Honey Boy

Título Original

Honey Boy

Lançamento

11 de março de 2020

Direção

Alma Har’el

Roteiro

Shia LaBeouf

Elenco

Noah Jupe, Shia LaBeouf, Lucas Hedges, FKA Twigs, Maika Monroe, Natasha Lyonne, Martin Starr, Byron Bowers, Laura San Giacomo e Clifton Collins Jr.

Duração

94 minutos

Gênero

Nacionalidade

EUA

Produção

Alma Har’el, Anita Gou, Brian Kavanaugh-Jones, Christopher Legget e Daniela Taplin Lundberg

Distribuidor

Sony Pictures

Sinopse

Otis é uma criança de 12 anos em ascensão na TV, porém sua vida gira em torno de seu pai, James, um ex-condenado e viciado que está em plena reabilitação. Por mais que dedique sua vida à carreira do garoto, a forma rude como o trata faz com que o garoto cresça com muitos traumas. Já adulto, Otis resolve se internar em uma clínica de reabilitação para tratar de seu vício em bebidas alcóolicas, o que faz com que relembre muitos dos abusos cometidos pelo pai quando criança.

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O Preço do Talento | Crítica

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Quando conheci Shia LaBeouf, por volta do fim dos anos 2000, minha impressão sobre ele não foi das melhores: estrela de superproduções como Transformers e Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal, o sujeito me soava como mais um daqueles atores medíocres que surgem de dez em dez anos para serem escolhidos por Hollywood como o galãzinho da vez e que se destacam mais por serem rostos comercialmente rentáveis do que por qualquer talento que pudessem ter. No entanto, conforme os anos foram passando, a figura de LaBeouf começou a me parecer, digamos, diferente do que eu imaginava: por um lado, ele passou a abraçar projetos menores e mais ambiciosos (Ninfomaníaca; Corações de Ferro; Borg vs McEnroe); por outro, sua imagem pública tornou-se cada vez mais polêmica, aparecendo constantemente em situações esquisitas e dando a entender que se tratava de uma pessoa desequilibrada.

O fato é que, por mais talentoso que fosse, Shia LaBeouf ainda parecia ser um cara… complicado – e é por isso que, admito, fiquei emocionado ao vê-lo se abrir tanto em Honey Boy: concebida como uma espécie de “sessão de terapia em forma de filme” na qual o ator se sente à vontade para relatar, ao longo de 94 minutos, tudo que sofreu quando criança e todos os porquês de ter se tornado uma figura tão instável na vida adulta, esta produção roteirizada pelo próprio LaBeouf tem início nos apresentando a Otiz Lort, um ator de blockbusters que tem um grave vício em bebidas alcoólicas e que, depois de bater com o carro, é forçado a se internar em uma clínica de reabilitação. A partir daí, Otiz participa de intermináveis sessões com a terapeuta Moreno e, com isso, aos poucos relembra todos os momentos sofridos que viveu na infância, sendo particularmente atingido ao lidar com os traumas resultantes da criação abusiva de seu pai, James.

Claro, não é preciso muito esforço para perceber que “Otiz Lort” nada mais é do que um pseudônimo para Shia LaBeouf – e o fato deste ser o intérprete de James, o pai do protagonista, diz mais ainda sobre o caráter pessoal do projeto. Assim, assistir a Honey Boy é como ouvir uma pessoa subitamente se abrir sobre seus problemas mais íntimos e de uma forma que, justamente por ser tão sincera, não era de se esperar, não sendo à toa, portanto, que a interação entre Otiz e James seja repleta de pequenos detalhes que tendem a torná-la mais complexa e, consequentemente, mais verossímil: a pressão psicológica que o pai joga para cima do filho pelo simples fato de sustentá-lo, por exemplo, é algo fácil de imaginar que exista, ao passo que seu interesse em explorar a imagem do menino (um ator mirim) ao máximo possível em função de seu desespero para “melhorar de vida” é algo que tristemente reflete a realidade de muitas crianças-prodígio por aí. Neste sentido, é revelador – e doloroso – que até as raríssimas ocasiões em que Otiz parece dividir um bom momento com o pai terminem estragados pelo desequilíbrio deste (se não for direcionado ao filho, será a outras pessoas).

Enquanto isso, o pequeno Noah Jupe (Um Lugar Silencioso, Ford vs Ferrari) encarna Otiz como um menino que parece nutrir uma energia incontida dentro de si (e que é essencial para que ele brilhe diante das câmeras, explicando seu sucesso como ator), mas que, na maior parte do tempo, vive sob a sombra do pai abusivo e sendo obrigado a retrair suas indignações em função do medo (se tudo der certo, Jupe se tornará uma estrela depois deste filme). Já Shia LaBeouf vive o que talvez seja o papel mais importante de sua carreira, já que o peso de interpretar o próprio pai exige um conhecimento acerca de sua personalidade que só alguém que o conheceu de fato poderia ter – e que James seja uma figura tão difícil de ser relembrada é algo que torna o trabalho de LaBeouf ainda mais corajoso, dando vida a um sujeito que representa a causa de ele ser quem é hoje. E, se James é a causa, o Otiz adulto é a consequência, sendo admirável que Lucas Hedges (Manchester à Beira-Mar, Três Anúncios para um Crime, Lady Bird) surja em cena capaz de retratar as feridas permanentes que se mantiveram com o protagonista ao longo de toda uma vida.

Marcando a estreia da diretora Alma Har’el em longas de ficção (seus dois anteriores, Bombay Beach e Love True, eram documentários), Honey Boy encontra o meio termo perfeito entre a veracidade exigida pelos momentos mais dramáticos da narrativa e a estilização ideal para retratar o olhar da própria indústria de blockbusters sobre um ator como Otiz Lort (ou Shia LaBeouf) – e, quando este é arremessado para trás por uma explosão artificial num set de filmagem, a ação é registrada através de câmera lenta a fim de nos imergir rapidamente na lógica estética das superproduções das quais participa, ao passo que os conflitos entre o pequeno Otiz e seu pai (que ocupam boa parte da projeção) são sempre enfocados através de planos fechados, como se buscassem extrair o máximo das reações/emoções dos personagens (e de seus intérpretes). Para completar, a montagem de Dominic LaPerriere e Monica Salazar mostra-se inteligente, por exemplo, ao intercalar os encontros simultâneos que James e Otiz têm com prostitutas: se o primeiro mantém uma relação totalmente impessoal com elas, buscando apenas prazer rápido, o segundo desenvolve uma dinâmica carinhosa com outra, o que diz muito sobre ambos.

Mais do que um filme emocionante ou capaz de levar o espectador às lágrimas, Honey Boy é uma autorreflexão tocante de Shia LaBeouf – que, por sua vez, teve a sorte de encontrar em Alma Har’el a forma perfeita de catalisar seus sentimentos mais doloridos e transformá-los em Arte. E, mesmo que o plano que encerra a projeção seja de uma obviedade difícil de ignorar, isto em nada diminui a abordagem de LaBeouf ao se abrir sobre seus problemas mais internos durante uma hora e meia de projeção, exigindo uma coragem, no mínimo, admirável de sua parte.

Esta crítica foi escrita como parte da cobertura do Festival do Rio 2019.

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