126 minutos

Gênero

Nacionalidade

EUA

Produção

Kevin Feige

Distribuidor

Disney

Sinopse

O aguardado filme trata da jornada do Doutor Estranho rumo ao desconhecido. Além de receber ajuda de novos aliados místicos e outros já conhecidos do público, o personagem atravessa as realidades alternativas incompreensíveis e perigosas do Multiverso para enfrentar um novo e misterioso adversário.

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Doutor Estranho no Multiverso da Loucura | Crítica

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Há dois filmes disputando ferozmente por espaço em Doutor Estranho no Multiverso da Loucura: o primeiro é uma história de horror que sugere arcos dramáticos ambiciosos (que poderiam – no futuro do pretérito – resultar em uma estrutura melodramática interessante) e que constantemente permite que o diretor Sam Raimi abrace suas raízes e resgate o nojo, o nervosismo e/ou a irreverência de obras como Darkman, Arraste-Me para o Inferno e, claro, a trilogia Evil Dead; o segundo é um produto rotineiro da Marvel que, como todos os outros enlatados da fábrica multibilionária do executivo Kevin Feige, sente-se obrigado a perder tempo com piadinhas bestas que fragilizam a atmosfera lúgubre almejada por Raimi e com citações a outros filmes, séries e super-heróis do estúdio enfiadas à força somente para levar os fãs do estúdio à histeria.

Este, claro, é um problema que em maior ou menor grau percorre praticamente todos os 28 capítulos do MCU (do inglês, Marvel Cinematic Universe): movida pelo desespero em preservar a conexão estética/narrativa entre os vários filmes que compõem aquele universo (mantendo seus produtos dentro de uma zona de conforto que busca não ofender nem desagradar seus clientes), a “fórmula Marvel” naturalmente não pode se dar ao luxo de permitir que os diretores que passam por suas empreitadas imprimam totalmente suas assinaturas a estas, já que isto possivelmente faria um filme soar incompatível ou deslocado do outro – e mesmo os longas do MCU que mais chegam perto de conseguir injetar alguma visão particular em suas conjunturas (Guardiões da Galáxia, Thor: Ragnarok, Pantera Negra) ainda têm suas óbvias e inevitáveis concessões. Aliás, duvido que até o maior entusiasta da Marvel seja capaz de dizer sinceramente que obras como Vingadores: Ultimato ou Homem-Aranha: Sem Volta para Casa, por melhores que sejam, sejam “autorais” ou tenham “vozes próprias”.

Neste sentido, só o fato de Doutor Estranho no Multiverso da Loucura ser dirigido por um cineasta experiente e inventivo como Sam Raimi faz toda a diferença, já que, mesmo limitado pela “fórmula Marvel”, ao menos ele é capaz de ocasionalmente apresentar alguma proposta que fuja do bê-a-bá da maioria dos diretores que assumem o MCU e que atuam basicamente como operários de Kevin Feige – e, assim, mesmo quando o (fraquíssimo) roteiro de Michael Waldron cria uma cena aparentemente incontornável em sua preguiça (como, por exemplo, o longo monólogo expositivo no qual o Barão Mordo explica toda a natureza da Feiticeira Escarlate), Raimi encontra um jeito de ilustrá-la de forma visualmente criativa, permitindo, por exemplo, que a montagem de Bob Murawski e Tia Nolan sobreponha as ações/reações simultâneas de diferentes personagens em diferentes lugares através de fusões (ou crossfades) que ajudam a gerar a sensação de que eles estão “dispersos” no tempo. Do mesmo modo, a imaginação de Raimi é fundamental ao explorar as (infinitas) possibilidades visuais dos poderes do Doutor Estranho e da Feiticeira Escarlate, substituindo socos e pontapés por combates que surpreendem em função dos truques novos que os personagens poderão inventar a qualquer momento (e que podem lidar até mesmo com conceitos abstratos, imateriais), desde apagar a boca de um indivíduo até disparar notas musicais uns contra os outros.

Ainda mais significativo, contudo, é o fato de Sam Raimi ser um diretor totalmente proveniente do Cinema de terror B dos anos 1980 – e, como já discuti num texto que escrevi sobre Bad Taste – Náusea Total, longa de estreia de Peter Jackson, as produções de baixo orçamento são um terreno fértil para que os cineastas exercitem sua imaginação visual (tanto Raimi quanto Jackson, por sinal, são fortemente influenciados pelos Mortos-Vivos de George Romero). Neste sentido, é perfeitamente apropriado que Doutor Estranho 2 traga uma cena na qual a Feiticeira Escarlate atravessa um espelho se contorcendo de forma grotesca e outra na qual ela surge ensanguentada e mancando num corredor em direção aos heróis, que fogem dela como fugiriam do vilão de um slasher movie. De um ponto de vista de violência gráfica, aliás, o filme se revela infinitamente mais pesado do que eu imaginava ser possível em uma produção da Marvel, não temendo incluir olhos sendo perfurados e/ou arrancados, membros sendo decepados e até cabeças sendo explodidas – e mesmo o fato de a trama girar em torno de um certo “livro dos demônios” acaba soando como uma alusão (involuntária?) a Evil Dead que é “recompensada” quando, no terceiro ato, o protagonista ressurge numa versão zumbi que é fruto não só de um design criativo (sua “capa” é composta por restos de esqueletos arrastados por uma névoa preta), mas de uma maquiagem tão (propositalmente) artificial que parece saída de algum trabalho do início da carreira do diretor.

Infelizmente, por mais que Raimi se esforce – e, em vários momentos, consiga – articular uma atmosfera de horror eficiente (constantemente, o cineasta e o diretor de fotografia John Mathieson mergulham o espectador no ponto de vista não dos personagens, mas dos feitiços conjurados por estes, aproximando rapidamente a câmera dos heróis em movimentos circulares e disformes, como se os perseguisse – um recurso comum na filmografia de Raimi), esta é o tempo todo comprometida pelo hábito da Marvel de enfiar à força um monte de piadinhas tolas que quebram a tensão e a instabilidade que vinham se desenhando até então – e o mais frustrante é perceber que, embora Sam Raimi seja um diretor experiente em provocar o riso a partir do horror, as tentativas de humor vistas aqui nada têm a ver com a fisicalidade ou com a irreverência escatológica dos trabalhos anteriores do cineasta, limitando-se, em vez disso, às mesmas “tiradinhas” que já estamos cansados de ver em toda produção da Marvel (é sério que o máximo de criatividade que o filme demonstrará ao criar uma piada sobre o Homem-Aranha será… questionar se suas teias saem por todos os seus orifícios? De novo, esta piada que já ouvimos sabe-se lá quantas milhões de vezes?).

Em outras palavras: é como se Sam Raimi tentasse criar uma obra marcante por conta própria, mas fosse o tempo todo cerceado pela obrigação de incorporar todas as burocracias de um típico “filme da Marvel” (leia-se: todos os mandamentos feitos pelo chefão Kevin Feige). Isto, aliás, se aplica não só às frequentes (e ineficazes) tentativas de humor, mas, principalmente, à completa bagunça que é o roteiro de Michael Waldron, que se preocupa menos em construir uma história coesa e mais em aglutinar uma penca de ideias avulsas, menções a eventos de outros filmes/séries e participações especiais de personagens que nada acrescentam à trama e que surgem em cena por puro fan service – e há toda uma passagem na qual o Doutor Estranho e a adolescente America Chávez são enviados a uma prisão em outra dimensão (e julgados por um certo grupo de super-heróis) que deve consumir uns 20/30 minutos de filme e que não tem serventia alguma para a história como um todo, sendo frustrante perceber como o longa perde um tempo precioso de projeção (que poderia estar gastando para desenvolver os personagens ou a narrativa) com estas intromissões. E, por mais que eu até admire a decisão de dar um desfecho inusitado e graficamente violento para aqueles personagens, também não consigo evitar a sensação de que esta conclusão não só mantém como reforça o fato de que toda aquela subtrama não serviu para absolutamente nada.

Encarnando o personagem pela quinta vez em toda a filmografia do MCU, Benedict Cumberbatch continua a se mostrar uma escalação perfeita para o papel de Stephen Strange, sendo capaz de fazê-lo soar autoconfiante (e até meio soberbo, de certa forma) graças aos seus vastos conhecimentos sobre as magias que domina e, ao mesmo tempo, vulnerável em função de tudo aquilo de que teve que abrir mão em prol da vida que leva – e é uma pena, contudo, que o potencial dramático do conflito que divide com a cirurgiã Christine Palmer (interpretada por Rachel McAdams, que tem um pouco mais a fazer do que no primeiro longa) seja subaproveitado pelo roteiro, que prefere perder tempo se concentrando em várias outras coisas menos promissoras. Enquanto isso, a jovem Xochitl Gomez fica presa ao ingrato papel de America Chávez, uma personagem que o próprio filme parece encarar apenas como um artifício de roteiro (no caso, um MacGuffin), ao passo que Elizabeth Olsen ao menos confere intensidade a Wanda Maximoff, que se revela uma perpetuação do velho estereótipo da “mulher mentalmente desequilibrada que não consegue controlar seus poderes”.

Sobrecarregado de diálogos expositivos (a ponto de chegarmos ao terceiro ato e os personagens ainda estarem esclarecendo conceitos básicos daquela narrativa que ficaram mal explicados até então), Doutor Estranho no Multiverso da Loucura é um filme… estranho (com perdão do trocadilho): ao mesmo tempo em que os esforços de Sam Raimi são capazes de fazê-lo alcançar certa personalidade (o que ajuda a torná-lo distinguível dos demais projetos da Marvel), isto não elimina a sensação de que o longa em si pouco mais é do que… apenas mais uma engrenagem no imenso maquinário comandado por Kevin Feige.

Obs.: as críticas sobre todos os demais filmes do Universo Cinematográfico da Marvel estão disponíveis aqui.

Assista também ao vídeo que gravei sobre o filme:

***

(Lembre-se: a pandemia não acabou. Se for sair de casa e ir ao cinema, siga todos os cuidados sugeridos pelas organizações sérias de Saúde e, mais importante, vá ao posto tomar sua vacina. Se já tomou a primeira dose, tome a segunda. Se já tomou a segunda e já chegou a vez de tomar a terceira, tome a terceira – se ainda não chegou, espere e vá assim que ela estiver disponível. É triste ter que escrever isto, mas… não escute o atual presidente da República ou mesmo seu ministro da Saúde: vacine-se e proteja-se. #ForaBolsonaro)

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